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2024: ano vendido?
| Foto: Wikimedia Commons

Esta semana começamos o ano legislativo na Câmara dos Deputados. Uma retrospectiva do ano de 2023 deve necessariamente passar pela constatação de que os últimos discursos de Lira e Pacheco, elogiando a soberania do Congresso e sua independência são meramente demagógicos. A interferência do STF é patente e a agenda legislativa hoje está totalmente subjugada ao Poder Executivo, que praticamente comprou as lideranças do Congresso, bem como os presidentes da Câmara e do Senado.

Uma retrospectiva nada animadora

O ano de 2023 foi o pior dos últimos 10 anos para o Poder Legislativo. Não houve praticamente nenhuma discussão de pautas, quase todas expressivas e importantes para o Brasil, e que foram atropeladas, compradas, rifadas. Além da reforma tributária, no final do ano anterior já tinha sido aprovado o fim do teto de gastos. Ali já sabíamos o que deveria ser ano de 2023, pois a agenda já tinha sido antecipada, o conhecido jogo do toma lá, dá cá, e sob a mesma presidência da casa. 

Acabaram com o teto de gastos, que era uma regra muito poderosa e saudável, e deixaram o sistema no vácuo durante alguns meses. Depois, inventaram o absurdo do arcabouço fiscal e em seguida mudaram as regras do CARF, aquelas nas quais quando há disputas tributárias quem ganha é o governo. Ótimo para ele.

Por último, para sacramentar o plano de financiar o totalitarismo no futuro, veio a reforma tributária, empurrada goela abaixo do Congresso. Muitos dos projetos aprovados no ano passado até o centrão votaria contra, caso não tivesse sido comprado. Entretanto, como o governo pagou bem, dando cargos em estatais, em ministérios e concedendo emendas parlamentares, os líderes e presidentes de Câmara e Senado fecharam negócio. 

A oposição, que é minoria, quer representar a população e ver transparência, idoneidade, avanço nas questões de uma economia livre, está estarrecida. Por mais que tente reagir, a conta não fecha. Somados, centrão e esquerda formam maioria para aprovar planos mirabolantes do governo. Portanto, falar que 2024 será diferente de 2023 é a mais completa demagogia. 

Erros por todos os lados

Sempre que ouço pronunciamentos como o do ministro Barroso, de que “a convivência entre poderes é harmônica, civilizada”, um sinal de alerta fica piscando na minha cabeça: “Temos uma democracia pujante, as instituições funcionam!”. Essa fala sempre parte de quem é parte do problema, seja uma parte ativa ou passiva desse problema. 

Recentemente, o ministro Toffoli, do STF, suspendeu as multas de empresas que já tinham sido condenadas por corrupção na operação Lava-Jato, uma tentativa de apagamento da memória de um processo detalhado, longo e justo para punir corruptos, com provas robustas e já transitado e julgado. A reação contra essa decisão arbitrária foi universal e holística, porque por qualquer lado que você tente enxergar, é absurda e indefensável. Seria difícil para qualquer um, mesmo para o próprio ministro, defender de cara lavada e em tribuna essa decisão. Um julgamento errado em todos os aspectos: nas questões de estado, de política, de sociedade e de justiça que comprometem ainda mais o Judiciário. 

Entretanto, gostaria de pontuar uma conversa que tivemos em 2019, apenas há alguns anos e com um cenário diferente. Qual era a prioridade naquele momento? Houve um erro grave de priorização. O combate à corrupção - uma ação que cresceu e logrou sucesso prendendo o criminoso que atualmente anda solto por aí, criminalizando empresas e líderes políticos -  não foi priorizada no legislativo. A leitura política da época deu preferência a defender uma reforma da previdência, colocando o pacote anticorrupção, que estava sendo discutido nos primeiros meses de 2019, em segundo plano. Um erro estratégico, pois naquele momento havia opinião pública alinhada e vontade nacional e mundial de limpar o sistema. 

O falso “normal”

Assim, dizer que “tudo voltou ao normal” e que “tudo está bom” é decretar que o sistema voltou, e como o sistema é calcado em corrupção, significa que a corrupção voltou, e que voltaram o uniparidarismo e a ditadura que existiam anteriormente. O país voltou a ter só uma direção, o chamado “teatro das tesouras”, baliza ideológica que determinava quem era o inimigo do estado, uma ditadura, enfim. 

Portanto, as supostas harmonia, paz e satisfação que voltaram trazem no subtexto a volta de tudo o que rejeitamos no passado, como um fantasma da corrupção para aterrorizar a sociedade. Uma corrupção que não combatemos no Congresso Nacional, já que ali era o lugar para esse debate, que não foi priorizado mesmo com toda a opinião pública favorável. Naquele momento já se instalou o problema. Deixamos a corrupção voltar em um sistema “harmônico” e “pacífico”.

Pensando fora da grade

Ao ver e ouvir os pronunciamentos de Barroso de alguns anos atrás, percebemos que o discurso de hoje é totalmente diferente dos anteriores e gostaríamos de saber as causas dessa mudança. Se antes ele se colocava alinhado à sociedade, favorável ao combate à corrupção, à transparência, querendo  representar a opinião pública, não apenas do Brasil, que quer ver um sistema representativo sem estar carcomido por oligarquias, grupos de interesse e corrupção, hoje há outro discurso. Lembro-me de Barroso ser citado positivamente até por pessoas ligadas à operação Lava-Jato, então, o que mudou, exatamente? 

Em uma leitura com perspectiva, vemos o final de um ciclo, o estrebuchar de um regime petrificado, em que os símbolos, as regras, as leis e as pessoas dentro desse sistema não valem mais nada. Existe uma nova narrativa formadora de uma nova realidade social e política que deve brotar e surgir dessa sociedade para refazer o sistema, cujas narrativas premissas fundadoras estão morrendo. Mas essas velhas premissas precisam morrer logo, pois as novas ainda não são dominantes para substituí-las. Moribundas, aquelas ficam no eterno estrebuchar das instituições.

Esse é o grande símbolo

Quando um “democrata” fala sobre instituição, logo se percebe que algo está errado, porque democrática é a vontade popular. É aquilo que o povo quer, não o que as instituições querem. O ensinamento de algumas escolas de Ciência Política é esse: a democratização é a institucionalização da vontade popular - quando é exatamente o contrário! A vontade popular deve ser livre, nunca institucionalizada, muito menos institucionalizável.  Quando as instituições dominam todo o ecossistema político, ele já está petrificado. E igualmente petrificado está o diálogo com a sociedade.

Isso é o que está acontecendo, um diálogo distante, a exemplo do recente showzinho de representantes dos três poderes colocando e tirando grade em Brasília, um diálogo somente entre eles; as instituições se convencem de que está tudo bem, e fica só no grupinho. E quem se convence disso do lado de fora da grade? Ninguém.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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