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Kravchenko durante o julgamento em Paris, em 1949
Kravchenko durante o julgamento em Paris, em 1949| Foto: Reprodução Twitter

É notável e significativa a escassez no Brasil de literatura que denuncie a barbaridade dos regimes comunistas que, no século 20, tocaram o terror na União Soviética e na China, entre outros países. Títulos que deveriam ser de leitura obrigatória nas escolas e universidades foram completamente esquecidos entre nós.

Um desses títulos é Escolhi a liberdade – A vida privada e política de um funcionário soviético, as memórias do dissidente Victor Kravchenko. Publicado originalmente em 1946, o livro narra as amargas experiências do autor sob o regime de Stálin e é considerado um dos primeiros testemunhos detalhados da ditadura comunista (para se ter uma ideia, Arquipélago Gulag, de Alexander Soljenítsin, só seria publicado em 1973).

Tendo sido um alto funcionário do Partido Comunista, Kravchenko escreve com conhecimento de causa. Como engenheiro, passou anos viajando pelas repúblicas soviéticas com duas missões: promover a industrialização programada nos fracassados planos quinquenais e implementar, na marra, o processo de coletivização da agricultura.

Nesse trabalho, testemunhou de perto não somente os equívocos da planificação da economia como também a violência exercida pela polícia secreta e outros aparelhos de Estado na utilização de mão-de-obra escrava e no confisco de terras de pequenos agricultores, processo que provocou miséria generalizada e a fome de milhões.

No caso da Ucrânia, vale lembrar, a fome foi usada como ferramenta de sujeição da população local, em um genocídio deliberado e até hoje convenientemente esquecido pela esquerda.

Kravchenko também narra a perseguição e a prisão de multidões de inocentes – que, quando sobreviviam à tortura e aos maus tratos, eram enviados para campos de trabalhos forçados na Sibéria, os famosos Gulags. “As vítimas eram forçadas a aceitar seus destinos não apenas com boa vontade, mas também com bastante entusiasmo”, escreve o autor. “Além de açoitados, tinham que beijar o chicote”.

Em um tempo no qual se tornou rotina relativizar a liberdade de expressão e até mesmo o conceito de democracia, a leitura das memórias de Kravchenko é mais do que recomendada

Capitão do Exército Vermelho durante a Segunda Guerra, Kravchenko rompeu com o regime comunista em 1944 e pediu asilo político nos Estados Unidos, para onde tinha sido enviado em uma missão diplomática. Publicou pouco mais tarde suas memórias, que rapidamente se tornaram um best-seller – para escândalo dos intelectuais que apoiavam Stálin, com o Jean-Paul Sartre e Roger Garaudy.

Na França dos anos 40, onde os intelectuais e a mídia saudavam a ideologia comunista e o regime soviético como o futuro da humanidade, teve início uma campanha de difamação sem precedentes: acusado de espalhar mentiras sobre a União Soviética e de ser um agente a soldo do governo americano, Kravchenko não se intimidou: gastou tudo o que tinha em um processo conta a revista Les Belles Lettres, uma das que publicaram artigos caluniosos contra ele.

O processo seria descrito detalhadamente em um segundo livro, Escolhi a Justiça, publicado em 1950. No julgamento, Kravchenko levou para diante do júri dezenas de vítimas do stalinismo no exílio, que confirmaram a autenticidade de suas memórias. A revista foi condenada a pagar uma pesada indenização, mas em seguida, como era previsível, baixou uma pesada cortina de silêncio sobre o autor.

Enquanto isso, na União Soviética, seu filho Valentin era declarado “inimigo do povo” e “traidor da pátria”. Enviado para um campo de concentração na Sibéria em 1953, ficou preso durante cinco anos, com graves sequelas físicas e mentais.

Nos Estados Unidos, Kravchenko viveu com um nome um nome falso, em função do evidente  risco de assassinado por agentes soviéticos. O que não impediu uma morte misteriosa, em 1966, em Nova York: supostamente um suicídio, mas ainda hoje há quem diga que ele foi envenenado por espiões da KGB.

Em um tempo e um país no qual se tornou rotina relativizar a liberdade de expressão e até mesmo o conceito de democracia – e no qual ainda se ouve alguém afirmar ter orgulho por ser chamado de comunista – a leitura de livros como as memórias de Kravchenko é mais do que recomendada.

Como ele próprio declarou à escritora Nina Berberova, autora de O processo de Kravchenko – O comunismo no banco dos réus: "É isto que eu quero dizer a todos vocês: o comunismo é seu inimigo. Acordem antes que seja tarde demais!"

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