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Lorenzo Carrasco

Lorenzo Carrasco

Crise energética

Energia: a conta chegou

Crise elétrica expõe erro estratégico: avanço desordenado de energia solar e eólica pressiona o sistema " ONS alerta para risco de apagões. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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Nos próximos cinco anos, o sistema elétrico brasileiro será exigido ao máximo e poderá manifestar dificuldades cada vez maiores para atender ao consumo de energia nos horários de pico dos períodos mais quentes do ano.

A advertência é do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em seu recém-divulgado Plano da Operação Energética (PEN 2025), que cobre o período até 2029, e se deve basicamente ao rápido crescimento da participação de fontes intermitentes na matriz elétrica.

Em particular, a estimativa é que as fontes solares fotovoltaicas e a chamada Micro e Minigeração Distribuída (geração pelos próprios consumidores conectada às redes de distribuição), devem corresponder a 32,9% da oferta de eletricidade naquele ano.

Pelo PEN 2025, em 2029, a matriz elétrica deverá dispor de uma potência instalada de 268 gigawatts (GW), um crescimento de 15,5% em relação à atual.

O problema reside na instabilidade intrínseca das fontes intermitentes e na incapacidade do sistema elétrico de receber os constantes excessos de geração ocorridos durante o dia, principalmente no caso das centrais fotovoltaicas do Nordeste, e na impossibilidade de tais fontes atenderem à demanda dos horários de pico, ao final da tarde e à noite.

Em um boletim de imprensa, o diretor-geral do ONS, Marcio Rea, observa:

“Com o crescimento das fontes intermitentes, novos desafios também surgiram para a operação. Dessa forma, precisamos cada vez mais de flexibilidade no sistema, com fontes de energia controláveis, que nos atendam de forma rápida para termos o equilíbrio entre a oferta e a demanda de energia, especialmente nos horários em que temos as chamadas rampas de carga. Isso é fundamental para garantir a segurança e a estabilidade do sistema elétrico brasileiro (ONS, 08/07/2025).”

O boletim diz ainda que, “em relação ao atendimento de potência sob o ponto de vista conjuntural, o documento reforça a necessidade de preparar o sistema para elevados montantes de despacho termelétrico no segundo semestre, principalmente a partir de outubro”. 

Os problemas já são esperados ainda este ano, com a previsão da necessidade de utilização de usinas termelétricas adicionais, além de outras medidas, como a concessão de vantagens a indústrias que reduzam o consumo no horário de pico e até mesmo o retorno do horário de verão.

E isso se soma à séria crise vivida pelo setor de eólicas e solares, gerada pela sua expansão verdadeiramente meteórica, na esteira da histeria global sobre as mudanças climáticas e da agenda da “descarbonização” da economia mundial.

Uma fazenda eólica ou solar fotovoltaica pode ser construída em cerca de dois anos, a um custo bem menor que uma usina termelétrica ou hidrelétrica, com muito menos problemas com o licenciamento ambiental – já que são consideradas fontes “limpas”. 

Geralmente contam com uma pletora de subsídios governamentais, como linhas de crédito facilitado, impostos reduzidos ou isentos para a importação de componentes e equipamentos e outras vantagens. O Brasil não foi exceção nessa tendência.

Porém, o apagão de 15 de agosto de 2023, que deixou a maior parte do país às escuras durante várias horas, soou o alerta para a expansão dessas fontes, feita ao sabor do apetite por retornos rápidos dos investidores, deixando em plano secundário o planejamento da expansão do setor elétrico de acordo com o crescimento da demanda.

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A causa do problema foi uma instabilidade causada em uma linha de transmissão de eólicas e solares no Ceará, que gerou um efeito cascata de desligamentos no Sistema Interligado Nacional (SIN). Problemas semelhantes têm ocorrido em outros países dotados de grandes parques eólicos e solares, e continuarão acontecendo, pois essa instabilidade é intrínseca a tais fontes.

Em consequência, o ONS passou a limitar o acesso da eletricidade gerada por elas ao sistema, o chamado curtailment, o qual deixa sem uso grandes volumes de energia gerados – e, evidentemente, não remunerados.

Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) e a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), os prejuízos das concessionárias já se aproximam de R$ 5 bilhões, os quais estão sendo cobrados judicialmente à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia, não esconde a dimensão da crise, afirmando que “o paciente está na UTI... respirando por meio de aparelhos (Bloomberg Línea, 25/06/2025).”

E o problema poderá agravar-se ainda mais com a proliferação de data centers, para os quais há uma intenção de aproveitar a grande oferta de energia limpa no Nordeste. Todavia, como tais instalações não podem depender de fontes intermitentes, elas implicarão em uma sobrecarga adicional para a geração de base, atendida por usinas hidrelétricas, termelétricas e nucleares.

Por sua vez, as eólicas e solares representam mais de 90% dos projetos de geração planejados até 2029.

Em outras palavras, aí estão os ingredientes para um sério impasse.

Em última análise, tudo isso decorre da decisão inconsequente tomada pelas lideranças nacionais na década de 1990, de converter a eletricidade em mera commodity produzida de acordo com os interesses dos mercados especulativos. 

Até então, o Brasil dispunha de um dos mais bem planejados e construídos sistemas elétricos do mundo, baseado em usinas hidrelétricas que aproveitavam ao máximo as diferentes características das bacias hidrográficas do país e interligando-as com linhas de transmissão que hoje alcançam quase todo o território nacional. 

O planejamento, construção e operação do sistema, coordenado pela Eletrobras e incluindo empresas estatais e privadas, era feito com base em projeções de crescimento de consumo de acordo com o desenvolvimento da economia e visando a oferecer tarifas módicas aos consumidores individuais e comerciais, as quais estavam entre as mais baixas do mundo.

Hoje, a principal motivação da expansão do sistema é o afã da obtenção de lucros rápidos, enquanto as tarifas pularam para o pódio da escala mundial

Emblemática dessa inversão de valores foi a entrega da Eletrobras a especuladores cujos interesses e métodos puderam ser vistos na crise das Lojas Americanas.

Mas, agora, a conta chegou. E, de um jeito ou de outro, o Brasil terá que reunir a devida vontade política para enfrentar o problema.

Conteúdo editado por: Aline Menezes

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