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O Foro de São Paulo em suas próprias palavras
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Entre 29 de junho e 2 de julho próximos, acontecerá em Brasília o 26° Encontro do Foro de São Paulo, que reúne partidos, governos e organizações de esquerda da América Latina. A taxa de inscrição é de 250 dólares americanos – digo, estadunidenses – para partidos e organizações e de 50 dólares para participantes individuais.

Um “documento base” oficial com 99 parágrafos está à disposição para leitura no site do próprio Foro de São Paulo. Destaco e comento alguns trechos a seguir.

1

“(...) as forças da direita e da extrema direita, deslocadas nas urnas, tentam voltar ao poder com o apoio do sistema judiciário e dos monopólios da informação” (Parágrafo 1) ;

Pelo menos no Brasil, isso não faz o menor sentido; para qualquer pessoa com um mínimo de honestidade intelectual, parece evidente que, se o sistema judiciário e a grande mídia apoiam algum lado (não deveriam), este lado não é a direita.

2

“O império conta com o apoio e controle das mídias tradicionais e digitais, que não conseguiram desmantelar os movimentos populares” (Parágrafo 4);

De que império o documento está falando? No Brasil, se existe um esforço para desmantelar movimentos populares e esvaziar as ruas, inclusive por meio do medo da prisão, seguramente este esforço não é para conter manifestantes da esquerda, e sim os da direita.

3

“Estamos vivendo um momento crucial de resistência e luta continental. À firmeza e avanços de Cuba, Venezuela e Nicarágua, somam-se vitórias eleitorais que, tendo como premissa a unidade programática, frearam o desenvolvimento do neofascismo na região“ (Parágrafo 7);

Até mesmo a grande mídia progressista admite que Cuba, Venezuela e Nicarágua são ditaduras. A que avanços o documento se refere? Esses países são exemplos a serem seguidos para frear o “neofascismo”? Sério?

4

“O objetivo principal, expresso descaradamente pelos representantes dos Estados Unidos, é manter o controle de nossos recursos naturais, retomando a Doutrina Monroe, 200 anos depois de sua proclamação, como a principal estratégia contra a soberania e autodeterminação das nações latino-americanas e caribenhas” (Parágrafo 8);

Fiquei confuso. Quem defende a internacionalização da Amazônia e até mesmo a ascendência de organismos internacionais sobre os poderes legislativos locais? É a direita? Ou é a esquerda? E quem recebe de braços abertos um representante dos Estados Unidos que afirma com todas as letras que a Amazônia “pertence a todos”? É a direita? Ou é a esquerda?

5

“[A Covid] significou uma vitória moral, científica e de resistência para Cuba que, apesar do bloqueio intensificado, produziu suas próprias vacinas e imunizou sua população, assim como China e Rússia” (Parágrafo 10);

Mais um elogio à ditadura cubana, à China e à Rússia. A propósito, alguém confia na transparência dos dados divulgados por esses países – sobre a Covid ou qualquer outro assunto?

6

“O esforço dos Estados Unidos e seus aliados na União Europeia para continuar a expansão progressiva da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para as fronteiras da Federação Russa levou a um cenário com implicações de alcance imprevisível, que poderia ser evitado” (Parágrafo 27);

Se entendi bem, o documento sugere que a culpa pela guerra da Ucrânia é dos Estados Unidos e da OTAN, e não do país invasor, a Rússia. É isso mesmo, produção?

7

“O descrédito em que caíram os governos neoliberais nos últimos anos, como consequência cumulativa do agravamento das condições econômicas e sociais, tem provocado a resistência e a luta dos povos, que não podem ser contidas pela repressão estatal” (Parágrafo 65);

Papel aceita qualquer coisa. O fato é que, após a tragédia da pandemia, em 2022 os indicadores econômicos e sociais melhoraram muito no Brasil: mais de 10 milhões de pessoas saíram da pobreza; após oito anos no vermelho, a economia teve superávit de R$ 54,1 bilhões; o país fechou o ano com a menor taxa de desemprego desde 2014; a inflação ficou em 5,8%, a sexta menor do G20 (e inferior à de todos os países da Europa); o número de assassinatos diminuiu mais uma vez, ficando no patamar de 40.000 (chegou a 59.000 em 2017). E, definitivamente, não é contra a esquerda que a repressão estatal tem agido.

8

“(...) devemos lembrar a morte do comandante Hugo Chávez há 10 anos, depois de chegar ao poder democraticamente, sofrer um golpe e retornar à presidência. Chávez iniciou um novo capítulo na Venezuela e em todo o continente, ao se tornar um exemplo de luta contra o neoliberalismo e o imperialismo, iniciando o enfrentamento concreto das heranças das ditaduras militares na América Latina e Caribe (Parágrafo 76);

Em 4 de fevereiro de 1992, o próprio Hugo Chávez tentou dar um golpe de Estado para derrubar o então presidente Carlos Andrés Pérez (mas aquele golpe era do bem). Finalmente eleito, em 1998, para um mandato de 5 anos, Chávez esmagou a oposição e se manteve no poder até morrer, em 2013. Em 2011, foi denunciado ao Tribunal de Haia por crimes contra a humanidade, incluindo deslocamentos forçados, assassinatos e torturas. A corrupção explodiu em seus governos e nos governos de seu sucessor, Nicolás Maduro. É este um exemplo a ser seguido?

9

“As ocupações ilegais das Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich, territórios argentinos – e dos espaços marítimos circundantes – são um atentado à soberania argentina e a presença militar do Reino Unido no Atlântico Sul representa uma ameaça constante à região latino-americana e caribenha” (Parágrafo 88);

Parece que voltamos a 1982, quando um ditador com fama de bêbado e louco, o general Leopoldo Galtieri, usou esse discurso para provocar uma guerra – na qual a Argentina foi humilhada e espancada pela Inglaterra – para distrair a atenção da população da repressão política e da grave crise econômica que assolava o pais.

10

“Também é necessário aumentar a solidariedade com o povo palestino contra a agressão e ocupação, a criação do Estado Palestino livre e independente com suas fronteiras anteriores a 1967” (Parágrafo 91);

Neste ponto o documento é coerente com a orientação atual da política externa do Brasil em relação ao conflito árabe-israelense.

11

“As redes sociais se tornaram nos últimos anos um importante espaço de debate público em nossos países, mas também se tornaram um lugar marcado pela polarização, extremismo e notícias falsas. O livre fluxo da comunicação é constantemente corrompido por “ruídos” que muitas vezes impedem qualquer forma efetiva de diálogo e entendimento, e por um sistema que desencoraja o contraponto e a tolerância das diferenças (Parágrafo 92);

E a solução para esse problema, aparentemente, será a regulação do conteúdo das redes sociais, de forma a interromper o livre fluxo da comunicação, para que o debate público seja democraticamente limitado a um lado só. Isso sem falar no cancelamento de contas e perfis de canais e jornalistas que teimam em não entender que só um lado tem o direito de se manifestar.

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