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Greta no Senado e outros retratos de nossa época
| Foto: Agência Senado

Agora vai. Convidada a participar de uma sessão virtual do Senado brasileiro, na última sexta-feira, a ativista ambiental sueca Greta Thunberg declarou: “É preciso proteger a Amazônia e os povos indígenas!”. Está certíssima, né? Mas e aí? Para declarar isso bastava chamar a Anitta ou o Felipe Neto, não carecia convidar uma autoridade no assunto da importância de Greta.

Ela disse, também, que a atuação dos líderes brasileiros diante das mudanças climáticas é “vergonhosa”. Os senadores baixaram a cabeça comovidos, diante da reprimenda.

Greta, que andava meio sumida do noticiário, é o suprassumo do ativismo lacrador, aquele que se baseia não em procurar soluções realistas e viáveis para um determinado problema, mas em ostentar virtude e apontar o dedo para os outros. A questão ambiental se presta perfeitamente a esse teatro, já que, por óbvio, todos concordam que é preciso defender a natureza. Mas como? Não é fazendo discurso e gritando platitudes, seguramente.

No mundo real, não ajuda em nada delegar autoridade a uma adolescente pseudo-rebelde que vive de repetir frases feitas e recitar uma cartilha de bondades que tem a profundidade e a complexidade de um manual da oitava série. Mas como vivemos, cada vez mais, em um mundo de aparências, no qual o que interessa é sair bem na foto, quanto mais primária e superficial a mensagem, melhor.

Porque o objetivo não é resolver o problema, é explorá-lo, capitalizá-lo e dele extrair dividendos políticos, ou mesmo econômicos. Pagar pedágio para Greta não vai ajudar a natureza em nada, mas certamente ajudará a imagem o bolso daqueles que fazem da lacração uma atividade profissional (e, naturalmente, a imagem e o bolso de quem estiver por trás deles).

Da mesma audiência no Senado participou, vejam só, o presidente da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Walmor Oliveira de Azevedo. Dom Walmor também deu uma excelente contribuição para a solução do problema ambiental, ao afirmar: “Precisamos defender o Estado democrático de direito”.

Uma coisa é certa: o meio-ambiente vai continuar lascado, se depender de falas como a de Greta e a de Dom Walmor no Senado brasileiro.

O meio-ambiente vai continuar lascado, se depender de falas como a de Greta e a de Dom Walmor no Senado brasileiro  

Falando em sair bem na foto, chama a atenção, no Instagram de Greta Thunberg, a imagem abaixo, em que ela aparece na capa da revista “Vogue” fazendo carinho na cabeça de um pônei, em um bosque de conto de fadas, com um figurino pra lá de esquisito.

A foto - aliás na capa de uma revista de moda voltada a uma elite muito preocupada com o meio-ambiente (só que não) - é reveladora: ela reflete a glamorização do ativismo ambiental Nutella que Greta encarna e representa. Na cabeça de Greta, a floresta amazônica deve ser assim, com pôneis bonzinhos e árvores de folhagem bem aparada, como a ilustração de um livro antigo dos irmãos Grimm. Uma floresta de estúdio de fotografia.

Mas a semana foi pródiga em episódios que mostram, de maneira ainda mais clara e assustadora, o buraco em que nos estamos metendo. Por exemplo, foi revelado que, em um “ritual de purificação”, um conselho formado por 23 escolas de ensino fundamental de Ontario, no Canadá, queimou milhares de livros considerados racistas - incluindo romances, enciclopédias e até revistas em quadrinhos de Tintin e Astérix, como o álbum “Astérix et les Indiens”, por conter imagens como essa:

Segundo os professores “do bem”, o objetivo do evento era promover uma “reconciliação com os povos indígenas”, tacando fogo em material que continha “representações inapropriadas” das suas comunidades.

Suzy Kies, a liderança indígena que coordenou o projeto, afirmou que as obras eram “prejudiciais”. E até um vídeo foi enviado aos alunos, com a mensagem: “Nós enterramos as cinzas do racismo, da discriminação e dos estereótipos, na esperança de que cresceremos em um país inclusivo, em que todos possamos viver em prosperidade e segurança.”

Queimar livros em praça pública: já vimos isso antes, não? Mas nazistas são sempre os outros.

Enquanto isso, no Brasil, o livro infantil “Abecê da liberdade - A história de Luiz Gama", de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, com ilustrações de Edu Oliveira, não foi queimado em praça pública, mas foi sumariamente recolhido das livrarias porque... uma leitora se sentiu ofendida.

"Abecê da liberdade", queconta a infância do escritor e advogado Luiz Gama, importante figura da luta abolicionista no Brasil, inclui a página abaixo:

“Abecê da liberdade” já foi editado e reeditado várias vezes, sem que nenhum leitor ficasse chocado. E parece claro que a intenção dos autores não foi ofender ninguém. É evidente que qualquer um tem o direito de não gostar, ou de achar que eles erraram no tom, neste como em qualquer outro livro.

Mas a interpretação de um leitor é justificativa suficiente para retirar um livro de circulação? Atualmente é.

Se continuarmos nesse caminho, em breve vão ter que proibir e retirar de circulação muitas outras obras, incluindo quase todos os clássicos da literatura e do cinema. Já está acontecendo: basta lembrar os ataques recorrentes a Monteiro Lobato e a recente censura ao filme “...E o vento levou”, por sua violência simbólica.

E não adiantou Torero explicar que se trata de uma obra de ficção, nem argumentar que: “Se as crianças não soubessem o que ia acontecer [na escravidão], talvez elas brincassem. Crianças brincam em velórios, por exemplo. É uma forma de fugir da dor”.

Imediatamente foram convocados acadêmicos para emitir julgamentos indignados sobre o livro e referendar a sentença: censurado. A editora acatou a ordem do tribunal da internet e mandou recolher, divulgando uma nota com o trecho: “Assumimos nossa falha nesse processo e estamos em conversa com os autores para a devida revisão do livro. Esta edição está fora de mercado e não voltará a ser comercializada”.

É a censura do bem.

Curiosamente, a leitora que se sentiu chocada com “Abecê da liberdade” declarou:  "Foi uma surpresa e um choque ler a cena das crianças brincando de ciranda dentro do navio negreiro. Eu fiquei me perguntando se passaria pela cabeça de alguém fazer a mesma cena com crianças em Auschwitz, sabe? Iam achar bonitinho as crianças brincando de ciranda antes de entrar no incinerador?" Talvez a leitora não conheça o filme “A vida é bela”, de Roberto Benigni, que mostra exatamente isso: uma criança brincando em um campo de concentração.

Para quem não se lembra: no filme, vencedor do Oscar, o personagem judeu Guido e seu filho Giosué são levados para um campo de concentração nazista. Guido usa sua imaginação para, justamente, fazer a criança acreditar que está participando de uma brincadeira, para protegê-la da violência e do horror que a cerca. Seria o caso de se censurar também “A vida é bela”? Pensando bem, melhor não dar a ideia.

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