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No futebol, como na política, não basta a torcida
| Foto: Reprodução Instagram

Um algoritmo criado por cientistas da Universidade Oxford, na Inglaterra, cravou que o Brasil seria campeão da Copa do Catar, vencendo na final a seleção da Bélgica.

Tudo muito científico: da fase de grupos ao mata-mata, todas as partidas foram simuladas milhões de vezes em computadores de última geração (mais rápidos e potentes que os da Justiça Eleitoral, ouvi falar).

A conclusão, divulgada há poucas semanas, foi o chaveamento do gráfico abaixo, de autoria do renomado cientista Joshua Bull, pesquisador do departamento de Matemática de Oxford.

(Parêntesis: Acho que a expressão “mata-mata” deveria ser incluída no Índex de palavras proibidas divulgado pelo TSE, porque representa um incentivo à violência estrutural enraizada na sociedade brasileira. Como o verbo "esclarecer" e a palavra "meia-tigela", "mata-mata" é um termo opressor, que deveria ser definitivamente banido não somente das transmissões esportivas, mas também do uso cotidiano, por seu alto potencial de provocar gatilhos emocionais e por remeter ao fascismo genocida. Fica a sugestão. Já o uso da expressão "perdeu, Mané", inclusive por ladrões de celular, deve continuar liberado).

“Ah, mas era só um modelo estatístico...” Ok. Mas se Oxford tivesse acertado suas previsões, seus cientistas estariam hoje se gabando da precisão do modelo. Como erraram, eu tenho o direito de criticar – e de pensar que o departamento de Matemática de Oxford deveria pedir desculpas e explicar por que seu algoritmo falhou miseravelmente.

Porque os cientistas de Oxford erraram e erraram feio: dos quatro semifinalistas da Copa apontados, só acertaram dois: França e Argentina; das 16 seleções classificadas para o mata-mata, ou melhor, para os confrontos diretos eliminatórios, erraram quase a metade. Na base do chutômetro, acho que eu erraria menos.

Algo semelhante aconteceu no primeiro turno das eleições, quando institutos de pesquisa erraram de forma grotesca diversas previsões – em alguns casos ultrapassando a margem de erro em mais de 10% - e sempre, curiosamente, favorecendo o mesmo lado. Quando institutos de pesquisa acertam, é natural que se vangloriem e ganhem credibilidade; quando erram, deveriam se explicar e pedir desculpas.

Não se explicaram nem pediram desculpas, ao contrário: agiram como se nada de estranho tivesse acontecido. Com o apoio da grande mídia, continuaram e continuarão influenciando decisões de voto como se tivessem feito um trabalho digno. Ou alguém acredita que voltarão a falar no Congresso na CPI dos institutos de pesquisa? Acho difícil.

Eu ia estender a analogia aos algoritmos das urnas eletrônicas que contabilizaram os votos no segundo turno, considerando a diferença de comportamento apontada entre as urnas antigas e as novas. Mas a prudência me desaconselha a tocar nesse assunto: todo mundo sabe que o sistema, como o papa, é infalível, e qualquer dúvida será passível de multa ou alguma outra forma de penitência.

Tite deixa o comando da seleção rejeitado pela imensa maioria dos brasileiros, por uma razão muito simples: não entregou o que os torcedores esperavam

Mas, voltando à Copa, torci muito pelo Brasil, tentando permanecer alheio ao clima de politização do futebol. Fiquei sinceramente assustado e preocupado com a saúde mental daqueles que comemoraram a contusão de Neymar na primeira partida: é a loucuras desse tipo que leva a polarização radical da sociedade, e quero ficar longe de gente assim.

Eu jamais torcerei contra a seleção do meu país pelo fato de o técnico apoiar tal ou qual político, muito menos pesquisarei no Google em quem determinado jogador votou antes de comemorar seu gol. Isto, para mim, é apenas uma doença. Infelizmente, está cheio de gente doente por aí.

Mas, uma vez tendo perdido da forma que perdeu, a seleção brasileira não pode se julgar imune a críticas. Como torcedor frustrado e ainda de ressaca com a derrota, tenho o direito de criticar.

