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Lorenzo Carrasco

Lorenzo Carrasco

“Transição energética”

Apagão ibérico: a conta chegou

Muitas zonas do casco urbano de Sevilha continuam sem abastecimento eléctrico após o apagão geral que foi afetado hoje na Península Ibérica. (Foto: Raúl Caro/EFE)

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O apagão que deixou toda a Península Ibérica sem eletricidade durante mais de dez horas, em 28 de abril, não foi o primeiro e nem será o último a demonstrar a inconveniência e inviabilidade técnica do favorecimento às fontes energéticas intermitentes, casos da eólica e solar, em detrimento das fontes convencionais (termelétricas, hidrelétricas e nucleares).

Um episódio idêntico – mas bem mais sério – ocorreu no Texas, EUA, em fevereiro de 2021, quando uma onda de frio paralisou os aerogeradores que forneciam quase um quarto da eletricidade do estado e levou o sistema elétrico ao colapso durante vários dias, causando dezenas de mortes e prejuízos de dezenas de bilhões de dólares.

No Brasil, em 15 de agosto de 2023, o Sistema Interligado Nacional (SIN) entrou em colapso por várias horas, devido a uma sobrecarga oriunda de uma rede no Ceará alimentada por centrais eólicas e solares.

Em fevereiro deste ano, todo o Chile ficou sem eletricidade durante horas, após a queda de energia em uma linha de transmissão que conecta usinas eólicas e solares ao sistema nacional.

Agora, o problema tocou à Espanha e a Portugal, países apontados como vitrines da “transição energética”, este conceito delirante que tem sido enganosamente propagandeado como solução para a inexistente crise climática supostamente causada pelo uso de combustíveis fósseis.

Apesar dos esforços para se ocultar a origem do apagão, sabe-se que o problema ocorreu devido a oscilações de frequência e um excesso de carga na rede espanhola, que levou a uma interrupção automática do sistema, produzindo um rápido efeito cascata nos dois países, cujas redes são interligadas.

Em particular, Portugal abriu mão da autossuficiência energética baseada em usinas termelétricas e hidrelétricas para importar eletricidade “mais barata” da Espanha, da qual hoje é dependente para boa parte do seu abastecimento.

A interrupção ocorreu às 12h33min, hora de Madri (11h33min em Lisboa). O jornal online El Mundo (01/05/2025) apurou que “anomalias críticas” já vinham ocorrendo na rede desde horas antes – na opinião de numerosos especialistas, causadas pela presença crescente de fontes eólicas e solares no mix elétrico espanhol. 

Como se sabe, tais fontes são intermitentes e notórias pela sua instabilidade frequencial e pelos problemas decorrentes da geração em corrente contínua, ao passo que as usinas termelétricas, hidrelétricas e nucleares que operam na geração de base geram energia “despachável” (ininterrupta) em corrente alternada.

A rigor, a própria concessionária Red Eléctrica de España (Redeia) já havia advertido sobre o “risco a curto prazo” de “desconexões de geração pela elevada penetração de renováveis”, no informe enviado em fevereiro deste ano à Comissão Nacional do Mercado de Valores (CNMV) (El Mundo, 29/04/2025).

O documento é inequívoco: “O fechamento de centrais de geração convencional, como as de carvão, ciclo combinado [gás natural e vapor – LC] e nuclear (consequência de requisitos regulatórios), implica uma redução da potência firme e das capacidades de equilíbrio do sistema elétrico, assim como a sua força e inércia... Isso poderia aumentar o risco de incidentes operacionais que possam afetar o abastecimento e a reputação da empresa. Esta incidência pressupõe um risco, com um horizonte temporal a curto e médio prazo.”

No momento em que as luzes se apagaram, nada menos que 71% da eletricidade gerada pela Redeia provinham de centrais solares e eólicas

Por ironia, em 16 de abril, apenas doze dias antes do apagão, celebrou-se ruidosamente o fato de que, pela primeira vez, a Espanha tinha 100% de sua eletricidade gerada por fontes renováveis (em termos de capacidade instalada, eólicas e solares correspondem a 42%, com pouco mais de 10% cabendo às usinas hidrelétricas).

A meta espanhola, estabelecida em 2019 no Plano Nacional Integrado de Energia e Clima (PNIEC), é elevar para 81% a contribuição das fontes “limpas”, com ênfase nas problemáticas eólicas e solares, uma vez que a possibilidade de expansão das hidrelétricas atingiu o seu limite, pela virtual inexistência de sítios adequados ainda inexplorados. 

Para complicar, o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, é um inimigo ideológico declarado da energia nuclear, que considera “um problema, não uma solução”, apesar da sua cota de 20% no atual mix elétrico. Sánchez tem resistido obstinadamente aos apelos de setores políticos, técnicos e empresariais para estender a vida útil das sete centrais nucleares espanholas, que, nos termos do PNIEC, deverão ser desativadas entre 2027 e 2035. Um equívoco idêntico ao cometido pela Alemanha, no seu afã de tornar-se a porta-bandeira da “transição energética”.

Em um contundente artigo publicado no dia 29, o engenheiro português Demétrio Alves, Doutor em Planejamento e Ordenamento do Território e pesquisador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, não mediu palavras:

“Como hipótese explicativa do acidente, aconteceu o seguinte: numa rede com uma grande proporção de produção renovável no seu mix, e por se tratar de uma produção ‘intermitente e inevitável por dogma político-administrativo’… acaba por a sua permanência ser mesmo irrecusável para o equilíbrio da rede, não havendo, porém, mecanismos inerciais de auto-regulação suficientes nestas tecnologias. É um círculo vicioso! 

“E, diz-se inevitável porque a fotovoltaica e a eólica têm de estar sempre ligadas à rede… por contrato e, também, porque não são ‘despacháveis’, isto é, não há possibilidade técnica de as estar a ligar e desligar de uma forma modulada. Assim, deste ponto de vista, o apagão era previsível, e houve especialistas que, em diversos países, escreveram e falaram nisso previamente.”

Pois é, a conta da realidade chegou. O apagão de 28 de abril foi mais uma demonstração das consequências de se colocarem ideologia e interesses financeiros de curto prazo à frente do conhecimento técnico acumulado em mais de 130 anos de exploração comercial da eletricidade com fontes consagradas, como as termelétricas, hidrelétricas e nucleares. 

Agora, é aguardar o próximo blecaute.

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