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Estamos assistindo a uma disputa que vai redesenhar a economia e a segurança do planeta, com desdobramentos ainda difíceis de prever. Esse confronto já estava contratado há bastante tempo, mas foi seguramente acelerado pela volta de Trump ao poder e, antes disso, pela consolidação de Xi Jinping como líder potencialmente vitalício da China.
O mundo caminha para um choque entre duas superpotências, entre dois modelos de organização da sociedade, mas não apenas isso: trata-se também de um choque entre duas personalidades. A colisão não é apenas geopolítica e civilizacional: é também psicológica.
Por isso, as lentes pelas quais se costuma analisar a política internacional – o poderio militar, o vigor da economia, as sutilezas da diplomacia – já não bastam para dar conta do que está acontecendo.
No caso de Donald Trump e Xi Jinping, a psicologia ganha uma importância inédita. O destino do planeta está entrelaçado com as personalidades desses dois líderes.
Está em curso um duelo psicológico entre dois egos que odeiam ceder. As nações que Trump e Xi governam se transformam em extensões de seus temperamentos. Ambos rejeitam qualquer contestação à sua autoridade. Ambos se veem como figuras históricas imbuídas da missão de restaurar a glória nacional.
De um lado, Donald Trump: extravagante, impulsivo, imprevisível. Um bilionário com instinto de jogador, alguém que tem o dom de transformar a política em espetáculo e se sente à vontade no confronto.
Ansioso por vitórias de curto prazo, Trump sabe que depende da validação popular para seguir em frente. Por isso governa como se estivesse em um reality show, onde a performance importa. Age como se o mundo fosse uma negociação de alto risco: barganha, ameaça, recua, volta ao ataque. Seu estilo belicoso, reativo e teatral rompe com qualquer ideia convencional de diplomacia.
Já Xi Jinping é seu oposto na forma. Discreto, disciplinado e calculista, Xi é um sobrevivente da Revolução Cultural, um homem obcecado por controle e poder. À frente de uma ditadura, sem precisar prestar contas à população, Xi joga no longo prazo. Em um sistema completamente fechado à crítica e ao acaso, ele pode planejar décadas à frente.
Trump vê a China como um vilão que precisa ser derrotado rapidamente, enquanto Xi desafia a hegemonia americana de forma paciente, sem pressa. É uma batalha de resistência.
Enquanto Trump vocifera, Xi silencia. Ambos personificam traumas nacionais e pessoais: o caos da Revolução Cultural Chinesa e a obsessão americana pelo sucesso individual. Ambos transformaram dor em força — mas também em rigidez.
O narcisismo de Trump exige vitórias visíveis, enquanto a paranoia de Xi exige estabilidade absoluta. A psicanálise ensina que, quando dois egos que não suportam a frustração entram em confronto, o embate entre eles é perigoso e imprevisível
Trump teve a infância marcada pelo pai severo, o que explica em parte a formação de uma identidade focada no desempenho e na vitória. Ele precisa do aplauso constante, do confronto público, do inimigo a derrotar.
Seu estilo de governar parece errático, mas é coerente com seu perfil psicológico: atacar antes de ser atacado, negar os próprios erros, reescrever a realidade se for necessário. Perder é insuportável para ele, pois fere uma autoimagem cuidadosamente construída. Isso o torna voluntarioso, imprevisível e propenso a decisões impulsivas.
Xi Jinping, por sua vez, é produto de uma história muito diferente. Sua imagem de estadista discreto e polido esconde um passado turbulento. Na década de 1960, seu pai, Xi Zhongxun, um alto oficial do Partido Comunista Chinês e companheiro de armas de Mao Zedong, caiu em desgraça e foi expurgado do partido.
Foi preso, espancado e exposto publicamente – as primeiras cenas da série “O problema dos três corpos” mostram como funcionavam esses rituais de humilhação pública na China da Revolução Cultural.
O próprio Xi, ainda adolescente, foi denunciado como inimigo da revolução, possivelmente por sua própria mãe, forçada a delatar parentes. Expulso da escola de elite onde estudava, escapou por pouco de ser internado em um campo de reeducação. Jovens da Guarda Vermelha invadiram e ocuparam sua casa. Desesperada, uma irmã de Xi se matou.
Em 1969, Xi foi enviado para uma comuna agrícola na província de Shaanji, onde trabalhou como agricultor até 1975. A Revolução Cultural, promovida por Mao Zedong para "purificar" o socialismo chinês, transformou o jovem em um sobrevivente endurecido.
Essa experiência forjou em Xi uma crença profunda de que o sucesso depende da absoluta lealdade ao Partido Comunista. Rejeitado nove vezes ao tentar entrar no partido, persistiu até ser aceito.
Essa trajetória moldou uma personalidade marcada pela contenção emocional, pela adaptação estratégica e pela desconfiança profunda. Xi aprendeu a sobreviver por meio do controle absoluto do ambiente — e de si.
Sua liderança reflete isso: é fria, metódica, ideologicamente estruturada e avessa ao improviso. Autoritário, ele defende a ordem antes do indivíduo. Xi não precisa de atenção, como Trump; ele precisa de controle, que persegue de forma discreta e implacável.
Um psicanalista diria que Trump representa o princípio do prazer, da necessidade de ser amado, temido ou ovacionado, enquanto Xi encarna o princípio da realidade, da disciplina, da frieza emocional como estratégia de defesa. Enquanto um reage ao mundo em tempo real, como um boxeador que precisa do nocaute, o outro o molda lentamente, como um enxadrista que não tem pressa.
Trump e Xi são prisioneiros de seus passados: o primeiro, um menino rejeitado que precisa brilhar; o segundo, um adolescente humilhado que teme o caos. O confronto é um espelho dessas neuroses: Trump quer provar superioridade; Xi, garantir invulnerabilidade.
O narcisismo de Trump exige vitórias visíveis, enquanto a paranoia de Xi exige estabilidade absoluta. A psicanálise também ensina que, quando dois egos que não suportam a frustração entram em confronto, o embate entre eles é perigoso e imprevisível.
Trump precisa “vencer a China” para provar que ainda é o homem mais forte na sala. Xi precisa conter os Estados Unidos para consolidar seu legado como arquiteto da ascensão chinesa. Essa dinâmica transforma disputas comerciais em testes de masculinidade simbólica. E torna o planeta refém de uma disputa de vaidades.




