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O cientista político Bruno Garschagen, autor de “O mínimo sobre Conservadorismo”
O cientista político Bruno Garschagen, autor de “O mínimo sobre Conservadorismo”| Foto: Divulgação

Autor de livros como Pare de Acreditar no Governo e Direitos máximos, deveres mínimos, Bruno Garschagen é um professor e cientista político especializado no estudo das ideias conservadoras. No recém-lançado O mínimo sobre Conservadorismo (O mínimo, 2023), ele desfaz mal-entendidos sobre o sentido e a prática do conservadorismo. Por exemplo, nos últimos anos a palavra "conservador" deixou de ser um xingamento velado e hoje é frequentemente usada para qualificar todos aqueles que criticam a esquerda. Mas, como explica o autor nesta entrevista, ser antiesquerda nem sempre quer dizer ser conservador: sobretudo em tempos de turbulência política, é preciso cultivar a prudência e o ceticismo.

- Como o conservadorismo lida com as desigualdades sociais e a justiça social?

BRUNO GARSCHAGEN: Um conservador deve lidar com qualquer tipo de problema a partir da avaliação de sua origem, consequências negativas e possíveis soluções. Quando se fala em desigualdade social, por exemplo, em vez de entrar em discussões abstratas, o conservador vai avaliar por que aquela comunidade não consegue superar a pobreza e quais são ações e mecanismos estatais – transferência direta de renda, saneamento básico, segurança etc – e privados – doações, projetos culturais e esportivos, orientação etc – que podem ajudar de forma concreta as pessoas que vivem naquela situação. Já “justiça social” é uma expressão ideológica que esvazia o próprio sentido do que é justiça. Se há um problema na comunidade, o conservador vai analisá-lo e empreender esforços para solucioná-lo sem que, para isso, use expressões que só servem para criar conflitos e manter o problema sem resolvê-lo.

- Como um conservador deve se comportar diante da cultura do cancelamento e da imposição da agenda identitária?

GARSCHAGEN: Ambas vêm sendo usadas de forma autoritária para combater ou destruir não só os conservadores, mas muito daquilo que os conservadores amam e querem preservar, como o próprio respeito mútuo que deve existir entre as pessoas que vivem em comunidade. Aquele que age dessa forma não está em busca de ser respeitado, mas de obrigar todo o mundo a aceitar tudo o que ele acredita, defende e quer, sob pena de serem ameaçados e prejudicados. É o tipo de postura e atitude autoritária, que o conservador deve rejeitar e combater de forma inteligente, estratégica, e propositiva, sem gritaria e loucura.

- Por que a expressão “conservador nos costumes” é errada?

GARSCHAGEN: Porque, dita dessa forma, fica parecendo que o conservador defende qualquer costume que existe, sem fazer distinção entre o certo e o errado. Diante de uma expressão como essa, um conservador vai perguntar, primeiro, quais são esses costumes e se eles são ou não benéficos, pois “conservador nos costumes” pode abranger todo e qualquer costume, inclusive aquele que o conservador jamais endossaria.

- Você considera que o conservadorismo valoriza mais a ordem e a autoridade que a liberdade?

GARSCHAGEN: O conservador tem uma concepção de ordem, autoridade e liberdade distinta das demais posições políticas. A liberdade está associada à responsabilidade, que está vinculada à autoridade e, portanto, à ordem. A própria ideia de ordem, por exemplo, é entendida a partir de três tipos de ordem: ordem transcendente, ordem interior (espiritual e individual) e ordem exterior (social, política, etc.). Por essa razão, esses elementos estão vinculados e não é possível, a priori, afirmar o que o conservador mais valoriza. Tudo vai depender da realidade concreta e do que está diante do conservador para que uma escolha seja feita. No âmbito político, haverá momentos em que a solução é mais liberdade e outros em que a solução é mais ordem – mas ordem e liberdade, insisto, na concepção conservadora, e não, por exemplo, a que existe na cultura republicana autoritária no Brasil.

- Qual é a diferença fundamental entre o liberalismo e o conservadorismo?

GARSCHAGEN: Há várias. Uma das principais é a forma como ambos entendem e aplicam a liberdade. O liberalismo tem sempre a liberdade como prisma de avaliação da realidade e o entendimento de que a liberdade deve ser meio e fim. O conservadorismo, tendo a sua concepção própria de liberdade positiva e negativa, pode entender que, em determinados momentos, a liberdade pode ser um meio ou pode ser um fim.

“O conservador deve rejeitar e combater a cultura do cancelamento de forma inteligente, estratégica, e propositiva, sem gritaria e loucura”

- Por que o conservadorismo não deve ser considerado uma ideologia?

GARSCHAGEN: A resposta a essa pergunta depende do conceito de ideologia que se está a usar. Há uma recusa por parte dos conservadores de aceitar a qualificação do conservadorismo como sendo uma ideologia porque a entendem como sinônimo de dogmatismo e de sectarismo, elementos que são incompatíveis com o conservadorismo. Mas há conservadores que, usando um conceito diferente, não veem nisso problema. Para dar um de vários exemplos, em seu livro Conservatism, Nöel O’Sullivan usou o termo “ideologia conservadora” para defini-la como “uma filosofia da imperfeição”. Também não haveria problema em qualificar o conservadorismo como uma ideologia se esta for definida como um conjunto de ideias que constitui uma filosofia ou posição política.

- Qual foi a importância do Partido Conservador no Segundo Reinado? Por que o partido acabou quando a República foi proclamada aliás, por meio de um golpe militar?

GARSCHAGEN: O Partido Conservador foi a principal força política e intelectual do Segundo Império, e foi o fundador da rica tradição conservadora brasileira que existiu no século XIX. Os “saquaremas” foram fundamentais na criação institucional e territorial do Brasil independente. Além disso, entre seus acertos e erros, foram protagonistas de importantes avanços sociais, como, por exemplo, o patrocínio de todas as leis abolicionistas, mesmo com uma ala interna que era contrária. O partido, que já estava sem o fôlego de outrora no final do Império e estava em processo de renovação dos seus quadros, acabou com a destruição da monarquia por meio de um golpe militar autoritário, que impôs a República de cima para baixo e sem qualquer participação e apoio popular. Na minha tese de doutorado para o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, qualifico o 15 de novembro de 1889 como a Revolução Brasileira, que tentou destruir o que havia sido construído até ali, apagar o passado e construir o Brasil do zero.

- Como ser conservador no Brasil hoje?

GARSCHAGEN:  Saber o que é conservadorismo e os elementos essenciais que o constituem – prudência, ceticismo político, tradicionalismo, organicismo –, aplicá-los na sua vida e no seu entendimento sobre sociedade e política, e conhecer, pelo menos, o básico de História do Brasil. Nesse sentido, o conservador brasileiro deve, obrigatoriamente, conhecer a nossa tradição conservadora do século 19 para, com base nos seus erros e acertos, atualizá-la, aprimorá-la e usá-la como parâmetro para a restauração do conservadorismo brasileiro. O meu livro, que se fundamenta na nossa tradição conservadora, é uma contribuição para o desenvolvimento do nosso próprio conservadorismo.

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