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Imagem do vídeo divulgado pela Gazprom, simulando a Europa congelada no inverno
Imagem do vídeo divulgado pela Gazprom, simulando a Europa congelada no inverno| Foto: Divulgação

A Europa caminha para um inverno difícil, com o anunciado racionamento de energia que deve comprometer severamente o aquecimento doméstico e até mesmo o funcionamento das indústrias, que terão que diminuir sua produção.

O governo francês, por exemplo, já alertou os cidadãos que eles poderão ficar até duas horas por dia sem eletricidade, algo que não acontece desde a Segunda Guerra. O receio generalizado é que isso provoque recessão, inflação (que já passou de dois dígitos), explosão do desemprego, tensões sociais crescentes e dolorosas perdas econômicas – uma receita que pode facilmente descambar para a violência.

Por muito menos já aconteceu muito mais: basta lembrar o movimento dos “coletes amarelos”, que ocupou as ruas da França com protestos violentos durante o ano inteiro de 2019, por causa de um aumento de poucos centavos no preço dos combustíveis.

Aquele aumento foi provocado pela criação de um “imposto ambiental”, com a meta de reduzir as emissões de carbono e estimular o uso de fontes alternativas de energia. O francês comum ficou enfurecido, mesmo sem nenhum apagão.

A crise atual, muito mais grave, acontece em função da redução do fornecimento de gás natural da Rússia, fornecimento do qual muitos países europeus são totalmente dependentes. A redução acontece como uma forma de retaliação de Putin ao apoio do Ocidente à Ucrânia na guerra e à aplicação de sanções internacionais contra a Rússia. Na semana passada, a Gazprom, empresa estatal russa, chegou a divulgar um vídeo simulando como seria a Europa congelada no inverno:

O líder russo tem todo esse poder porque o gás que a Europa consome hoje vem em sua maior parte – 60% no caso da Alemanha, 100% em alguns países – dos campos de extração da Sibéria, por meio de diversos gasodutos. Alguns gasodutos operam hoje com 20% de suas atividades; em outros, o fornecimento já foi totalmente interrompido. Basta Putin mandar fechar a torneira pra fazer milhões de europeus passarem frio.

Mas nem sempre foi assim. O gráfico abaixo, elaborado pelo site “Libremercado” com base em relatórios do IEA – Natural Gas Information, mostra que, até muito pouco tempo atrás, a Europa produzia mais gás natural do que importava da Rússia. Foi somente a partir de 2010 que essa relação se inverteu:

Em grande medida, esse movimento pode ser atribuído ao crescimento da “agenda verde” na Europa. Pressionados por ONGs de defesa do meio-ambiente e alarmados com a crise climática que ameaça acabar com a vida na Terra já há 50 anos, o que os governos europeus fizeram foi terceirizar o trabalho sujo de produção de combustíveis fósseis para ancorar sua produção industrial.

Aparentemente, eles acreditavam que poderiam ter com o melhor de dois mundos: a consciência limpinha de quem não polui o meio-ambiente e o suprimento barato de gás natural russo.

Deu certinho. Como afirmou recentemente o presidente da frança, Emmanuel Lacron, digo, Macron, "a era da abundância acabou". Pior ainda: ontem foi divulgado que o próprio Putin financiou, com mais de 80 milhões de dólares, ONGs ambientalistas europeias que pressionaram governos a suspender o “fracking” (“fraturamento hidráulico, uma técnica eficaz de extração de gás natural, mas potencialmente nociva à natureza).

Esse dinheiro pode ter servido, por exemplo, para financiar protestos como o dos jovens ativistas italianos que “colaram” as mãos em uma pintura de Boticelli, “O nascimento de Vênus”, em julho passado, na Galeria Uffizi, em Florença:

Ativistas colam as mãos em uma pintura de Boticelli, para defender o clima
Ativistas colam as mãos em uma pintura de Boticelli, para defender o clima

Casos semelhantes aconteceram em outros museus e galerias europeias. Ou seja, os jovens inocentes úteis que fizeram protestos fofinhos nos últimos anos em defesa do clima possivelmente estavam sendo usados por Putin e não sabiam.

Ou sabiam, sei lá. Na verdade, não querem saber: eles acham que estão certos e pronto. Não acreditam na complexidade do mundo. Se faltar energia para o aquecimento das suas casas no próximo inverno, eles vão colocar a culpa no mesmo Putin que financiou sua causa.

O caso é uma ilustração exemplar de como boas intenções e narrativas lacradoras frequentemente entram em rota de colisão com a realidade. Por mais que vivamos em tempos de fake news e pós-verdades, no final do dia os fatos sempre se impõem – e, invariavelmente, quem paga a conta são os pobres e a classe média.

Já para os europeus ricos, se o frio apertar, existe sempre a possibilidade de pegar um avião para alguma praia nos trópicos. E ainda podem lacrar na internet, como fez a bilionária espanhola Ana Botín, presidente do Banco Santander, ao postar que reduziu a calefação de uma de suas mansões, tema do meu artigo “Como uma bilionária espanhola pode acabar com a guerra na Ucrânia”.

Parece óbvio que a defesa do meio-ambiente é uma bandeira nobre e necessária, e que se devem buscar fontes alternativas economicamente viáveis de energia, até porque o petróleo um dia vai acabar.

Mas essa transição exige muito tempo, seriedade, planejamento e pesquisa: ela não pode ser feita no tapa, à sorrelfa, de socapa, sob a liderança grotesca de Greta Thunberg e com base em slogans lacradores.

Tentar acelerar esse processo na marra, ou abrir mão da soberania na produção de energia para ficar bem na fita, como fizeram os países europeus, vai produzir crises econômicas em série e muito sofrimento. Winter is coming.

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