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Lorenzo Carrasco

Lorenzo Carrasco

Vergonha

“FIASCOP30” à vista?

Brasil arrisca vexame global com a COP30: logística caótica, hotéis abusivos e alerta internacional ameaçam tornar Belém em uma “Fiascop”. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Não foi falta de aviso. Quando o governador do Pará, Helder Barbalho, no final de 2022, sugeriu ao então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva que a conferência climática COP30 fosse realizada em Belém, vozes sensatas advertiram que a capital paraense não tinha condições mínimas para sediar um evento de tal envergadura.

O encontro costuma reunir mais de 50 mil pessoas, entre delegados oficiais, ongueiros, jornalistas etc. – mais que o dobro dos leitos disponíveis na rede hoteleira da cidade. Mas Lula, ainda eufórico com sua vitória eleitoral e encantado com a proposta de organizar uma “COP da Amazônia”, não lhes deu ouvidos e mandou seguir em frente.

Para tanto, o governo resolveu investir mais de R$ 5 bilhões em obras de maquiagem na cidade, recursos extraorçamentários amealhados de várias fontes (inclusive, um despropositado aporte de R$ 1 bilhão da Itaipu Binacional), os quais poderiam ser incomparavelmente mais úteis se utilizados diretamente para amenizar o principal problema ambiental da cidade, a carência da infraestrutura de saneamento básico.

De resto, nunca é demais ressaltar que esse é o maior problema ambiental do país e do mundo, não a ilusória crise climática que tem motivado os convescotes anuais da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), organizadora das COPs (abreviatura em inglês de Conferência das Partes). E os alertas prosseguiram nos últimos dois anos e meio, como observei nesta coluna.

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Agora, o problema atingiu um ápice. A menos de 100 dias da abertura da conferência, o Brasil se vê diante do risco de um fiasco maiúsculo

A forte especulação com os preços das hospedagens, em especial, na rede hoteleira, que passou a cobrar diárias que chegam a ser 10-15 vezes maiores que as habituais, assustando até mesmo os governos dos países desenvolvidos.

Na semana passada, um grupo de 25 negociadores internacionais enviou à organização da conferência e à UNFCCC um documento sugerindo que, se os preços de hospedagem exorbitantes não forem solucionados, o evento seja, pelo menos parcialmente, transferido para outra cidade.

A Folha de S. Paulo (01/08/2025) teve acesso ao documento e entrevistou alguns dos signatários, que manifestaram a insatisfação generalizada com os problemas de hospedagem, logística, segurança e transporte.

“[Ter condições de participar] significa ser possível viajar para Belém, ficar em acomodações adequadas e acessíveis, e ir ao pavilhão e voltar de forma segura e eficiente em termos de tempo, inclusive tarde da noite”, afirma o texto.

Entre os signatários, além do Grupo de Negociadores Africanos e o de Países Menos Desenvolvidos – compreensivelmente, os mais preocupados com os custos –, estão países desenvolvidos, como a Áustria, Bélgica, Canadá, República Checa, Finlândia, Holanda, Noruega, Suécia e Suíça.

Na terça-feira 29 de julho, a UNFCCC realizou uma reunião de emergência para discutir os problemas da organização do evento, dando ao Brasil o prazo até o próximo dia 11 de agosto para responder à solicitação de providências.

“O Brasil tem muitas opções para termos uma COP melhor, uma boa COP. Por isso estamos pressionando para que o Brasil forneça respostas melhores, em vez de nos dizer para limitar nossa delegação”, disse Richard Muyungi, presidente do Grupo de Negociadores Africanos, que representa os 54 países do continente.

Segundo ele, “há uma sensação, literalmente, de revolta dos países por essa insensibilidade, sobretudo por parte dos países de menor desenvolvimento, que estão dizendo que não poderão vir à COP por causa dos preços extorsivos e abusivos (Estadão Conteúdo, (01/08/2025)”.

Procurada pela Folha, a secretaria extraordinária da COP30 confirmou o recebimento da carta, mas limitou-se a enfatizar que “não há a possibilidade da COP30 ou parte da conferência acontecer fora de Belém (Folha de S. Paulo, 01/08/2025)”.

Por sua vez, o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, apenas confirmou o pedido de alguns países para que a sede da conferência fosse mudada e transferiu o problema: “Acredito que talvez os hotéis não estejam se dando conta da crise que eles estão provocando.”

Sem surpresa, os representantes do setor não passaram recibo e reagiram ferozmente. “É uma sacanagem que estão fazendo com o Brasil e o estado do Pará. Estamos todos de mãos dadas com o mesmo objetivo. A presidência da COP quer acabar com o Brasil, puxando a toalha da mesa”, rugiu o presidente do Sindicato de Hotéis e Restaurantes dos Municípios de Belém e Ananindeua, Eduardo Boullosa (O Globo, 02/08/2025).

Em última análise, a crise é resultante da própria obsessão combinada de Lula e Barbalho com a “COP da Amazônia”. À capacidade de hospedagem limitada, juntou-se a ganância dos hoteleiros, que, somadas à obstinação do governo federal em concentrar todos os eventos na cidade, geraram um problema de difícil solução.

Se o impasse não for contornado, a “COP da Amazônia” poderá entrar para a história das conferências climáticas como a “Fiascop”, um duríssimo golpe na pretensão de alguns de posicionar o Brasil no cenário global como uma “potência verde”.

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