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Leonardo Coutinho

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Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

O Estado refém

Gustavo Petro: o último Aureliano e o palanque do crime

Gustavo Petro se imagina em Macondo, mas seus delírios dão voz ao crime e afundam a Colômbia em retrocesso, violência e erosão institucional. (Foto: Elvis González/EFE)

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O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, é um esquisitão. Muita gente no país pensa que ele não bate bem da cabeça ou está sob o efeito de alguma substância. Trata-se de uma maledicência que se apoia em seus delírios presidenciais, cada vez mais recorrentes. A cada dia, Petro parece confundir seu governo com um romance. Aliás, o único romance do qual parece ter lido apenas o resumo.

Recentemente, o colombiano ergueu seu telefone celular como se fosse uma espada e declarou-se “o último dos Aurelianos”. Petro não apenas se colocava como um personagem de Cem Anos de Solidão. Ele revelava que, em sua mente perturbada, enxerga a Colômbia como se fosse Macondo – a cidade que Gabriel García Márquez forjou como cenário de sua obra central.

O problema é que, fora da literatura, delírios têm consequências. E as consequências das alucinações do ex-guerrilheiro – que, por sinal, tinha como nome de guerra Aureliano – já são mensuráveis no retrocesso da Colômbia, que volta a viver dias de violência e parece caminhar para um ponto de não retorno, que só poderá ser evitado nas eleições do ano que vem.

Os delírios aurelianos de Petro chegaram ao ápice há cerca de dois meses. A cena é a seguinte: ele foi a Medellín – a mesma cidade de Pablo Escobar – para realizar um evento político. Como se não bastassem suas loucuras convencionais, mandou buscar na prisão de segurança máxima da região nove chefes de organizações criminosas para se juntarem a ele no evento.

Isso mesmo: Gustavo Petro mandou trazer alguns bandidos de alta periculosidade, presos em regime de segurança máxima, para subir a um palanque e discursar “pela paz”. Um teatro delirante que dá voz, microfone e legitimidade ao crime. No palco, os algozes viram protagonistas. Na plateia, as vítimas são colocadas em seu lugar: em silêncio, como meras espectadoras da tragédia que ronda a Colômbia.

A “paz total” de Petro promete negociar com todos, o tempo todo. O presidente tenta substituir a regra por um roteiro: monólogos, selfies e slogans. A Colômbia conhece processos de desmobilização e justiça transicional. Foram difíceis, imperfeitos, por vezes frustrantes.

O que se vê agora, porém, é outra coisa: a instalação de uma economia política da dissimulação – com acordos com bandidos, subversão de valores e erosão da autoridade.

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Em Macondo, o tempo é circular. Na Colômbia real, o tempo é implacável. Quatro anos de Gustavo Petro não condenaram os colombianos a cem anos de atraso, mas, sem dúvida, já lhes impuseram pelo menos uma década de retrocesso. Qualquer pessoa conectada ao mundo real sabe que a extorsão não some porque ganhou discurso.

O controle territorial exercido pelos cartéis não evapora com aplausos. A coca não desaparece porque mudou a narrativa. O colombiano que vive amedrontado sabe que a solução de seus problemas não é uma hashtag.

Petro não é apenas indulgente com o crime; é beligerante com quem não compra sua fábula. O recado a Donald Trump, brandindo o telefone como espada e invocando os “coronéis Aurelianos”, é bravata performática para consumo interno. Serve ao personagem, não ao país.

A diplomacia transforma-se em palco, e a segurança pública, em cenário. O presidente ocupa a trama com simbolismos e desloca para os bastidores quem deveria estar à frente: polícia, promotores, juízes, prefeitos, cidadãos que pagam impostos e exigem o básico.

Criticado pelo show de horrores ao lado dos traficantes em seu palanque presidencial, Petro afirmou que o Cartel dos Sóis não existe e inventou uma nova organização global de tráfico para gerar distração e desviar o debate sobre sua confraternização com narcos.

A pergunta que fica para Petro é: que tipo de paz nasce quando o Estado terceiriza sua voz a quem o desafia? A paz que se compra com aplauso ao crime custa caro e dura pouco. Produz desmoralização institucional, incentiva a competição violenta por mais concessões e envia ao país a mensagem de que a força está do lado de fora da lei.

A Colômbia não é Macondo. É um país com memórias de guerra, milhares de vítimas e instituições que sangraram para existir. O presidente pode se imaginar o último Aureliano, mas a Colômbia precisa de um estadista disposto a interromper o processo de corrosão institucional que ele próprio causou.

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