Na semana passada, dois dias antes da coletiva-bomba do então ministro Sergio Moro (tão bomba que conseguiu desviar a atenção da população no coronavírus), o governo federal fez um anúncio importante: o lançamento do programa Pró-Brasil de recuperação da economia, a ser conduzido pelo ministro da Casa Civil, general Braga Netto. Com foco em obras públicas e geração de emprego, o evento também contou com a participação do ministro Tarcísio Freitas, da Infraestrutura (a melhor surpresa deste governo). Mas Paulo Guedes e sua equipe não estavam lá.
Ainda não se sabe ao certo o tamanho do estrago provocado pela fala do ex-ministro da Justiça. Em um primeiro momento, achei que Moro tinha quebrado as pernas de Bolsonaro – da mesma maneira que as gravações de Joesley Batista quebraram as pernas de Michel Temer (seu governo, a partir dali, nunca mais foi o mesmo). Há quem fale em impeachment, mas, neste momento, o comportamento de alguns atores que seriam decisivos para esse processo sugere que a tendência é uma volta à “normalidade” (normalidade no Brasil é sempre entre aspas).
Tampouco se sabe qual será o impacto do episódio no Pró-Brasil. Como se sabe, o plano enfrentava a resistência de Paulo Guedes, que a imprensa já dava como demissionário. Guedes voltou a ser prestigiado pelo presidente, mas difícil agora será conciliar a agenda liberal do ministro da Economia com um programa que prevê R$ 30 bilhões em gastos públicos diretos e mais R$ 250 bilhões em concessões. A ideia é gerar 1 milhão de empregos até 2022.
A receita keynesiana de pesados gastos públicos, com o Estado atuando como protagonista da recuperação econômica, pode dar certo? A resposta depende do ponto de vista e jamais será consensual. Prova disso é que até hoje não existe consenso na avaliação do New Deal (“Novo Acordo”), o conjunto de medidas implementado, a partir de 1933, por Franklin D.Roosevelt para tirar os Estados Unidos da depressão produzida pelo Crash da Bolsa de 1929. Se não há consenso sobre o passado, o que dizer do futuro?
A gente costuma aprender nos bancos escolares que o New Deal foi um sucesso, reaquecendo a economia americana e “salvando o capitalismo de si mesmo”. Mas existe, já há várias décadas, uma vasta literatura contestando essa tese, destacando-se o clássico “A Grande Depressão Americana”, de Murray N.Rothbard (1963). Mais recentemente, Richard Vedder e Lowell Gallaway concluíram, de forma contundente, que a Grande Depressão foi “significativamente prolongada, tanto em sua duração como em sua magnitude, pelo impacto dos programas do New Deal" (“Out of Work – Unemployment and Government in 20th Century America”, 1993). Ou seja, o argumento é que, sem o New Deal, a recessão seria corrigida pelo mercado - e teria sido superada muito mais depressa
É fato que a economia americana acabou se recuperando, mas esse processo levou mais de uma década. Mesmo na retomada do emprego, o New Deal foi bastante lento, com uma taxa de desocupação persistente e elevada (o patamar de 1929 só seria recuperado em 1952). Além disso, a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, em 1941, parece ter sido um fator mais determinante da retomada do crescimento, em função do aumento da demanda por produtos americanos, que o próprio New Deal.
Tudo isso faz sentido. Além dos gastos maciços em obras públicas, como a construção de fábricas, estradas, portos, usinas, escolas, hospitais (principal ponto em comum com o Pró Brasil), o New Deal também incluiu diversas medidas que afastaram o investimento privado produtivo: controle de preços, aumento do poder de barganha dos sindicatos, diminuição da jornada de trabalho sem redução dos salários, subsídios variados à agricultura e outros setores, intervenção no sistema bancário e no mercado financeiro. São medidas que até hoje deixam de cabelo em pé os adeptos do liberalismo econômico.
As críticas ao New Deal são bem fundamentadas pela teoria econômica e pelo exame retrospectivo dos números. Mas essas análises não levam em conta dois aspectos fundamentais e entrelaçados: o impacto social e o impacto político do programa. Além das medidas emergenciais – algumas delas foram mais tarde declaradas incostitucionais – o New Deal foi responsável pela adoção de um sistema de seguridade social nos Estados Unidos, além da criação do salário mínimo, do seguro-desemprego e de uma rede de proteção aos idosos, desempregados e inválidos. O trabalho infantil foi erradicado. Além disso, com os empregos criados no campo, diminuíram os problemas causados pelo êxodo rural. Todas essas foram medidas positivas e de evidente popularidade.
Mesmo em governos de viés liberal, em períodos de calamidade e colapso social iminente a urgência de aliviar o sofrimento da população e salvar vidas pode prevalecer sobre os dogmas da teoria econômica. Maiores gastos públicos se tornam necessários não para criar o bem-estar social, mas para evitar uma tragédia. Mal comparando, o que o New Deal fez foi “achatar a curva” dos danos sociais provocados pela crise econômica, ao preço de prolongar essa crise – da mesma forma que o isolamento social faz com a pandemia do coronavírus.
Mas houve um aspecto em que o New Deal foi inegavelmente eficaz, pelo menos do ponto de vista de quem o implementou: o impacto político e eleitoral. A popularidade do New Deal garantiu a Roosevelt mais dois mandatos, nas eleições de 1936 (de forma acachapante, vencendo seu adversário Alf Landon em 46 estados e só perdendo em dois) e de 1940; os republicanos só voltariam ao poder em 1953, com a eleição de Eisenhower. A política tem razões que a economia desconhece, e vice-versa.
De qualquer forma, o Pró-Brasil só começará a ser implementado em outubro. Até lá, muita coisa pode acontecer.
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