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Nem a menstruação escapa da demagogia
| Foto: Reprodução

Como se não bastasse ser genocida, charlatão e curandeiro, o presidente agora está sendo acusado de... não deixar as mulheres menstruarem. Pelo menos é o que se depreende do post de uma deputada: “Bolsonaro, me deixe menstruar!”, acompanhado da hashtag #LivreParaMenstruar, reproduzido abaixo.

A parlamentar ficou inconformada com o veto de ontem do presidente à distribuição gratuita de absorventes íntimos para estudantes carentes do ensino fundamental, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias.

A proposta fazia parte de um projeto aprovado em agosto pela Câmara dos Deputados e em setembro pelo Senado Federal. Uma coisa a gente tem que reconhecer: mesmo em meio à grave crise econômica provocada pela pandemia, quando o assunto é urgente o Legislativo trabalha com uma rapidez impressionante.

Também cabe observar aqui que a medida beneficiaria não somente as mulheres, mas todas as pessoas que menstruam, aí incluídos os homens trans.

O episódio teve grande repercussão nas redes sociais. Fazendo eco à deputada, uma líder feminista também reagiu com indignação ao veto, que, segundo afirma, "não foge da lógica violenta, patriarcal, dominadora, supremacista branca, que é a lógica do governo Bolsonaro e do bolsonarismo".

Bem, surge uma primeira questão aqui. Apesar do veto, o presidente supremacista acaba de sancionar uma lei que institui o Programa da Saúde Menstrual – que eu lembre, algo jamais cogitado por Lula e Dilma, que aliás é mulher. Lula e Dilma, vejam só, também não deixavam as mulheres menstruarem, já que nunca criaram um programa nacional de distribuição gratuita de absorventes. Mas, estranhamente, ninguém jamais reclamou disso. Por que será?

Dada a aparente urgência urgentíssima do tema, se a lógica ainda existe, só há três alternativas: ou durante governos passados não existiam estudantes carentes, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias; ou essas mulheres não menstruavam; ou, por coerência, a líder feminista também deve considerar violenta, patriarcal, dominadora e supremacista branca a lógica dos governos citados.

Pior ainda. Segundo o programa “Os Pingos nos Is”, da Jovem Pan, que foi ao ar ontem, quando era prefeito de São Paulo Fernando Haddad vetou um projeto semelhante, com o argumento de que não havia “fundamento técnico-científico para que a proposta se tornasse um programa municipal”:

“A consecução da medida (...) [iria] acarretar significativas despesas ao erário público, em prejuízo dos investimentos com recursos efetivamente indispensáveis à saúde da mulher, tais como medicamentos e materiais médico-hospitalares, não constituindo, ademais, atribuição da Secretaria Municipal da Saúde o fornecimento de produtos de higiene”, declarou Haddad, na época.

Foi em dezembro de 2015: a Câmara Municipal de São Paulo tinha aprovado o projeto, e Haddad vetou. Sabem o que aconteceu? Zero indignação de artistas e cantoras. Zero escândalo nas redes sociais. Zero revolta de jornalistas e políticos.

Ora, ou o que Haddad disse faz sentido e o veto de Bolsonaro também; ou ambos são genocidas impiedosos e malvadões: não dá para criticar um e passar pano para o outro. É muito relativismo moral. É muita desonestidade intelectual. Mas ninguém liga.

Porque a verdade é que qualquer coisa que Bolsonaro faça ou deixe de fazer serve de pretexto para causar ondas de revolta e indignação nas hordas do progressismo, do antifascismo hipster e da ostentação exibicionista da virtude.

Essas pessoas dizem pregar o amor e a tolerância, mas estão sempre com sangue nos olhos e faca entre os dentes, prontas a perseguir, esfolar e destruir qualquer um que delas se atrever a discordar. Seus propósitos nobres justificam tudo.

Chega a ser comovente a união de intelectuais, artistas, jornalistas da grande mídia e estudantes doutrinados na escola com partido no exercício diário do direito de praticar o “ódio do bem”. Estão todos viciados em apontar o dedo, denunciar e pedir censura – tudo na defesa da democracia e da liberdade, vejam só. O veto aos absorventes é só mais um pretexto para o prazer de odiar.

(Aliás, o mal compreendido George Orwell também previu isso: em “1984”, os cidadãos têm direito a dois minutos de ódio por dia: eles devem interromper tudo que estiverem fazendo para xingar e ofender o inimigo da vez, em um ritual de catarse coletiva. Jamais subestimem o poder do ressentimento.)

Ou o que Haddad disse faz sentido e o veto de Bolsonaro também ou ambos são malvadões: não dá para criticar um e passar pano para o outro.

Voltando aos absorventes, o senso de timing do Legislativo também é impressionante. Após quase dois anos de uma pandemia cruel que paralisou a economia do país, levando o Governo a gastar, só até junho deste ano, R$ 557 bilhões em ações de resposta à Covid-19 (dos quais R$ 311 bilhões com o auxílio emergencial, mas isso a mídia não mostra), eis que de repente a distribuição gratuita de absorventes se tornou o grande problema da sociedade brasileira – como, aliás, se torna o grande problema da sociedade qualquer assunto que sirva para enfraquecer o monstro genocida e curandeiro.

Uma internauta perguntou, retoricamente: “Para quem passa fome, quando que vai sobrar dinheiro para comprar absorvente?” Ora, justamente: a prioridade agora não deveria ser tentar garantir que todos tenham o que comer? Ou a distribuição de absorventes, algo que nunca foi feito por governo algum (mesmo em contextos econômicos bem melhores), deve vir na frente?

Ora, se até a economia podia “ficar para depois”, como bradavam os defensores do lockdown radical, a distribuição gratuita de absorventes não pode ficar para depois? Aliás, os mesmos que gritavam que “a economia pode esperar” são os que agora reclamam da crise econômica e a atribuem ao presidente. Incoerência ou cinismo?

Mas não, segundo todos os especialistas ouvidos pela grande mídia (como blogueiros, youtubers, atrizes de telenovelas e cantoras de funk), a distribuição gratuita de absorventes – que, aliás, seriam obrigatoriamente produzidos com materiais sustentáveis, como determinava o projeto de lei – não pode ficar para depois. Tem que ser agora.

Falta emprego, faltam lápis e professores nas escolas, faltam segurança e paz nas comunidades, falta qualidade em todos os serviços públicos – mas a prioridade deve ser combater a “violência menstrual”. O Brasil não é mesmo para amadores.

Ia concluir aqui, mas acabo de ler um artigo interessantíssimo, que joga novas luzes sobre o tema. Continuo amanhã.

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