
Ouça este conteúdo
Hoje, 25 de setembro, faz aniversário a reunião entre o então presidente Dwight Eisenhower e o líder soviético Nikita Kruschev em Camp David, em 1959. O encontro foi o ponto alto de uma visita que surpreendeu o mundo e que, por horas, pareceu inaugurar um degelo possível.
O roteiro era claro: aproximar superpotências, baixar a tensão em torno da divisão de Berlim que, naquele momento, ainda sequer tinha o muro físico marcando a divisão do mundo. Além disso, os dois buscavam abrir caminho para acordos de controle de armamentos. Havia, de parte a parte, uma aposta no apaziguamento, no que a imprensa chamou na época, inocentemente, de “espírito de Camp David”.
Antes do encontro na casa de campo presidencial, Kruschev passeou pela região, visitou fazendas em Maryland e na Pensilvânia, passou pela capital Washington, saracoteou por outras partes da América, observando in loco aquilo que conhecia apenas pelos relatos de seus espiões em solo americano.
Terminado o encontro, tudo parecia ir bem. Muitas idas e vindas de diplomatas, trocas de informações por canais oficiais. Conversas, conversas, conversas. No dia 1º de maio de 1960, o otimismo caiu por terra junto com um avião espião americano que fora abatido pelos soviéticos sobre o espaço aéreo da URSS.
Na época, os Estados Unidos negaram serem os donos da aeronave. Kruschev, entretanto, apresentou o piloto que havia sobrevivido e os destroços do aparelho, levando Eisenhower a assumir o óbvio: enquanto negociavam, ambas as partes se espionavam. O azar dos Estados Unidos foi terem sido flagrados.
O incidente ocorreu apenas duas semanas antes de uma cúpula marcada para acontecer em Paris. O clima ficou tão pesado que o encontro jamais aconteceu. O piloto americano foi preso, julgado e condenado por espionagem. A confiança, já escassa, virou pó. E a esperança de apaziguar as tensões entre as duas potências desapareceu, e as relações só pioraram.
Em agosto de 1961, as tensões em Berlim atingiram o ápice e os comunistas iniciaram a construção do muro, que se transformou em um dos símbolos mais infames da Guerra Fria. Mas nada se compara ao que viria depois.
Já sob a administração de John Kennedy, a URSS quase levou o mundo a uma guerra nuclear. Os Estados Unidos descobriram que Kruschev havia instalado mísseis com ogivas nucleares em Cuba.
As armas de destruição em massa estavam apontadas para os Estados Unidos. Tratava-se de uma resposta da URSS à presença de mísseis americanos na Turquia. Foram dias de fúria jamais superados até hoje, no que se refere ao risco real de um conflito nuclear.
Saltemos para 2025. O presidente Donald Trump e o líder russo Vladimir Putin sentaram-se em Anchorage, Alasca, no último dia 15 de agosto para tentar baixar a temperatura do mundo. Sem exagero, acho que dá para comparar com Camp David. O presidente americano, principal aliado da OTAN, recebeu em seu território um autocrata arruaceiro, sob ordem de prisão do TPI, e que tem ameaçado a aliança liderada pelos Estados Unidos. A diferença, entretanto, é que ninguém ficou realmente otimista com o encontro.
Nos últimos dias, Putin aumentou o assédio sobre a OTAN. Mandou drones e aviões que invadiram o espaço aéreo da Polônia, um de seus caças fez uma aproximação hostil a um navio espanhol e, hoje, um de seus bombardeiros triscou o espaço aéreo dos Estados Unidos no Alasca.
Putin está deliberadamente mandando um recado de que não quer paz. Evidentemente, também não quer uma guerra total contra os Estados Unidos e a OTAN.
Mas Putin faz suas traquinagens para relembrar ao mundo, como nos eventos da década de 1960, que negociar não significa muito e que, em meio a conversas, traições e armas nucleares, o mundo esteve à beira do abismo atômico
Nesta semana de Assembleia-Geral da ONU, Trump endureceu o discurso, sugerindo que a Ucrânia pode recuperar todo o território ocupado desde 2022 e instando os europeus a cortar a dependência energética russa.
Trata-se de uma virada de proa retórica em relação a posições anteriores, mais transacionais e territorialmente concessivas. Para Kiev, foi música; para Moscou, motivo de mais tensão. Talvez seja essa a razão do envio de um bombardeiro às franjas do espaço aéreo dos Estados Unidos.
O mundo de hoje parece ser bem mais complexo e dinâmico que o de 1959-1962. Putin quer nos fazer temer o risco de uma guerra nuclear. Abusa da paciência da OTAN, pois sabe que a reação não é a melhor solução. Transforma, assim, seu bullying em uma chantagem de proporções superlativamente criminosas e insanas.





