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Fora Barbie!
| Foto: Divulgação

Não fui ver “Barbie”, mas acabei acompanhando, a contragosto, o debate interminável que se estabeleceu em torno do filme (aliás, acho que não fui ao cinema justamente por causa do debate, tão chato que tirou, para mim, toda a graça que a comédia poderia ter).

Mas, se as críticas “de direita” são todas parecidas, algumas críticas da esquerda conseguiram fugir da mesmice. Os textos mais interessantes condenando o filme que li foram da esquerda-raiz e da esquerda woke , apesar de “Barbie” ser abertamente progressista e feminista.

Vamos começar pelos artigos da esquerda-raiz, ambos publicadas no Diário da Causa Operária, do qual estou me tornando leitor assíduo. O primeiro é “Esquerda cor-de-rosa: A Barbie e o tabu das armas na esquerda pequeno-burguesa”.

Escreve o autor, atacando a "cultura Barbie-identitária”:

“A ideia de inclusão e diversidade, apresentada pelos capitalistas como a solução pacífica para os conflitos sociais, não é mais que o verniz dado a uma estratégia de vendas – em vez de fazer a máquina do consumo girar em torno de um padrão único (a Barbie original, com suas madeixas louras, seu corpo magro, suas roupas e sapatos de salto alto, banhada em glamour), por que não abraçar todos os nichos de consumo oferecendo a cada um deles produtos que os ‘representem’, que sejam a expressão de sua ‘identidade’?

Confesso, sem ironia, que concordo totalmente com essa parte da análise. Ela ajuda a entender a estranha aliança que se estabeleceu entre a esquerda e metacapitalistas como George Soros, que antigamente seria considerado um inimigo de classe e é hoje saudado como um guerreiro do povo brasileiro.

Fato é que, por ingenuidade, interesse ou cinismo, a nova esquerda se deixou cooptar pelas outrora odiadas elites, que não só foram deixadas em paz como ainda posam de virtuosas e justiceiras sociais nas redes sociais.

Porque o que importa na nova divisão do mundo entre "nós" e "eles" não é a posição que você ocupa no modo de produção capitalista (de explorador ou explorado), mas a narrativa à qual você adere, a opinião que você tem (ou finge ter, para ficar bem na fita) sobre determinados temas.

A nova esquerda também parece menos preocupada em reduzir as desigualdades do país do que em impedir o desenvolvimento econômico da Amazônia ainda que isso perpetue a miséria endêmica em uma região riquíssima em recursos minerais e naturais, que poderiam ser explorados de forma soberana e responsável.

Hoje o alvo da esquerda não é mais o explorador capitalista, mas o trabalhador explorado que defende a família, é contra o aborto e as drogas, frequenta a igreja e se recusa a pagar pedágio para os pronomes neutros, a ideologia de gênero, a agenda ambientalista e as narrativas identitárias. Este é o novo fascista. Já o George Soros é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo.

O artigo continua:

“Nesse pacote de diversidade e inclusão, algumas vagas de emprego, em geral mal remuneradas, até podem ser destinadas aos 'diversos' (deficientes, negros, indígenas, gordos, transexuais etc.), pois surge um mercado voltado para esses nichos. Diga-se, de passagem, que, quanto mais nichos, melhor para os negócios – não à toa o marketing das marcas e produtos é sustentado pela ideia de 'consumo consciente', que, além do discurso de conservação do planeta, engloba as causas identitárias. Até aí, não se vê mudança social alguma.”

“A esquerda que tem na boneca Barbie o símbolo maior da luta da mulher já não é simplesmente uma esquerda oportunista, pró-imperialista, confusa e até vendida. Trata-se de uma esquerda que já perdeu o senso do ridículo.”

O autor não para aí. Criticando a “esquerda rosa-Barbie”, ele defende o direito do povo de ter armas (!!), “para se defender da opressão institucionalizada” do mundo “cinzento e sombrio, sem Barbies”, da vida real, que é muito diferente do “mundo cor-de-rosa da esquerda cirandeira, agora habitado por bonecas Barbie diversas”.

(Por via das dúvidas, atenção! É o articulista do Diário da Causa Operária que está falando, eu só estou comentando, e não sem algum assombro.)

Ele ataca, por fim, "a esquerda pequeno-burguesa que acredita piamente nas boas intenções dos empresários, dos banqueiros que criam institutos sociais para promover políticas educacionais em troca de abatimento de impostos, das ONGs estrangeiras instaladas na Amazônia etc."

Porque, aparentemente, são as ONGs estrangeiras quem decide o que é bom para a Amazônia, não os brasileiros que lá vivem em situações extremas de violência e pobreza. (Mas a CPI das ONGs, fértil em revelações assustadoras, continua misteriosamente ausente da cobertura da grande mídia...)

E conclui: “A esquerda universitária parece pensar que os pobres no Brasil têm os mesmos problemas da classe média dos países ricos. Houve até quem tentasse corrigir [o presidente] quando ele prometeu ao povo a volta da ‘picanha’ no churrasco, alegando que as pessoas deveriam grelhar vegetais em vez de comer carne. Sim, essa esquerda faz esse tipo de coisa.”

Pois é.

O segundo artigo, “Crença no poder de libertação da Barbie é a despolitização total”, já começa dando voadora na decadência da nova esquerda brasileira:

“Quando se pensa que a falência da esquerda nacional não tem limites, após a exaltação [de um ministro do STF] como grande salvador da democracia, do aplauso ao criminoso “pacote da democracia” (...), dos ataques à Venezuela, apoio à Ucrânia, defesa enfática da política de censura, classificação de manifestantes como 'terroristas' e muitos outros erros políticos que arrepiam a espinha de qualquer pessoa com um senso minimamente democrático ou de luta, vem algo que mostra que tudo que está ruim, sempre pode piorar: o lançamento do novo filme da Barbie”.

O autor acusa essa esquerda de cair na ladainha do imperialismo com face identitária: “Para a esquerda pequeno-burguesa, as diretrizes da luta da mulher agora vêm da boneca que sempre foi o símbolo da mulher conservadora norte-americana”.

E pergunta: a virada identitária da Barbie melhorou a vida de milhões de mulheres no Brasil que são vítimas de violência e maus-tratos? Ele mesmo responde: “Para a grande maioria das mulheres do planeta, que não são loiras e magrelas, a situação continua a mesma”.

De novo, pois é. Em vez de lutarem pelo que realmente importa, como segurança, educação, saúde e igualdade de direitos e oportunidades, as novas gerações de feministas estão sendo convencidas – pela Barbie! – de que a coisa mais relevante a fazer é apontar o dedo para os homens e lacrar nas redes sociais – vestindo rosa! E eu que achava que menina vestir rosa era coisa de fascista...

Nas palavras do articulista, “não há mais a necessidade de se organizar e de lutar pelos seus direitos, tudo que precisam as meninas do século 21 é assistir ao filme da Barbie e sair com seus trajes cor-de-rosa direto para a luta política”.

Ele conclui dando mais um tapa na cara na esquerda cor-de-rosa: “A esquerda que tem na boneca Barbie o símbolo maior da luta da mulher já não é simplesmente uma esquerda oportunista, pró-imperialista, confusa e até vendida. Trata-se de uma esquerda que já perdeu o senso do ridículo.”

Estas foram as críticas da esquerda-raiz. No próximo artigo comentarei um surpreendente ataque woke ao filme da Barbie.

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