
Ouça este conteúdo
O anúncio recente da aproximação brasileira com a estatal nuclear russa Rosatom, para a construção de reatores nucleares de pequeno porte, não deveria ser lido apenas como mais um capítulo das relações bilaterais Brasil-Rússia. Trata-se, na realidade, de mais uma etapa de um assédio persistente da Rússia sobre um setor altamente sensível e estratégico.
A história não começou agora. Ainda durante o governo de Michel Temer, a Rosatom tentava convencer o Brasil a adquirir sua tecnologia. Já naquela época, as autoridades brasileiras estudavam a proposta de instalar nucleares compactas e flutuantes no Brasil. A investida russa persistiu na administração Bolsonaro, mas sem muito sucesso no início.
O jogo mudou em favor do Kremlin com a crise dos fertilizantes. Em troca de fornecimento garantido ao Brasil, Putin escalou seu time para oferecer outros serviços.
As mini usinas entraram em pauta e outros projetos mais ambiciosos, como a construção da Usina de Angra 3 – tema discutido durante a visita do então presidente Jair Bolsonaro a Moscou, em fevereiro de 2022.
Embora a parceria nuclear não tenha avançado concretamente naquele período, o diálogo nunca foi totalmente interrompido.
Agora, sob o governo Lula, o Brasil abraçou a agenda de Moscou. O anúncio de que o Ministério de Minas e Energia fechou com Rosatom o acordo para implantação das usinas nucleares compactas “modernas, seguras e sustentáveis”, prometidas para revolucionar a vida em áreas remotas, parece lindo.
Mas imagine só que maravilha vai ser uma usina dessas no meio do nada, lá na Floresta Amazônica, submetida ao estresse do calor e da umidade, sem manutenção contínua e adequada? A pergunta não é retórica e nem tem cunho ambientalista.
A Rosatom não é uma empresa qualquer. Criada a partir dos escombros do antigo Ministério da Energia Atômica soviético, essa estatal opera diretamente sob controle do Kremlin e é um dos principais instrumentos da diplomacia energética de Putin.
Contudo, a empresa não é reconhecida exatamente pela sua excelência. Sem falar que sua experiência não passa nem perto do desafio que é montar esse tipo de instalação na selva. As chances de dar errado são enormes.
A falta de transparência está na origem do negócio. A representação da Rosatom no Brasil está registrada desde 2015, tendo como atividade econômica principal “Pesquisas de mercado e opinião pública”. Isso já foi denunciado pela revista VEJA em 2017.
Mas nada mudou e a Rosatom não só tem firmado contratos no Brasil, como também no Paraguai, Bolívia e Chile. Por falhas formais muito menores, contratos públicos são considerados inválidos. Mas no caso da Rosatom, parece estar liberado.
É compreensível e pertinente que o Brasil busque garantir sua segurança energética. Mas algumas perguntas devem ser feitas: faz sentido para um país como o Brasil, que possui uma matriz energética predominantemente hidrelétrica colossal e que tem potencial de aproveitar a energia excedente de Itaipu, embarcar numa aventura nuclear com parceiros de reputação duvidosa?
É prudente estabelecer uma parceria estratégica com uma empresa conhecida pelo “pós-venda” precário? E ainda, vale ainda associar-se a uma companhia que, por ter se envolvido diretamente no sequestro de usinas de Chernobyl e Zaporizhzhia na Ucrânia, e seu pessoal, e que, por causa disso, a empresa está sob ameaça de sanções?
Diante desses fatos, será que todos esses riscos estão realmente alinhados com os interesses nacionais brasileiros? Ou estamos testemunhando a ideologia político-partidária se sobrepondo à segurança energética e estratégica do país?
Talvez, a explicação não seja tão simples. Estaria a Rússia oferecendo algo mais? Justamente aquilo que o presidente Lula busca há tempos – o sonhado assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas? Mas qual seria o preço dessa ambição de grandeza?
Como o Lula pode pensar que o Brasil vai ganhar relevância no cenário mundial tomando um caminho que mina a sua credibilidade? O presidente brasileiro parece estar tão sedento por esse tíquete de entrada no clube dos membros permanentes do Conselho de Segurança que não se importa em entrar pela porta dos fundos.
VEJA TAMBÉM:
O cenário atual deveria disparar alarmes em Brasília. As relações com Moscou estão indo além da simples diplomacia comercial.
Estão invadindo o campo da segurança nacional, expondo o país a chantagens potenciais e limitando sua soberania
Não há parceria comercial ou energética que justifique tamanha vulnerabilidade. Ao se associar com a Rosatom, Lula coloca os interesses do Brasil na mira de sanções internacionais.
Isso já foi sinalizado pela migração massiva das importações de diesel para os provedores russos. Desde que Lula assumiu, a Rússia saiu do zero e assumiu a liderança absoluta do provimento do combustível.
Em 2024, mais de 63% das importações vieram de lá. Embora as importações da Petrobras não estejam diretamente envolvidas, o governo nunca moveu um dedo para conter a entrada de óleo russo. Coincidentemente, elas explodiram com Lula no poder.
Nos últimos dias, a União Europeia anunciou uma série de sanções ligadas às exportações de petróleo. O Brasil entrou nessa linha de tiro sem ter a necessidade, pois poderia ter se mantido longe de Putin simplesmente mantendo as fontes de diesel que já tinha.
Neste contexto, cabe ao Congresso Nacional questionar profundamente essa parceria, investigar contratos e impedir ou mitigar os danos que as decisões ideológicas poderão causar ao país. Friamente, não há justificativa alguma que sustente a defesa dos interesses nacionais que não sejam, unicamente, os interesses nacionais dos russos.
Conteúdo editado por: Aline Menezes





