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Presidência da República paga gastos com segurança em viagens de presidentes em campanha pela reeleição
Presidência da República paga gastos com segurança em viagens de presidentes em campanha pela reeleição| Foto: Roberto Stuckert Filho

Presidentes candidatos à reeleição contam com uma mordomia que não está à disposição dos seus adversários. A Presidência da República paga as despesas com servidores da segurança e apoio técnico em qualquer deslocamento presidencial, inclusive para eventos eleitorais. As despesas com hospedagem e alimentação desses servidores são consideradas indispensáveis à segurança, atendimento logístico e pessoal nas viagens do presidente. Esta prática fica clara nos gastos com cartões corporativos nos deslocamentos da então presidente Dilma Rousseff em agosto e setembro de 2014, quando ela presidia o país e estava em campanha eleitoral. Ela teve o reforço de Lula em comícios de 2010.

Os dados foram obtidos pelo blog por meio da Lei de Acesso à Informação. Nas prestações de contas dos pagamentos feitos com cartões corporativos estão registrados os “eventos eleitorais” e as despesas com hospedagem de seguranças e assessores e alimentação de policiais civis, federais, rodoviários, bombeiros e até militares das Forças Armadas. Eles participam do esquema de segurança quando há presença de público.

As prestações de contas estão registradas em meio físico, em arquivos que enchem uma sala de um anexo da Secretaria Geral da Presidência. A análise de milhares de documentos foi feita em visitas presenciais ao arquivo, com a solicitação e entrega de cópias das páginas selecionadas pela reportagem. O pedido de acesso foi apresentado em 25 de abril.

Não estão incluídas as diárias pagas aos servidores integrantes da comitiva presidencial. Mas nem tudo é de graça. O ressarcimento das despesas com o uso de transporte oficial pelo presidente da República e sua comitiva, em campanha eleitoral, é responsabilidade do partido político ou coligação a que esteja vinculado. Todos esses dados são mantidos em sigilo durante o mandato presidencial, por questões de segurança, e divulgados somente após o término do mandato.

Eventos da “presidenta”

Na viagem para Belém, em 10 de setembro de 2014, o relatório de viagem é explícito: “Participação da excelentíssima senhora presidenta no comício de campanha eleitoral”. No documento, Dilma é tratada como “presidenta”, como ela exigia. A presidente chegou à capital paraense com a sua comitiva numa quarta-feira e teve apenas um evento da cidade – justamente o comício. Encerrado o evento, ela retornou para Brasília.

Em 6 de setembro, esteve em São Paulo num “Evento Eleitoral”, como descrevem os registros da viagem. Foi um “encontro com taxistas”, na sede do Sindicato dos Taxistas do Estado de São Paulo. Dilma chegou ao aeroporto de Congonhas ás 9h50. A comitiva presidencial deslocou-se para o sindicado às 10h, em comboio terrestre. O encontro, na Vila Clementina, durou 1 hora, com encerramento às 11h15.

Dali, a comitiva seguiu em comboio terrestre para a quadra do Sindicato dos Bancários, onde foi realizado o “Ato político mulheres com Dilma”, também classificado como “Evento Eleitoral”. Nos registros de custos de viagens da Presidência, a estada em São Paulo custou R$ 35 mil aos cofres públicos, (em valores atualizados pela inflação).

Em 25 de setembro, já nas proximidades do primeiro turno das eleições, a presidente Dilma esteve em Feira de Santana (BA). Os registros arquivados na Presidência deixam clara a finalidade dessa viagem: “Participar de caminhada (Evento Eleitoral), em Feira de Santana”. O evento ocorreu às 11h.

Participação em debates

Dilma visitou a cidade de Aparecida (SP) em 16 de setembro. A finalidade era apenas uma: “Participar de debate com os candidatos à Presidência da República”, promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e TV Aparecida. Ficou registrado que se tratava de um “Evento Eleitoral”. A presidente chegou à cidade e dirigiu-se à Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Terminado o debate, pegou o avião presidencial e partiu para Brasília.

As equipes de segurança local não passaram fome. O sistema de segurança presidencial no município serviu 318 lanches para militares do Exército, 75 para policiais militares, 60 para policiais rodoviários federais, 60 para guardas municipais, 15 para policiais civis e 12 para policiais federais, num total de 540, com preço unitário de R$ 17,00. Como não houve pernoite em Aparecida, não houve despesa com hospedagem.

Em 1º de setembro, uma segunda-feira, Dilma participou do debate com candidatos à Presidência da República na emissora de TV SBT, em São Paulo. Ela chegou a Congonhas no domingo à noite. Deslocou-se de helicóptero até a Base do Ibirapuera e, depois, em veículos, até o hotel Unique. Na segunda, preparou-se para o debate no hotel, até às 16h. Chegou ao heliponto do SBT às 16h35. Dali, seguiu em comboio de veículos até os estúdios da emissora. O debate teve início às 17h45, com duração de duas horas. Chegou ao hotel, onde pernoitou, às 20h. A hospedagem de 28 integrantes da comitiva, paga com cartão corporativo, custou R$ 47,8 mil.

No dia seguinte, ao meio dia, ela foi de helicóptero para o Campo de Futebol 1º de maio. Seguiu logo em comboio até o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde participou de caminhada na Praça da Matriz de São Bernardo do Campo, às 15h. Chegou de helicóptero a Congonhas, de onde partiu para Brasília às 15h40.

