Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Lúcio Vaz

Lúcio Vaz

O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Filhas de ministros

Previdência do século XIX banca até hoje filhas solteiras de ministros superiores

(Foto: Wikimedia Commons)

Ouça este conteúdo

Este conteúdo foi corrigido

O contribuinte banca as pensões de 478 filhas, netas e irmãs solteiras deixadas pelo falido Montepio Civil da União – sistema de previdência pública criado no Brasil em 1890, pelo Marechal Deodoro da Fonseca. O Montepio faliu em 2013 e deixou a dívida para a União. A despesa mensal chega a R$ 9,3 milhões – com pensões no valor médio de R$ 19 mil. 30 filhas solteiras recebem pensões deixadas por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal de Contas da União (TCU), entre outros tribunais.

As três maiores rendas são de filhas de ex-ministros do STF, no valor de R$ 88 mil bruto. O valor líquido varia de 35 a 53 mil. Maria Lúcia Alckmin, de 81 anos, filha do ex-ministro Rodrigues Alckmin, recebeu pelo Montepio R$ 88 mil bruto (R$ 53 mil líquidos), em dezembro de 2024 (último dado disponível). Os dados foram liberados pelo Ministério da Gestão e Inovação. Pelo STF, Maria Lúcia recebe R$ 46,3 mil bruto – o teto remuneratório constitucional (R$ 39,7 líquido).

Maria Ayla de Vasconcelos, de 101 anos, filha do ex-ministro Abner Carneiro, recebeu R$ 88 mil bruto (R$ 35,5 mil líquido) do Montepio. Pelo STF, recebe R$ R$ 46,3 mil bruto (R$ 29,3 líquido). Maria Letícia Gonçalves, de 73 anos, recebeu R$ 88 mil bruto (R$ 35,5 mil líquido) do Montepio. O seu nome não consta na página do Supremo que registra a remuneração dos servidores e pensionistas.

Superior Tribunal de Justiça

Maria Azambuja Krieger, de 70 anos, filha do ministro do STJ João Leitão Krieger, teve renda de R$ 83 mil bruto (R$ 34 mil líquido). Não há informação disponível sobre Maria no STJ. Teresa Rollemberg, 94 anos, esposa do ex-ministro do STJ Armando Rollemberg, recebeu bruto R$ 83 mil (R$ 34 mil liquido). Maria Catunda Martins, de 100 anos, filha do ex-ministro do STJ Inácio Catunda Martins, recebeu R$ 50 mil brutos (R$ 32 mil líquidos).

Maria Martins Miranda, filha do ministro do TCU João Batista Miranda, recebeu R$ 83,6 mil bruto (R$ 36 mil líquido) pelo Montepio em dezembro. Pelo TCU, recebe R$ 44 mil. Em junho, recebeu mais R$ 6 mil de ressarcimento de assistência médica, além de R$ 22 mil de adiantamento do 13º salário. Cynthia Pereira Lira, filha do ministro do TCU José Pereira Lira, recebeu do Montepio R$ 83,6 bruto (R$ 34 mil líquido).

Há ainda as pensionistas do Superior Tribunal Militar (STM) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Márcia Lucan de Oliveira, filha solteira do ex-ministro Flávio Lucan de Oliveira, do STM, recebeu R$ 83 mil bruto (R$ 34 mil líquido). Marisa Sussekind, filha do ministro do TST Arnaldo Sussekind, recebeu R$ 50 mil bruto (R$ 35 mil líquido).

Irmãs e netas solteiras

Nem todas as pensionistas do Montepio recebem altas pensões. Isabel de Melo recebe pensão de R$ 5,7 mil bruto (R$ 3 mil líquido) como irmã solteira deixada por Damiana de Melo, que trabalhava como servente de limpeza na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Maria de Mendonça recebe pensão de R$ 5,8 mil bruto (R$ 4,2 mil líquido) como neta solteira de um carteiro do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Juliana Javoski recebe pensão R$ 6,1 bruto (R$ 4,1 líquido) como neta solteira de um agente de portaria do Ministério da Saúde. Geralda Franco recebe pensão de R$ 10,2 bruto (R$ R$ 6,2 líquido) como irmã solteira de um porteiro da Universidade Federal de Minas Gerais. Nadir de Carvalho recebe pensão de R$ 4,3 mil bruto (R$ 3,2 mil) como irmã solteira de um carteiro da Ciência e Tecnologia.

Pensão criada por decreto

Decreto de Ruy Barbosa, ministro da Fazenda do governo do Marechal Deodoro, criou o Montepio Civil da União, em 1890, com extravagâncias como pensionistas irmãs, netas e até sobrinhas solteiras. O servidor que não tinha parentes próximos podia deixar a pensão por testamento a “parentas por ele socorridas”. Os dependentes prioritários eram a viúva, filhas solteiras e filhos menores.

Em seguida, vinham as filhas viúvas, os netos menores e as netas solteiras. Depois, as filhas casadas, a mãe viúva e o pai inválido. Se não existissem filhas casadas, as irmãs solteiras ou viúvas ficavam com a pensão. Na sequência, os sobrinhos menores e sobrinhas solteiras, desde que filhas de irmãs falecidas do contribuinte.

A pensão-herança tinha um rito sumário. O contribuinte sem parentes próximos podia dispor de metade da pensão “por testamento” em favor de “parentas por ele socorridas, às quais quisesse beneficiar por sua morte”. Bastava que a beneficiada apresentasse certidão da “verba testamentária” para entrar no “gozo da pensão”.

Ruy Barbosa foi o primeiro ministro da Fazenda da República. Intelectual influente na sua época, destacou-se como jurista, político, escritor e jornalista. Abolicionista, defendeu a ilegalidade da escravatura. Ganhou fama internacional na Conferência de Haia de 1907, sobre direito internacional, onde ficou conhecido como o "Águia de Haia". Foi deputado federal e senador por 30 anos.

Mas as “filhas solteiras” surgiram bem antes, no final do século 18, no Brasil Colônia – com outra denominação.  Em 1795, foi aprovado o Plano de Montepio dos Oficiais da Armada Real Portuguesa – precursora da Marinha. Os oficiais contribuíam com um dia de soldo para garantir uma renda às viúvas e às filhas “donzelas ou viúvas”, mesmo que casassem após a concessão. "Donzelas" eram as mulheres virgens e solteiras.

Correção

Teresa Sobral Rollemberg é esposa de Armando Leite Rollemberg, e não filha, como havia sido publicado anteriormente.

Corrigido em 04/09/2025 às 12:15

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.