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Celso Amorim, assessor especial do Brasil para Assuntos Internacionais, em encontro com o vice-ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Andrii Melnyk, na quarta-feira (10), em Kiev
Celso Amorim, assessor especial do Brasil para Assuntos Internacionais, em encontro com o vice-ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Andrii Melnyk, na quarta-feira (10), em Kiev| Foto: Twitter de Andrii Melnyk/Agência Brasil

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais, o suprachanceler Celso Amorim, foi a Kiev para apresentar aos ucranianos o que ele chama de proposta brasileira de paz. Amorim, que já havia visitado Moscou para se reunir com Vladimir Putin, parecia não estar muito disposto a enfrentar os caminhos tortuosos que levam à Ucrânia, mas acabou vendo-se obrigado a colocar o pé na lama para cumprir o script de isenção que é exigido para quem se se apresenta como mediador da paz. Ou, mais precisamente, para quem está há décadas em campanha por um Nobel da Paz para o chefe.

Sim, Lula sonha com um Nobel há tempos. Desde o programa Fome Zero, não faltaram tentativas de emplacá-lo como tal. Os esforços para desenrolar a crise nuclear do Irã, por exemplo, eram até agora o ensaio mais visível e caricato das ambições petistas no cenário internacional.

Mas a aventura de Amorim para tentar promover a paz na Ucrânia tem tudo para se transformar no ponto alto de um ativismo pessoal e ideológico que muitos equivocadamente insistem em chamar de diplomacia, mas só faz o Brasil parecer um desses malabaristas que se exibem em cruzamentos e semáforos.

Lula mandou o seu amigo e braço direito para assuntos de política externa para fazer uma viagem infernalmente pesada, ainda mais para um homem de 80 anos, para fingir ouvir os dois lados, embora todo mundo saiba o que ele pensa sobre a questão.

Lula já equiparou os invadidos aos invasores. Já declarou que a culpa é da Otan e sugeriu que os ucranianos deveriam parar de encher o saco (obviamente não com essas palavras) e entregar uma fatia de seu território para que guerra termine. Para Lula, Celso Amorim e seu entorno, a paz passa pela rendição das vítimas. Pelo menos é o que se pode interpretar.

Celso Amorim foi convidado a visitar a cidade que foi palco de um dos mais trágicos episódios da invasão. Em Bucha, o suprachanceler de Lula viu uma exposição sobre o extermínio de 400 civis pelas tropas russas. Cético, ele disse ao jornal Folha de S.Paulo: “Obviamente, nós somos contra as atrocidades e as mortes em qualquer lugar que ocorram. São imagens fortes, não vou entrar em detalhes. Mas não dá para tirar conclusões totalmente, são fotos”.

Amorim foi à Ucrânia para encenar neutralidade, mas não conseguiu se segurar.

Não deveria ser necessário relembrar o papel que Ucrânia e Rússia têm no conflito. Mas, infelizmente, como bem explica a teoria da ferradura, os extremos opostos da política brasileira convergem para o mesmo tipo de visão sobre Rússia e Ucrânia, na qual o rol de cada um dos países na guerra é equiparado ou até mesmo invertido.

A Rússia invadiu a Ucrânia. Os ucranianos, que já viveram situação semelhante em 2014, na qual perderam a Crimeia para Putin, reagiram. Houve uma agressão seguida de uma reação. A “guerra”, para usar um termo familiar, é o resultado da combinação de atos. Cabia aos ucranianos ficar de braços cruzados e perder o seu país ou reagir. Ao que parece, eles não tinham outra opção. Portanto, a falsa equivalência que muitas vezes surge no debate é uma afronta à decência.

Como definiu o general prussiano Carl von Clausewitz, autor do livro “Da Guerra (1832), uma das mais famosas obras de ciências militares, “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Ou seja, os esforços para evitar uma luta armada estão estre os mais sofisticados, complexos e essenciais da política e diplomacia. Esses mesmos esforços são aplicados para o fim das guerras. É esse o jogo que Lula e Amorim ensaiam jogar.

No caso da Ucrânia, eles já fracassaram no início e não restou opção que não fosse a resistência pela sobrevivência. E por que se chegou a esse ponto? Mais de uma vez, petistas graduados, como a ex-presidente Dilma Rousseff, já usaram a expressão “guerra de procuração” para dizer que Estados Unidos e Europa manobram a Ucrânia conforme seus interesses. Lula e Amorim não são explícitos, mas quando falam de guerra, quase sempre metem os Estados Unidos e a “guerra ao terror” na conversa.

Tendo a crer que a invasão da Ucrânia tem muito mais interesses que a lorota de Putin sobre proteção das minorias russas em território ucraniano ou a infâmia chamada “desnazificação”. A invasão, a reação e a repercussão internacional permitiram à Rússia, seu aliado mais poderoso, a China, e todos os seus satélites se aglutinarem em torno de um discurso de redesenho da ordem mundial. Que, por sinal, é o canto de sereia que encanta a diplomacia “ativa e altiva” liderada por Amorim. Sobre os cadáveres e escombros, avançaram temas como o da desdolarização, novo sistema de transações financeiras e outros engenhos para esvaziar a influência dos Estados Unidos e Europa no mundo.

Sendo assim, a invasão da Ucrânia parece que dificilmente será resolvida por qualquer voluntarismo tropical. Em tese, apenas em tese, a guerra precisava ocorrer para que fossem criadas as condições para as movidas do tabuleiro político global. E em tese, apenas em tese, a guerra terminará quando as coisas estiverem em seu lugar. E os jogadores são de outra liga. Não a brasileira.

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