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Inventaram que os Estados Unidos pretendem desligar o GPS no Brasil. Sim, você leu certo: desligar o GPS. A lorota, típica de conversa de botequim regada a paranoia, ganhou tração tanto na esquerda governista quanto em parcelas da direita conspiracionista. E como toda boa farsa política, veio acompanhada de uma solução salvadora: a criação de um sistema nacional de geolocalização, em nome (vejam só) da soberania nacional.
O problema é que o GPS, tal como a gravidade, não tem botão de desligar por país. Ele funciona na China, no Irã, na Venezuela, para o Exército russo, para o Hamas, para os cartéis de drogas e até para terroristas da al Qaeda.
Se os EUA pudessem desligá-lo seletivamente, o fariam e já o teriam feito. Mas não podem. E é justamente por isso que o boato é tão útil: ele não precisa ser verdade, apenas útil para justificar um projeto. E é aí que o jogo começa.
Não é a primeira vez que tentam nos empurrar soluções tecnológicas supostamente libertadoras. Quem não se lembra do “Uber dos Correios” ou a necessidade de uma “inteligência artificial” monoglota — evidentemente, em português.
No plano interno, essas ideias têm um duplo: servem para animar a plateia e sempre se convertem em oportunidade de negócios. No contexto internacional elas são parte de um alinhamento que tem colocado o Brasil na rota da dependência.
Junto com a história do GPS veio a que o Brasil ser expulso do sistema SWIFT, rede global de transações bancárias, assim como já aconteceu com o Irã no passado e atualmente com bancos russos.
O mais incrível é que sem imaginar que histórias assim são plantadas para justificar ações, tanto a esquerda quanto a direita – cada qual a seu modo – amplificaram a história que é uma peça do mesmo teatro.
Sendo assim, um banco brasileiro, no caso o Master, anuncia sua entrada no sistema chinês de pagamentos. O movimento é tratado com uma normalidade; uma “solução soberana” para proteger o Brasil dos malvadões dos Estados Unidos e Europa.
E, de novo, tudo embalado pela narrativa da soberania. Mas essa soberania tem dono, endereço e diretório central: e não é do PT que estou falando.
Durante a reunião dos BRICS no Rio, além de desfiar o rosário da necessidade de desdolarizar o comércio internacional (por que não o mundo), Lula anunciou, com pompa e soberania, a construção de cabos submarinos ligando os países do bloco.
A justificativa oficial é previsível: garantir segurança digital. Mas há uma razão mais oculta que os cabos que jazem nas profundezas oceânicas: criar uma rede paralela de informação onde ditaduras e semi-ditaduras possam operar longe dos olhos incômodos ocidentais.
É a versão tecnológica da “cortina de ferro”: uma internet para o mundo livre, e outra para os que preferem controlar e punir. E adivinhe quem está no centro do projeto? A China. Lula é só o porta-voz.
Não se trata apenas de infraestrutura. São canais por onde fluem dados, influência, espionagem e, acima de tudo, poder político disfarçado de fibra ótica. No novo jogo das guerras, os bits valem muito mais que as balas.
As obras físicas também seguem a mesma lógica. Ferrovias, rodovias e portos são apresentados como instrumentos de integração regional e progresso nacional. Mas basta olhar o mapa: muitas dessas obras conectam não cidades entre si, mas os recursos do Brasil ao embarque direto para a Ásia. Soa familiar? É porque é.
A China não quer só comprar commodities. Xi Jinping quer redesenhar nossa logística para servir sua própria cadeia de suprimentos
E adivinhe quem paga essa conta? Isso mesmo: vocês mesmos, caros leitores.
Nada disso seria possível sem uma boa história. E aí entra a “soberania” sendo usada como biombo para esconder o real jogo geopolítico. Um jogo no qual o Brasil não é o protagonista, mas sim um auxiliar voluntarioso, cada vez mais alinhado a regimes que veem a liberdade como um problema, e o Estado como dono da verdade.
Pequim não precisa invadir para dominar. Seus instrumentos são mais sutis: acordos de cooperação técnica, empréstimos vantajosos, sistemas de pagamento “alternativos”, redes de comunicação “seguras”. E, claro, elites locais dispostas a repetir o discurso e assinar os contratos.
A busca por autonomia tecnológica e financeira é legítima, desde que sejam reais. O que é visível no caso brasileiro é que isso virou pretexto para o país passar a servir outro império. Trocar uma dependência por outra, apenas com sotaque diferente, não é emancipação.





