• Carregando...
O risco de um segundo turno sangrento em 2022 é real
| Foto: Wikipedia

Na semana que passou foi divulgada mais uma pesquisa de intenção de voto para a eleição presidencial de 2022, realizada pelo PoderData entre 21 e 23 de dezembro. Vamos aos números.

À pergunta “Se a eleição fosse hoje, você votaria em qual candidato?”, as respostas foram:

Pesquisas recentes de outros institutos sinalizam mais ou menos o mesmo cenário, com pequenas variações. São números ótimos para o presidente, é claro, mas a história não termina aí.

A primeira conclusão é que Bolsonaro conta com uma base leal de eleitores que lhe assegura um ponto de partida confortável no primeiro turno. Pode-se atribuir a persistência de sua popularidade ao auxílio emergencial ou outro motivo qualquer, mas a verdade é que, não importa o que o presidente diga ou faça, aparentemente ele contará com o apoio leal de um terço do eleitorado. Aliás, o mesmo acontecia com Lula e o PT, que contavam com o apoio incondicional de um terço dos eleitores como ponto de partida em qualquer eleição.

Mas nem tudo são flores para Bolsonaro. Somados, os candidatos da esquerda (Haddad, Ciro, Boulos e Flavio Dino) têm 29% das intenções de voto no primeiro turno. Se Haddad (ou Ciro) passar para o segundo turno, é lícito supor que Haddad (ou Ciro) herdará 100% desses votos sem fazer qualquer esforço, por efeito de uma migração espontânea.

Por sua vez, os candidatos de centro (Huck, Moro, Doria, Amoedo e Mandetta) somam 23% das intenções de voto. É uma situação mais delicada que a do campo esquerdista, já que não é certo que, se um desses candidatos conseguir chegar ao segundo turno, herdará naturalmente os votos dos demais.

É difícil visualizar uma união das esquerdas já no primeiro turno em 2022 – até porque, depois do que passou com o PT na eleição de 2018, Ciro Gomes terá o direito de alegar: “Agora é a minha vez”. Por sua vez, o PT continuará sendo o PT, isto é, dificilmente abrirá mão da candidatura própria – ainda mas estando na frente nas pesquisas, entre os candidatos de esquerda, como acontece neste momento.

Considerando que a presença de Bolsonaro no segundo turno é mais do que provável, o risco de um segundo turno sangrento em 2022 é grande, contrapondo mais uma vez os polos do bolsonarismo e do lulopetismo (ainda que aglutinado em Ciro, em uma versão ciropetista). Quem entende a política como uma briga entre torcidas de futebol fanáticas pode até gostar dessa hipótese. Mas vale lembrar que, por mais que o Flamengo seja favorito em um Fla-Flu (e olha que eu sou Fluminense), é impossível prever o resultado de um jogo com 100% de segurança. Basta pensar na recentíssima eleição americana: um ano atrás, Trump parecia ter um segundo mandato assegurado – e perdeu.

Nesse contexto, o melhor caminho para quem coloca o bem do Brasil à frente de suas próprias paixões e fantasias – e para quem considera que qualquer coisa é melhor que a volta do lulopetismo ao poder – é torcer para o bloco do Centro se aglutinar em torno de um candidato capaz de  empolgar um número de eleitores suficiente para chegar na frente de Haddad e Ciro no primeiro turno. Não será uma tarefa fácil.

A dobradinha já cogitada entre Sérgio Moro e Luciano Huck pode parecer atraente para aquela parcela do eleitorado que quer um governo mais “moderado”, capaz de apertar a tecla “pausa” no clima belicoso que divide e envenena a sociedade brasileira já há quase 20 anos – isto é, desde que o PT assumiu deliberadamente a estratégia maquiavélica de dividir a população ente “nós” e “eles” para se perpetuar no poder; para levar adiante a metáfora futebolística, transformaram a política em um Fla-Flu e agora estão sofrendo as consequências, com om ando de campo invertido.

