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Quando a gente pensa que chegou ao fundo do poço, aparece a notícia de que a seleção brasileira de futebol adotará a cor vermelha em seu segundo uniforme. Já seria uma decisão absurda mesmo se ignorássemos os aspectos políticos envolvidos.
As cores da seleção não são apenas uma questão estética, elas também dizem respeito à nossa História e identidade cultural. São um patrimônio nacional. O futebol, por sua vez, sempre representou a unidade, a paixão e a criatividade do povo brasileiro.
A camisa amarela não é apenas um uniforme — é um símbolo sagrado, que transcende divisões e une milhões na mesma torcida. É a essência de um Brasil que, apesar de suas fraturas, desigualdades e tensões, encontra no futebol um raro espaço de comunhão social, uma das poucas arenas onde ainda é possível projetar um senso de identidade comum.
A cor azul do segundo uniforme também é carregada de simbolismo e História. Para só citar alguns exemplos, o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo, em 1958, usando a camisa azul, na final contra a Suécia. Foi com a camisa azul que a seleção ganhou de 3 a 2 da Holanda em um jogo épico da Copa de 1994, com gols de Romário, Bebeto e Branco. Também foi de azul que ganhamos da Inglaterra na Copa de 2002.
Uma tradição de quase sete décadas será jogada no lixo. O torcedor não quer apenas um time vencedor; ele quer um time que represente sua identidade, um time no qual ele se reconheça.
O vermelho não evoca esse senso de pertencimento. Para a imensa maioria, a camisa vermelha será um corpo estranho, uma imposição. Em um país onde o futebol é quase uma religião, mudar a cor do altar é convidar os fiéis a abandonar o templo. O próprio Galvão Bueno já classificou a iniciativa como criminosa.
Já seria um erro grave trocar o azul do segundo uniforme por qualquer outra cor ausente de nossa bandeira, fosse laranja, preto ou fúcsia. Seria uma ofensa, uma estupidez, uma ideia de jerico.
Mas adotar a cor vermelha vai além do desastre bem-intencionado, porque soa como uma provocação incendiária e desnecessária a metade (ou mais, segundo pesquisas recentes) do eleitorado brasileiro.
Por se tratar de uma cor carregada de conotações políticas, associada a partidos de esquerda, sindicatos e movimentos “sociais” como o MST, a escolha da CBF pelo vermelho não é apenas burra, mas também perigosa e arriscada. Em tempos de polarização extrema, tende a ser mais um tiro que sai pela culatra.
O futebol é um espaço de neutralidade, onde um camelô bolsonarista e uma estudante petista podem gritar pelo mesmo gol
A politização do esporte é um erro estratégico e moral. O futebol é um espaço de neutralidade, onde um camelô bolsonarista e uma estudante petista podem gritar pelo mesmo gol.
Em um país onde as últimas eleições expuseram uma nação dividida ao meio, adotar o vermelho na camisa da seleção é como acender um fósforo em um barril de pólvora.
A CBF, de maneira consciente ou não, parece estar cutucando e ofendendo metade dos brasileiros. Mesmo sendo uma entidade, em tese, independente, é preciso entender que qualquer gesto de impacto simbólico no atual cenário do país tende a ser interpretado politicamente.
Pode até não haver uma intenção explícita na escolha, mas a percepção pública frequentemente importa mais do que a realidade.
Alterar as cores da seleção sem considerar o contexto social e político em que vivemos é, no mínimo, uma imprudência estratégica. É uma decisão politicamente imprudente e irresponsável, que pode transformar a camisa vermelha em mais um catalisador de rejeição ao governo. Este risco deveria ser levado a sério, ainda mais em ano eleitoral - já que a Copa será em 2026, meses antes da eleição, quando o clima político estará acirrado.
A politização da camisa da seleção oferecerá um palanque gratuito aos adversários do governo. Seguramente, a camisa vermelha será explorada pela oposição para mobilizar sua base, acusando o governo de usar o futebol como palanque. No mínimo, isso tende a aumentar a tensão social e dificultar ainda mais a governabilidade.
A rejeição ao vermelho deve se transformar rapidamente em rejeição ao próprio governo - não apenas entre seus críticos habituais, mas também entre os eleitores moderados que separam esporte e política. Além disso, se a seleção não tiver um bom desempenho na Copa, a camisa vermelha será associada ao fracasso, ampliando as críticas ao presidente em um momento crítico do calendário eleitoral.
Um fracasso comercial da camisa vermelha também será interpretado como uma rejeição popular ao governo, mesmo que a decisão tenha sido da CBF e da Nike. E mesmo se a camisa for um sucesso entre eleitores de esquerda, o aprofundamento da divisão social terá reflexos negativos. Não se pode permitir que também o espaço do futebol seja sequestrado pela lógica divisionista que assola o país.
Trata-se, portanto, de uma escolha desastrada e contraproducente. É mais um episódio que reforça uma percepção: o governo demonstra pouca sensibilidade para lidar com símbolos nacionais que deveriam pertencer a todos. Ao invés de construir pontes, incentiva uma ocupação simbólica do espaço público, que mais parece revanchismo do que esforço de conciliação.
PS: A ilustração deste artigo foi gerada por IA com base na camisa divulgada pelo site Footy Headlines. A CBF já se pronunciou, esclarecendo que as imagens do site não são oficiais. Ainda bem.




