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Armadilhas
| Foto: Reprodução Instagram

Dei tratos à bola para identificar o autor do texto abaixo. Chegou até mim como sendo de um pensador que aprecio muito, mas, como não consegui checar a informação nem localizei a postagem nas redes sociais, segue sem autoria mesmo. Seja quem for o autor, é um texto que merece reflexão.  

“(...) adianto apenas uma pequena explicação. É com relação a Lula e seu governo. É óbvio que quero golpistas na cadeia (os militantes, seus mentores, seus financiadores, seus cúmplices). Mas alerto que não devemos ceder à chantagem política que foi armada. A defesa intransigente da democracia não implica defesa intransigente do governo de Lula.

“O PT agora está querendo fundir definitivamente democracia e lulopetismo, como se fossem a mesma coisa. Não são. Uma coisa é a democracia e outra é a administração lulista, claro. Mas a jogada é querer nos impor a visão contrária, de que ambos são a mesmíssima coisa. O PT e seus aliados não detêm o monopólio da democracia - e muitas vezes até muito pelo contrário, que o autoritarismo petista é histórico, público e notório.

“Logo, meu aviso. Vou continuar na defesa intransigente da democracia. Mas não aceito a chantagem: sempre que flagrar derrapadas, equívocos ou jogadas ditatoriais dissimuladas, nos gestos e ações do governo lulista, vou continuar batendo na mesa, protestando.”

Concorde-se ou não com seu teor, esse pequeno texto tem o mérito de alertar para a armadilha do pensamento binário que contaminou a sociedade brasileira. Vale para todo mundo: para a direita que achincalha qualquer um à esquerda de Bolsonaro e para a esquerda que persegue qualquer um à direita de Lula.

Por óbvio, criticar o governo atual não implica defender golpismo. Criticar o governo passado tampouco implicava apoiar o PT. Afirmar o contrário é apenas um truque - no qual, infelizmente, muita gente caiu. Porque, se um grupo detém o monopólio da democracia, se a democracia só existe quando este grupo está no poder, de democracia já não se trata.

Boa parte dos petistas e bolsonaristas mantém com a figura de seu líder uma relação messiânica, mais baseada nas emoções que na razão, mais nos instintos que nos fatos. As narrativas dos dois grupos se retroalimentam, inviabilizando qualquer debate baseado em argumentos e no exame equilibrado dos fatos.

Eis aqui outra armadilha, a da radicalização, que faz enxergar no diferente um inimigo a esfolar e abater. A radicalização nunca é democrática - e costuma levar a decisões estúpidas.

Qualquer sistema em que apenas um lado tem voz e direito à existência está muito longe de ser democrático  

Ora, é evidente que qualquer golpismo, de direita ou esquerda, deve ser repudiado, mas, por definição, democracia implica a convivência de diferentes lados. Democracia de um lado só não é democracia. Qualquer sistema em que apenas um lado tem voz e direito à existência está muito longe de ser democrático.

Dois erros não fazem um acerto. Golpismo não se resolve com surtos autoritários, e não se defende a democracia atacando a liberdade de expressão.

Por outro lado, o prolongamento da polarização raivosa da campanha eleitoral tende hoje a beneficiar mais o governo que a oposição. Porque, enquanto persistir o clima de terceiro turno, será muito mais fácil desviar a atenção dos problemas reais do país – problemas que tendem a se tornar urgentes, ainda mais em um cenário de crise econômica internacional.

Mas esticar demais a corda também pode ser uma armadilha para a situação. Porque, por paradoxal que pareça, seria ruim para o governo Lula que Bolsonaro saísse muito rapidamente da cena política.

Pensando estrategicamente, torná-lo inelegível ou mesmo mandar prendê-lo pode não ser o melhor caminho para a esquerda, além de envolver alguns riscos - inclusive o risco de alimentar ainda mais o antipetismo, que não vai desaparecer.

Pode trazer mais dividendos mantê-lo como um espantalho ao longo de quatro anos, para sustentar a narrativa de palanque: “Olhem, a ameaça do fascismo continua, precisamos continuar unidos em torno da defesa da democracia!”.

(O problema é que, como sugere o texto citado, defesa incondicional da democracia e defesa incondicional do governo deveriam ser coisas muito diferentes. Nada de bom pode vir da confusão entre as duas, como a história já demonstrou em diversos momentos.)

Ora, sem a presença de uma ameaça para usar como pretexto e justificativa para manter a sociedade polarizada (e a frente ampla unida contra o adversário comum), outros temas poderiam passar para o primeiro plano.

Por exemplo, o debate sobre a economia. Ou o debate sobre a liberdade de expressão. Ou o debate sobre a independência e os limites dos três poderes. Aliás, três debates extremamente necessários no momento atual.

Fato é que, em inícios de governo, o clima costuma ser de distensão e trégua. Não foi isso que se viu nas três primeiras semanas de janeiro, ao contrário: a temperatura continua alta, como novos focos de tensão surgindo a todo momento - junto aos aliados, junto ao mercado, junto ao Banco Central e, o que é particularmente delicado, junto às Forças Armadas. Isso sem falar nas evidentes disputas internas no PT por mais poder. Este clima não é bom para ninguém.

Alguma hora os lamentáveis acontecimentos de 8 de janeiro vão se esgotar, como assunto. E o próprio presidente já afirmou ser contra a instalação de uma CPI, intuindo talvez que uma agenda positiva será fundamental para preservar o apoio, já claudicante, daquela parcela do eleitorado que votou nele não por convicção, mas por aversão a Bolsonaro.

Até porque a temperatura pode aumentar ainda mais com a retomada das atividades do Congresso, a depender do resultado da eleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.

Por favoritos que sejam Arthur Lira e Rodrigo Pacheco à reeleição, há nas duas casas um clima de insatisfação, entre os aliados, com a distribuição de cargos e com o próprio processo de esvaziamento do Poder Legislativo.

E o toma-lá-dá-cá tende a ser mais duro em um ambiente político e econômico conturbado. Particularmente no Senado, uma derrota seria potencialmente desastrosa para o governo.

Em suma, pelas incertezas, pelo nervosismo generalizado e pela apreensão em relação à economia, o clima está mais parecido com o início do segundo mandato de Dilma, em 2015, do que com o início dos dois primeiros mandatos de Lula, em 2003 e 2007.

O terreno está coalhado de armadilhas, e o momento exige responsabilidade por parte de todos os envolvidos. Não é com gasolina que se apagam incêndios. Talvez seja hora de puxar o freio de mão, não de pisar no acelerador. Vale para todo mundo.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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