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Leonardo Coutinho

Leonardo Coutinho

Brasil, América Latina, mundo (não necessariamente nesta ordem)

Negociação

Vitória sem guerra: a estratégia de Trump para conquistar a paz

Trump aposta na paz pela força: acordo entre Israel e Hamas é frágil, mas mostra que dissuasão e poder ainda superam a utopia da paz perfeita. (Foto: Neil Hall/EFE/EPA/POOL)

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Os terroristas do Hamas e Israel firmaram um pacto que dá início a uma tentativa de paz. O acordo, desenhado pelo presidente Donald Trump, com o aval de praticamente todos os que têm relevância nessa história e naquela região, prevê, nesta etapa inicial, a libertação dos reféns sobreviventes e a devolução escalonada dos corpos daqueles assassinados desde o ataque de 7 de outubro de 2023. Como não existe paz definitiva, é o início de um desenlace provisório (tomara, duradouro) de uma tragédia que parecia sem saída.

Como interlúdio entre conflitos e violência, a paz jamais chega sem feridas e cicatrizes. Esta que agora se anuncia nasce, sobretudo, de um cálculo de força e política: Trump e sua administração assumem a mediação dos Estados Unidos, mas atuaram junto com Catar e Egito (e, em parte, Turquia), num esforço diplomático complexo que relembra ao mundo que o America First do presidente Trump nem de longe significa que a América deixou o mundo de lado ou perdeu sua capacidade e influência em temas complexos.

Os passos seguintes preveem a desmobilização do Hamas, a retirada das tropas israelenses e a reconstrução de Gaza. Tudo parece perfeito e promissor. Mas o desafio que vem junto com isso é a cura das feridas de ambos os lados.

Quando os selvagens do Hamas invadiram Israel e, por meio do terrorismo, iniciaram uma guerra, queriam reativar a fúria e formar mais uma ou duas gerações movidas pelo ódio. Eles atraíram Israel para o campo de batalha sabendo que, militarmente, não seriam capazes de enfrentar a reação. É justamente nessa assimetria que o Hamas tem a sua força.

Como o terrorista não usa uniforme, todos que morrem são apresentados como civis. Como o terrorista não tem regra, a população de Gaza foi colocada na linha de tiro para morrer, gerar números e imagens. O resultado: empatia externa e ódio interno. A paz que se anuncia chega imperfeita, como sempre. Mas, neste caso, ela não só é incompleta: é altamente vulnerável.

Dando um salto para a América Latina, vemos o presidente que busca a vitória sem guerra, com unidades navais estacionadas no mar do Caribe, com os canhões apontados para a Venezuela. Muitos interpretaram essa mobilização como prenúncio de invasão, mas as evidências apontam para outra lógica. A evidência maior vem da ameaçada Venezuela. Nicolás Maduro está adorando dizer que está sob risco de guerra e que se prepara para resistir à invasão.

Beleza. Mas cadê as tropas venezuelanas reforçando a segurança da costa? Maduro mandou seus blindados para a fronteira com a Colômbia. Como assim? Se a invasão vem pelo mar, por que Maduro resolveu reforçar a segurança na selva, bem longe do suposto problema fatal? É que Maduro sabe que o problema é outro e, por isso, mandou proteger o seu negócio: o do Cartel dos Sóis. Está protegendo áreas de produção e armazenamento de cocaína. Enquanto cuida do que realmente importa para seu regime, faz espuma para ganhar apoio com a mensagem de que está pronto para defender a soberania.

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O presidente Trump não pode ser definido como pacifista. Sua doutrina parece ser a de negociar a partir da posição de quem pode golpear, se necessário. Por isso, ele estica a corda ao máximo antes de chamar para a mesa de negociação

O mesmo conceito se aplica a Lula e ao Brasil. Não pensem que o americano está morrendo de amores por Lula. Lula mudou a narrativa e a postura porque já sabe que não está em boas condições. Vai ceder no que Trump quer e depois vender a imagem de que saiu vitorioso. Estratégia válida para a claque interna. Trump dá a mínima para isso, desde que arranque o que deseja.

Na América Latina, os navios de guerra dos Estados Unidos no Caribe despertaram temores legítimos. O passado de intervenções não foi esquecido. Mas é preciso distinguir o que é fato do que é má interpretação. A frota atua nas fronteiras marítimas, na fiscalização de rotas ilícitas, pressionando estruturas que se beneficiam do caos regional, e não como prelúdio óbvio de invasão.

A presença americana por mais tempo pode gerar problemas para Maduro e seus negócios. E isso pode ser o que levará ao seu fim. Maduro pode cair por sua imagem ter se transformado em um passivo para a atividade criminosa que domina a Venezuela e é o pilar financeiro do regime. Imagine Maduro se aposentando em Moscou justamente para salvar o negócio?

Uma paz imperfeita e sem guerra.

Esse exercício delicado, muitas vezes, passa por atacar quando preciso, parar quando possível e negociar sempre que se possa. É a arte de tornar a dissuasão instrumento da paz. Por mais incompreensível que possa parecer, o presidente Trump está nos ensinando que a paz por meio da força tem se mostrado mais eficiente do que a versão idílica e demagógica da paz perfeita.

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