Por exemplo, não entendo por que Neymar não foi escalado para bater o primeiro pênalti contra a Croácia. A pressão da cobrança do primeiro pênalti é enorme, e é por isso que os técnicos das outras seleções escolheram seus maiores craques para assumir a tarefa – caso de Messi, na partida da Argentina contra a Holanda.

É apenas bom senso. Colocar nas costas de um jogador inexperiente o peso de fazer a primeira cobrança foi não somente um sinal de incompetência do treinador, mas também uma maldade com Rodrygo, que carregará para o resto da carreira o estigma do seu erro.

Por sua vez, Marquinhos, o autor da outra cobrança que tirou o Brasil da Copa, tinha acabado de participar involuntariamente do gol da Croácia, ao desviar a bola das mãos do goleiro Alisson. Uma infelicidade, por óbvio, mas Marquinhos não devia estar exatamente nas melhores condições emocionais para cobrar um pênalti, com o Brasil já em desvantagem.

Não se pode cobrar de Alysson a obrigação de defender um pênalti, mas é justamente nos momentos decisivos que o goleiro com estrela aparece, e ele não apareceu - depois de passar a Copa inteira sem precisar mostrar muito serviço.

Também achei infelizes as substituições de Vinicius Jr e Richarlison (a não ser que tenham ocorrido por algum problema muscular). Por outro lado, Tite deveria ter sacado Paquetá e colocado em campo Bruno Guimarães, um jogador muito mais talentoso.

Vindo de confrontos contra seleções bem mais fracas – vamos combinar que o Brasil golear a Coreia do Sul, por exemplo, não é mais que obrigação – Tite não demonstrou dispor de repertório para se adaptar ao estilo da Croácia (ainda assim, uma seleção fraca em termos ofensivos).

Se a Tite não bastou a torcida do Brasil inteiro para conquistar a Copa, não bastará ao presidente eleito a torcida de metade da população para o governo dar certo 

As críticas poderiam continuar por vários parágrafos – incluindo uma análise do comportamento do treinador brasileiro ao se encaminhar apressadamente para o vestiário após a derrota, abandonando os jogadores que choravam no campo. Mas sou apenas um torcedor, e não faltam especialistas para fazer análises mais fundamentadas.

O que eu queria dizer é que, por mais que a gente torça pelo Brasil, torcida não basta. Na política como no futebol, eu torcerei sempre para o país dar certo. Mais que isso, mesmo quando acho que não vai dar certo, mesmo quando penso que o país caminha para um desastre, eu torço para estar errado. Mas a realidade nem sempre vai ao encontro da nossa torcida.

Fato é que Tite deixa o comando da seleção sendo rejeitado pela imensa maioria dos brasileiros, por uma razão muito simples: não entregou o que os torcedores esperavam. Em duas Copas seguidas sob o seu comando, o Brasil foi eliminado nas quartas de final.

Pois bem, a não ser que aconteça algum imprevisto – no Brasil, até o passado é imprevisível – o  presidente eleito subirá a rampa e terá a responsabilidade de escalar um Ministério e de tomar decisões que afetarão toda a sociedade brasileira, no curto, no médio e no longo prazo. Como todo presidente, ele terá nas mãos muito poder – inclusive o poder de fracassar, de destruir a economia, de conduzir o país para o buraco.

Se as consequências de decisões erradas de um treinador podem ser horríveis para a seleção, as consequência de decisões erradas de um presidente costumam ser trágicas para o país. E vale lembrar que, se a economia desandar, com aumento severo da inflação e do desemprego, os mais prejudicados serão aqueles que vivem em condições mais precárias.

Se a Tite não bastou a torcida do Brasil inteiro para a conquista da Copa, não bastará ao presidente eleito o apoio de metade da população para seu governo dar certo, ainda mais em um ambiente no qual a outra metade tem a percepção de que foi prejudicada pelo juiz, sem direito a VAR.

Ainda mais em um momento de instabilidade econômica, se não for conduzida com responsabilidade e prudência, tem tudo para acabar em confusão, com muitos cartões vermelhos e brigas na arquibancada, uma partida na qual as duas torcidas, os jogadores, os técnicos, o juiz e os bandeirinhas aparentemente entendem de formas muito diferentes quais são as regras do jogo – no caso, as regras da democracia.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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