Aviões, helicópteros, comboio terrestre

Como mostraram os registros da viagem para São Paulo, os deslocamentos nos locais dos eventos exigem uma enorme estrutura de transporte. Na viagem para Belo Horizonte, dia 13 de setembro, Dilma partiu do Palácio da Alvorada de helicóptero, às 9h, com cinco assessores, com destino à Base Aérea. Chegou ao aeroporto da Pampulha às 10h30, sendo recebida pelo “candidato a governador”, Fernando Pimentel; o “candidato a vice-governador”, Antônio Andrade; e o “coordenador da Campanha em Minas Gerais”, Walfrido Mares Guia, como registram os documentos oficiais.

A comitiva de 17 autoridades, políticos e servidores ocupou dois helicópteros. Todos seguiram para o heliponto do Clube das Quintas. Dali, seguiram em veículos para o heliponto da Igreja Nossa Senhora do Rosário, em três carros e duas vans. Dilma foi recebida nas escadarias da Igreja por grupo religioso de matriz africana para “agradecimento das lideranças do Movimento Negro pelo avanço na política pública de promoção da igualdade racial”. Em seguida, entrou na igreja e foi conduzida ao palco.

Às 11h, a “comitiva de campanha” chegou ao Marco Zero. Usaram a palavra os candidatos a senador, Josué Alencar; a governador; e o representante do Movimento Negro. Às 13h, a comitiva partiu para a residência do “coordenador da Campanha em Minas”, onde houve um almoço privado. Às 15h30, no Marco Zero, Dilma participou do “Encontro com a Juventude”, ao lado dos seus candidatos. Logo após, todos retornaram à Pampulha em veículos. A comitiva presidencial partiu para Brasília às 17h20.

Mas a campanha não teve apenas “almoços privados”, reservados à cúpula da campanha. Dilma foi ao Rio de Janeiro em 15 de setembro, para o lançamento do livro “Um País Chamado Favela”, na Central Única de Favelas (CUFA), em Madureira. Um cartão corporativo pagou R$ 22 mil por 1.163 kit-lanches, sendo 700 para agentes de segurança de área (Exército); 250 policiais militares, 28 bombeiros e 10 operadores de ambulâncias.

Lula também esteve em comícios

Em setembro de 2010, em campanha para o seu primeiro mandato como presidente, Dilma recebeu uma força do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, seu maior cabo eleitora. No dia 22, Lula voou para Curitiba, onde tinha um “compromisso “privado”, às 17h30. Seguiu do aeroporto para o compromisso em comboio terrestre. Às 19h30, chegou a um “Comício de Campanha”. O evento aconteceu na Praça do Semeador, no bairro Sítio Cercado, com a presença de Dilma e do candidato ao governo do estado Osmar Dias (PDT.

Depois, Dilma seguiu em comboio para o /Bourbon Convention Hotel, onde pernoitou. Os policiais e militares que atuaram na segurança local receberam 187 lanches, sendo 69 para militares do Exército, 72 para policiais militares, 10 para policiais rodoviários e 20 para servidores da Força Aérea, entre outros.

Em 17 de setembro, Lula visitou Juiz de Fora (MG). Deixou Brasília às 14h, utilizando uma numa aeronave Legacy, numa sexta-feira. Às 16h, já estava na inauguração das instalações do Campi Universitário do município. Às 18h, partiu para o local do “evento privado (comício)”. O comício ocorreu no Terreirão do Samba, ao lado da candidata Dilma, na presença de um público de 15 mil pessoas. Depois, seguiu para São Paulo.

Bem mais cedo, foi servido almoço em restaurante para “alimentar a tropa antes do evento”. Foram servidos 130 lanches para militares do Exército, 19 para policiais militares, 8 para bombeiros e 3 para agentes de saúde.

O que diz a Lei Eleitoral

A Secretaria Geral da Presidência da República, que faz o pagamento das despesas feitas pelo presidente da República, afirmou ao blog que somente as despesas elencadas no art. 76 da Lei 9.508/1997 são objeto de ressarcimento. O art. 76 diz que o ressarcimento das despesas com o uso de transporte oficial pelo Presidente da República, e sua comitiva, em campanha eleitoral, será de responsabilidade do partido político ou coligação a que esteja vinculado.

Mas a Secretaria Geral acrescentou que as despesas dos “servidores necessários à segurança e ao apoio técnico que ocorrem em qualquer deslocamento presidencial não são objeto de ressarcimento. Estes encontram-se desempenhando suas atividades vinculadas à competência institucional dos órgãos da Presidência da República”.

Em nota anterior, relativa ao pagamento das despesas com hospedagem de servidores e alimentação, a Secretaria Geral já havia informado que “tais despesas são inerentes à indispensável segurança, atendimento logístico e pessoal nas viagens do presidente, em consonância com a Resolução TSE 23.610/2019. A resolução diz que, “no transporte da(o) presidente em campanha ou evento eleitoral, serão excluídas da obrigação de ressarcimento as despesas com o transporte dos servidores indispensáveis à sua segurança e atendimento pessoal, bem como a utilização de equipamentos, veículos e materiais necessários à execução daquelas atividades”.

Como não houve alteração na Lei Eleitoral, o presidente da República, Jair Bolsonaro, terá direito a todas as mordomias oferecidas aos ex-presidentes Lula e Dilma em campanha pela reeleição. A pré-campanha de Bolsonaro já está em ritmo acelerado, com muitas visitas e inauguração de obras pelo país. Em março e abril, ele gastou R$ 2,9 milhões com cartões corporativos.

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