Não importa o que Bolsonaro diga ou faça, ele contará com o apoio leal de um terço do eleitorado – como acontecia com Lula, aliás

Mas qual será o papel e o comportamento de Dória nesse processo? Por mais que frequente a mídia e atraia holofotes com polêmicas sobre a vacina, o governador de São Paulo não consegue decolar nas pesquisas nacionais. Cada vez mais, o PSDB parece ter como sina ser um partido vencedor no estado de São Paulo (o que não é pouco), mas incapaz de lançar uma candidatura empolgante a nível nacional.

Ao atacar Bolsonaro, Dória está, conscientemente ou não, fazendo o jogo da esquerda; na minha opinião, o governador de São Paulo deveria estar brigando com essa esquerda pela segunda vaga do segundo turno (já que a primeira, certamente, será de Bolsonaro). Em vez disso, desgasta-se medindo forças com o presidente, deixando em paz seu adversário direto por essa vaga. Não parece uma estratégia muito inteligente – aliás, essa estratégia já fracassou em 2018, quando Alckmin optou por medir forças com o então candidato Bolsonaro, em vez de confrontar o PT.

Por analogia, a escolha de Dória como alvo preferencial dos ataques da militância bolsonarista me parece igualmente equivocada. Enquanto os eleitores de direita concentram fogo no governador paulista, que tem hoje modestos 3% das intenções de voto para 2022, Fernando Haddad, Ciro Gomes e mesmo Guilherme Boulos trabalham tranquilamente nos bastidores, com o caminho livre para que um deles chegue ao segundo turno em 2022. Ninguém os incomoda.

Mais uma vez: no primeiro turno da eleição de 2018 aconteceu a mesma coisa: 99% dos eleitores de Bolsonaro com quem eu conversava afirmavam com toda convicção que o PT estava morto. Eu respondia: “Não está. O inimigo a ser combatido não é o picolé de chuchu, é Haddad”. Mas era inútil argumentar. Resultado: enquanto eles gastavam todo o seu tempo e energia batendo em candidatos como Geraldo Alckmin e até João Amoedo, Haddad comia pelas beiradas. E as urnas demonstraram que o PT não estava morto.

A vitória de Bolsonaro no segundo turno foi robusta, mas não foi uma campanha fácil, e há outro aspecto a destacar aqui. O resultado de um segundo turno pode ser determinado, evidentemente, pela recomposição dos votos dos candidatos derrotados. Em 2018, eleitores de Alckmin e Amoedo que poderiam ter votado em Bolsonaro no segundo turno não o fizeram por conta dos bate-bocas intermináveis com bolsonaristas nas redes sociais. Ninguém pode garantir que a margem de Bolsonaro em 2022 será novamente grande a ponto de poder dispensar esses votos no segundo turno. Ainda que esses eleitores não migrem para o candidato da esquerda, podem fazer falta para a reeleição do presidente.

A não ser, é claro, que a direita ache que Haddad (ou Ciro) é um candidato mais fácil de derrotar no segundo turno que Huck, Dória ou Moro – estratégia altamente arriscada, sobretudo se a economia não estiver apresentando indicadores positivos em 2022, ou se acontecer alguma outra tragédia inesperada (de novo, pensem na derrota de Trump para um candidato fraco e idoso como Biden).

P.S.: Bolsonaro e Lula têm outra coisa em comum: um e outro, na presidência, têm o dom de ocupar o centro das atenções o tempo inteiro. Mesmo quem detesta Bolsonaro não consegue parar de falar dele – a ponto de definir esse ódio como traço essencial de sua própria identidade individual (“Ele não!” é, ainda hoje, uma frase de apresentação de inúmeros perfis nas redes sociais). Mas, na política, o “falem mal, mas falem de mim” funciona. E falar mal a qualquer preço pode ser uma forma de adorar pelo avesso.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]