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Leonardo Coutinho

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Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Diplomacia

Paz possível: o realismo incômodo de Donald Trump

Trump aposta no realismo: paz possível, feita de concessões e freios à guerra, vale mais que ilusões de justiça perfeita e guerra eterna. (Foto: Daniel Torok/Divulgação/Casa Branca)

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O presidente Donald Trump resolveu atuar no único campo onde guerras terminam: a política. Engana-se quem pensa que as guerras começam com o fim da diplomacia e terminam pela diplomacia.

O mundo vive em conflito constante, e a paz, por assim dizer, é um desvio de rota. Nesse transcurso, em que a ordem natural nos direciona para a violência, a paz é resultado de arranjos políticos, força e interesses que definem o início e o fim dessa intercorrência chamada paz.

Nesta semana, o presidente Trump recebeu o ucraniano Volodymyr Zelensky e líderes europeus para discutir um possível cessar-fogo na Ucrânia, amarrado a garantias de segurança. Foi direto ao ponto, sem slogans: se houver acordo, os EUA ajudarão a construir os mecanismos que tornem impossível uma nova agressão russa.

A iniciativa veio após uma conversa a portas fechadas com Vladimir Putin. E aqui, a ordem dos fatores importa. Primeiro, medir o custo e a disposição do Kremlin. Depois, alinhar os ponteiros com Kiev e a Europa. O objetivo é claro: preparar o terreno para uma cúpula entre Putin e Zelensky, com um roteiro mínimo que permita encerrar as agressões.

O que pode sair disso? Um pacote indigesto, mas funcional: um cessar-fogo verificável, sistema de monitoramento com árbitros de verdade, troca de prisioneiros, corredores humanitários permanentes e um modelo de garantias de segurança que torne irracional qualquer recaída militar por parte de Putin. A questão dura de encarar é a seguinte: a Ucrânia e a Europa terão tudo o que desejam? Lamento dizer: é impossível.

É aqui que muita gente se equivoca. Vende-se a “paz ideal”, um mito embalado em discursos bonitos.

A paz real é um processo. Ela nasce de concessões recíprocas, é vigiada por mecanismos rígidos e só funciona quando desestimula a volta à guerra

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O armistício coreano não encerrou a guerra no papel, mas pôs fim à matança no mundo real. O Acordo de Belfast foi chamado de anistia para terroristas, mas desmontou a lógica da violência. Dayton, na Bósnia, produziu um sistema imperfeito, mas melhor que os massacres e o genocídio que estavam em curso nos Bálcãs.

Chamar isso de capitulação, caso Zelensky faça concessões, é confundir realismo com rendição. Capitular é aceitar a lógica do agressor. Realismo é compreender os limites do momento e trabalhar com eles. É reduzir danos agora e construir barreiras sólidas para o futuro. É dividir em etapas: primeiro, parar a matança; depois, garantir que ela não volte; por fim, discutir justiça e reparação. Justiça que espera o tempo certo não é omissão, mas estratégia.

É aqui que entra um exemplo incômodo, mas esclarecedor. Recentemente, escrevi no X (antigo Twitter) que as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki encerraram a Segunda Guerra Mundial. Muita gente interpretou como defesa das armas nucleares. Não é, e nunca foi. Não faço contabilidade de vidas.

Duas cidades foram apagadas do mapa. Dezenas de milhares de civis morreram. Tragédia absoluta. Mas o contexto importa: o Japão se preparava para lutar até o fim, e a guerra prolongada mataria muito mais, terminando não com duas cidades destruídas, mas com um país inteiro devastado. Entender o que aconteceu não é aprovar.

Trump pode ou não viabilizar o encontro entre Putin e Zelensky. Há uma janela estreita para isso. Se a paz vier, será feia e criticada. Haverá gritos nas redes sociais, discursos inflamados nos parlamentos e questionamentos honestos sobre o que ficou de fora. E tudo bem. Paz não é poesia. Se o acordo interromper a matança agora e erguer barreiras sólidas contra sua repetição, terá cumprido sua missão.

Não será justo. Não será completo. Não será limpo. A Ucrânia pode, sim, sair dessa guerra com perdas — talvez territoriais, talvez simbólicas. Mas pode sair dela viva, com um projeto de reconstrução, alianças mais fortes e garantias de defesa mais robustas. Essa não é a paz dos justos. É a paz dos sobreviventes. E pode ser suficiente.

É tempo de abandonar o mito da paz celestial. É hora de encarar a paz possível e deixar de absolutizá-la, como se só pudesse se concretizar sem concessões ou ambiguidades. Fora da paz possível, só resta uma alternativa: a guerra eterna.

Conteúdo editado por: Aline Menezes

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