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Lampião: ladrão, assassino e estuprador ou herói?
| Foto: Reprodução Instagram

No imaginário popular cultuado por certa esquerda, o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, evoca a imagem um Robin Hood dos trópicos, um guerreiro da justiça social, um defensor dos pobres e das minorias oprimidas pelas elites, um representante de camponeses de bom coração que se insurgiram contra os poderosos da época.

Basta dizer que Lampião foi enredo da escola de samba campeã do carnaval carioca deste ano, a Imperatriz Leopoldinense: “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”. Depois de exaltar as proezas do cangaceiro, a letra do samba diz que, quando morreu, ele não foi aceito nem no céu nem no inferno. Será mesmo?

Lampião também é personagem de uma série de livros que o apresentam com uma imagem romântica ou heroica (ou mesmo “fofa”, em livros para crianças): “O sonho de Lampião”, “A história de Lampião Júnior e Maria Bonitinha”, “Lampião e Maria Bonita – Uma história de amor e balas”, “Lampião, o rei dos cangaceiros”, “Lampião e Lancelote”, “O amor de Virgulino” etc.

Nada mais distante da realidade: Lampião nunca foi herói nem vingador dos pobres e oprimidos, ao contrário. Foi um criminoso sádico, psicopata e covarde, um ladrão, assassino e estuprador serial, que segundo variados relatos tinha particular prazer em brutalizar mulheres na frente dos pais ou maridos.

Suas vítimas preferenciais não eram os fazendeiros ricos, mas os sertanejos miseráveis e suas famílias, que tiveram suas vidas destroçadas por Virgulino e seu bando. Quem afirma e demonstra tudo isso é Pavinatto, em seu recém-lançado livro “Da Silva: a grande fake news da esquerda – O perfil de um criminoso conhecido e famoso pela alcunha Lampião”.

Não é obra extensa nem profunda na análise sociológica, mas suficiente para contar “a história que nossas professoras não contaram” – e desmascarar a hipocrisia de quem confunde banditismo com justiça social. Segundo o autor, “o marxismo tropical mantém roubada a dignidade das vítimas de Lampião ao manter acesa a narrativa inverídica do heroísmo de um cangaceiro que teria sido trucidado a mando dos poderosos indiferentes às necessidades do povo nordestino”.

Lampião tocou o terror em seis estados do Nordeste: somente em uma cultura de bandidolatria alguém com esse currículo pode ser tratado como herói

Na verdade, afirma Pavinatto, Lampião foi subserviente a coronéis e latifundiários, saqueando quase sempre apenas pequenos agricultores: “Agente da miséria a soldo dos donos do poder que sempre lucraram com essa miséria, Lampião compartilhou com eles esse lucro”. Segundo o autor, Lampião era “um miliciano de aluguel”, um mercenário a soldo a serviço da manutenção do poder político dos coronéis latifundiários, através da violência e do terror.

Como se não bastasse tudo isso, Lampião era racista e misógino ao extremo, sem falar nos episódios de pedofilia protagonizados por membros de seu bando. Escreve Pavinatto: “Muitos dos policiais eram pretos e, diante desse quadro, Virgulino elucubra que até poderia ser um policial ao invés de um cangaceiro, mas confessa a razão para não deixar o crime: ‘Eu falo com a devida franqueza. Se não tivesse preto na polícia para dar ordens pra gente, eu até que sentava praça’”. Sobre o racismo de Lampião, aliás, o livro traz outras referências muito mais graves.

Ao longo de quase 20 anos, Lampião tocou o terror em seis estados do Nordeste, antes de finalmente ser abatido em um combate com a polícia alagoana – em 28 de julho de 1938, na Grota do Anjico, no sertão do Sergipe. Somente em uma cultura de  bandidolatria alguém com esse currículo pode ser cultuado como herói.

Segundo um relato da época, Lampião “assassinou para mais de mil pessoas, incendiou umas 500 propriedades, matou mais de 5 mil rezes, violentou mais de 200 mulheres”. A quem se interessar pelo tema, recomendo também a leitura da biografia “Apagando o Lampião – Vida e morte do rei do Cangaço”, de Frederico Pernambucano de Mello.

“Da Silva” inclui relatos da selvageria bestial com que Lampião e seus capangas torturavam e  estupravam, antes de matar, mulheres de todas as idades, em muitos casos ainda crianças, idosas em outros. As que não sangravam até a morte eram marcadas no rosto com ferro em brasa: “marcadas como vacas para o resto das suas vidas miseráveis”.

Uma notícia do Jornal do Brasil de 3 de maio de 1931 dava conta da crueldade do herói dos oprimidos: “Lampião continua depredando o nordeste baiano, saqueando, tendo desvirginado 17 moças, ferrando face a diversas”. Outra matéria, esta publicada na capa do jornal A Noite em 11 de junho do mesmo ano, trazia uma fotografia de Maria Felismina, “pobre moça ferreada na face por Lampião, em Várzea da Ema”.

Escreve Pavinatto: “Em muitas ocasiões, Lampião ordenou as suas vítimas, homens e mulheres de qualquer idade, que dançassem nus diante de todos [os cangaceiros]. (...) Em Porto Folha, Lampião invadiu um casamento, estuprou a noiva fazendo-a sangrar e, antes de oferecer a vítima a todos os cangaceiros que estavam com ele, mandou que a avó da moça limpasse o sangue que o sujava”.

Ele também cita o caso de Zé Baiano, um cangaceiro do bando de Lampião, que “além de ferrar mulheres com as suas iniciais e de se excitar com o cheiro da carne queimando em brasa, notabilizou-se também por estuprar Maria Nazaré, uma menina cega de 10 anos de idade, na frente de seu pai”.

Dadá, que se tornaria “esposa” de Corisco – o “Diabo Louro”, número dois na linha de comando da quadrilha – foi estuprada na frente da família quando tinha apenas 12 anos, antes de ser sequestrada pelo cangaceiro. Recomendo aos leitores mais sensíveis que saltem para o último parágrafo.

“Como vingança, Corisco, então com 20 anos de idade, mandou dois cangaceiros raptarem a menina Sérgia, que gritava e resistia aos capangas. Amarrada na garupa de um burro, foi levada pela mata e, na roça da Baia Grande, o próprio Diabo Louro a jogou no chão. Depois de imobilizar a criança, arrancou seu vestidinho, abriu as suas pernas impúberes e, feito um animal selvagem, rasgou a vagina de Sérgia (...)”.

Corisco levou a criança quase morta, em estado de choque e ensanguentada, para a casa de sua tia, prometendo que voltaria assim que ela estivesse “recomposta”: “Depois da hemorragia, Dona Vitalina ainda teve que tratar a menina em razão de uma severa infecção gonorreica”, escreve o autor. Corisco cumpriu a promessa. Voltou, sequestrou a menina e a incorporou ao bando de cangaceiros.

Inevitável concluir este artigo fazendo uma ponte com os dias atuais. Recentemente, Pavinatto, o autor do livro, foi demitido da Jovem Pan por criticar uma decisão da Justiça que inocentou o acusado de estuprar uma menina de 13 anos, com argumentos que prefiro não comentar aqui (na nova democracia, manifestar indignação contra os donos do poder é um crime mais grave que o estupro de uma criança). Pobre do país no qual homens de bem são perseguidos como criminosos, enquanto verdadeiros criminosos são tratados como heróis e homens de bem.

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