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O ex-presidente dos EUA, Barack Obama.
O ex-presidente dos EUA, Barack Obama.| Foto: Martin BUREAU / AFP

Se a Constituição dos Estados Unidos não limitasse a presidência a apenas dois mandatos, Barack Obama talvez ainda estivesse dando expediente na Casa Branca. A imagem pode parecer exagerada, mas Obama tinha tudo para ser uma espécie de Evo Morales com os checks and balances que faltam à Bolívia.

Celebrado como o indígena que chegou à presidência, Morales permaneceu 14 anos no poder. Obama, igualmente minoria, foi o primeiro negro eleito presidente dos EUA. Foi embora oito anos depois, mas, para muita gente (dentro e fora dos Estados Unidos), Obama levou a presidência com ele.

Ele é querido demais.

Morales perseguiu e aniquilou opositores. Mandou mais de 1.200 para o exílio. Centenas foram presos ou mortos em operações cujo amparo legal inexiste.

Obama foi um dos campeões de deportações e bombardeios. Abusou da máquina de espionagem americana. Grampeou até a Dilma Rousseff. Fechou os olhos para o surgimento da China como ameaça aos Estados Unidos e negligenciou o avanço do bolivarianismo, não agindo a tempo de evitar a maior crise humanitária e econômica do Ocidente.

Nada disso importa, porém. A paixão por Obama é impressionantemente gigantesca. Mas ela não pode ser entendida apenas como carisma. Obama é um populista. O populista favorito.

O conceito virou moda desde o início da campanha de Donald Trump, mas não serve exclusivamente para definir o atual presidente americano. O populismo não tem lado na política. Da esquerda à direita, imprimiu o estilo de governar desde Hugo Chávez, passando por Lula, pelo já citado Evo Morales, por Andrés Manuel López Obrador (no México) e chegando aos americanos Trump e Obama.

Com o fim do governo Trump se aproximando, o brasileiro Jair Bolsonaro vai herdar o trono de maior populista do Ocidente. Enquanto isso, Obama segue sendo amado e saudoso. O ex-presidente norte-americano é tão querido que seu livro de memórias vendeu 890 mil cópias nos Estados Unidos e no Canadá só no dia de seu lançamento.

A atração por Obama não é diferente no Brasil. “Terra Prometida” está no topo das listas dos livros mais vendidos no país. Os leitores brasileiros percorrerão 764 páginas sem ler absolutamente nada sobre eles e seu próprio país. Mas o que importa? É o Obama.

As três únicas referências do livro ao Brasil são periféricas. Em uma delas, Obama conta que estava em visita ao país quando ordenou uma ação militar na Líbia. Em outra, fala de um encontro com Lula e cita a corrupção do petista. Por fim, relembra suas percepções pouco entusiasmadas sobre a constituição dos Brics.

A irrelevância do Brasil no primeiro volume das memórias de Obama é um reflexo do que foi a sua política para América Latina. Não há uma mísera menção à Venezuela, Argentina, Colômbia, Peru. O Chile aparece, apenas, como palco de um jantar. Até mesmo o México, justamente o vizinho México, é ignorado. Há mais menções a Bethesda – subúrbio chique perto de Washington, D.C. – que à América Latina como região.

Para se fazer justiça, trata-se de um livro de memórias. Não é uma anatomia de sua administração. Mas o fato de Obama não se referir a eventos importantes ocorridos abaixo do Rio Grande entre os anos de 2008 e 2016 parece confirmar que ele não prestou atenção aos temas latino-americanos.

Entre os entusiastas de Joe Biden há uma crença de que a relação dos Estados Unidos com o Brasil será melhor, como se ele fosse uma espécie de apêndice dos gloriosos anos de Obama. Se for mesmo assim, o que vem por aí não será nada bom.

Quando Obama foi presidente, o comércio com o Brasil encolheu. Entre 2008 e 2016, o valor médio das exportações brasileiras para os Estados Unidos caiu para níveis inferiores ao da média do segundo mandato de George W. Bush. Lacunas que foram preenchidas pela China, que viu no vazio deixado por Obama a chance de se posicionar como a principal parceira comercial do Brasil. Michel Temer e depois Bolsonaro retomaram a curva ascendente das vendas em direção aos EUA, relação que foi arrefecida em 2020 por causa da Covid-19. Mesmo com a pandemia, os Estados Unidos compraram, em média, mais produtos brasileiros nos quatro anos de Trump do que em qualquer um dos dois mandatos de Obama.

Na área ambiental não foi diferente. Obama apertou o garrote. Exigia do Brasil reduções de emissões de gases estufa, contrariando o previsto no Protocolo de Quioto. Sua posição em defesa dos americanos (America first?) impediu, por exemplo, que milhões de dólares fossem carreados para o Brasil, como forma de compensação pelos estoques de carbono nas florestas brasileiras.

Por sinal, os dois mandatos de Obama coincidem com o período em que o Brasil conseguiu reduzir drasticamente as taxas de desmatamento da Amazônia. O governo fez o seu papel e os produtores abriram mão de seus lucros, acreditando no conto da recompensa pela preservação.

Agora, Biden promete sanções ao Brasil caso o país não pare com a devastação. A parcela obamista do Brasil adorou a ameaça. A proposta de oferecer compensações financeiras por desmatamento evitado não seria ruim se já não fosse velha, enganosa e impositiva.

Obama não foi bom para o Brasil. Mas o que importa é que ele é o Obama.

Biden não tem o mesmo salvo-conduto do democrata e muito dificilmente terá o mesmo capital populista de Obama. Mas se ele repetir a fórmula para Brasil e região, podemos esperar muita cobrança e quase nenhum benefício.

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