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O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, que marcou para o próximo dia 3 um referendo sobre a anexação de região disputada com a Guiana desde o século 19.
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, que marcou para o próximo dia 3 um referendo sobre a anexação de região disputada com a Guiana desde o século 19.| Foto: EFE/Miguel Gutiérrez

O ditador venezuelano Nicolás Maduro está a um passo de avançar rumo a uma guerra. Do outro lado da contenda está a Guiana, que também parece estar disposta a brigar.

Desde que peruanos e equatorianos trocaram tiros por cinco semanas, no início de 1995, a região não registra um conflito entre países. Hugo Chávez armou a Venezuela até os dentes, considerando a possibilidade de uma invasão dos Estados Unidos. Maduro, que herdou o regime, mudou a lógica. Embora siga focando os americanos, ele deu sinais claros de que a estratégia é outra.

Há anos, ele alenta os planos de uma guerra com vizinhos, com o objetivo de transformá-la em um conflito que vá além de suas fronteiras. Qual é a evidência disso?

Maduro já planejou arrastar os Estados Unidos para um conflito na América do Sul e, com isso, justificar abrir as portas para os aliados extrarregionais do chavismo aterrissarem sem nenhuma restrição na região

Em 2017, enquanto o presidente Donald Trump tomava posse nos Estados Unidos, Maduro mostrava seus músculos, em um exercício militar sem precedentes. A Venezuela já havia quebrado. Sua população fugia em um êxodo sem paralelo na região. Faltavam comida, remédios e gasolina, mas o regime envolveu meio milhão de pessoas – entre militares e milicianos – em atividades que simulavam uma invasão colombiana, adivinhe só, como o suporte dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Naquele momento o alvo era a Colômbia. O chamado Plano Zamora 200, que empregou mais de meio milhão de militares e milicianos civis, ensaiava a defesa da Venezuela contra a invasão de uma força da Otan liderada pelos Estados Unidos e pela Colômbia, que naquele momento iniciava suas tratativas para ingressar na aliança militar como membro pleno.

Os documentos da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), que descrevem os exercícios de guerra, não deixavam dúvidas de que uma invasão teria disputas territoriais como pano de fundo, mas apenas isso. O plano era arrastar os Estados Unidos para um conflito na América do Sul e, com isso, justificar abrir as portas para os aliados extrarregionais do chavismo aterrissarem sem nenhuma restrição na região. A lista é encabeçada por China, Rússia e Irã.

O tal Plano Zamora previa ainda a eclosão de uma guerra civil ao estilo sírio, tendo de um lado os Estados Unidos e a Otan apoiando a oposição “reacionária”, e Rússia, China e Irã alimentando os chavistas com armas e munições. No exercício estava previsto que, qualquer que fosse a reação americana, ela levaria a um descrédito total dos Estados Unidos. Mais ou menos como está acontecendo hoje com Israel em sua reação ao terrorismo e covardia do Hamas.

Vale recordar que quem estava no poder era Donald Trump. Qualquer coisa que ele fizesse serviria de motivo para que fosse massacrado. Além da antipatia global ao presidente, há o recurso recorrente de relembrar o passado intervencionista dos Estados Unidos na América Latina. Qualquer semelhança com o contexto de adesão ao Hamas não é mera coincidência.

Esta coluna já tratou dos toques dos tambores de guerra de Maduro. Não é demais relembrar que ele não decide guerra nenhuma. Maduro é um proxy. China e Rússia têm sobre ele uma influência descomunal que é ignorada por quase todos que tentam entender a evolução da crise ao conflito. Em 2019, estive no Instituto Rio Branco tratando sobre este tema. Fica aqui o link para quem quiser assistir.

Maduro não decide guerra nenhuma. Ele é um proxy. China e Rússia têm sobre ele uma influência descomunal que é ignorada por quase todos

Reparem que, passados quatro anos, o cenário não mudou. Na verdade, evoluiu. Os patrocinadores do regime venezuelano reforçaram os pilares da ditadura de Maduro ao ponto de ela se normalizar. Depois disso, mantiveram o plano. Trocaram a Colômbia pela Guiana e seguiram em frente com o plano de exportar uma guerra para a América do Sul.

Se Venezuela e Guiana se estranharem na fronteira (as chances são altas), não dá para pensar que os guianenses serão deixados ao relento. São quase certas as participações dos Estados Unidos e do Reino Unido, pelo menos, no suporte à Guiana. Não há como prever se seria apenas com o envio de material militar ou se haveria um engajamento de tropas. Seria tudo que o eixo do mal, do qual Maduro é um fantoche, adoraria que acontecesse.

Por fim, não é exagero algum dizer que já há uma guerra em curso na Venezuela. Não é à toa que o país foi devastado, tendo como resultados coisas só vistas em países em guerra. Um possível conflito armado seria apenas um passo dentro do mesmo processo que se iniciou muito antes da morte de Chávez, em 2013. Para entender a multidimensionalidade do conflito venezuelano é preciso abandonar de vez a falsa percepção de que a guerra apenas acontece com o enfrentamento de exércitos. A guerra, há muito tempo, se dá de maneira híbrida, em terrenos que não envolvem soldados ou tiros. Volto ao tema na semana que vem.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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