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Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Agro

Discurso para povo, benefícios para o cartel

(Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Recentemente Lula fez um belo discurso em defesa dos pequenos produtores rurais, afirmando que estes precisam de mais crédito para financiar a safra, e estão sendo estrangulados pelos grandes distribuidores e indústrias do agronegócio que, de fato, compram produtos agrícolas para depois processá-los e comercializá-los. E, pasmem, ele está correto. 

Mas esse discurso aparece no mesmo momento em que o governo anuncia a redução de alíquotas de impostos de importação para alimentos. A justificativa era para conter a inflação de preços nos alimentos. Até aí parece que tudo bem. Mas, na verdade, essa medida ajuda a quem? O consumidor, o produtor ou o distribuidor? 

Cinco avaliações importantes: a primeira é: o que o governo tem feito para ampliar o crédito rural. Há abertura de mercado para novos bancos financiarem o agro? Há mecanismos de financiamento privado que estão sendo desregulamentados? Há novas regras ambientais que aumentaram a área cultivável? Ou será que os produtores continuam cada vez mais dependentes do governo e dos mecanismos de financiamento do estado? Nem precisamos responder. 

A segunda avaliação é se o produtor rural consegue repassar o aumento de custos, como o de defensivos agrícolas, do combustível e da energia elétrica, aos preços, para serem culpados pela inflação.  

Que poder de barganha tem um pequeno produtor rural em repassar ao preço quando muitas vezes há um só grande comprador? Com a progressiva consolidação nos grandes da agro indústria e distribuição, há de fato um mercado competitivo, com vários compradores? Ou já existe um oligopólio ou mesmo monopólio na compra? E quem fica com a maior margem, o produtor ou o distribuidor?  

A terceira é que a redução de impostos de importação pode até ajudar o consumidor, mas é por um momento muito breve e fugaz. Logo, os preços voltarão a subir, pois a causa maior da inflação não é a demanda passageira por alimentos, mas sim o déficit fiscal do governo.

A quarta é avaliar o que o governo está fazendo para cortar gastos. Nada de relevante é a resposta. Sem o equilíbrio fiscal, a inflação por aqui será mais alta que a inflação de outros países, o que significa que o dólar fica pressionado para cima, com consequente desvalorização do Real e inflação, pois muitos produtos e serviços são afetados pelo dólar.

A quinta é sobre os grandes distribuidores e agroindústrias. Menos impostos de importação e viabilização de importação de alimentos de vários países fazem aumentar ou diminuir o poder de barganha dos distribuidores contra o produtor rural nacional? Isso vai fortalecer ou enfraquecer o produtor rural?  

Considerando isso, o discurso é calibrado para agradar uma plateia que não consegue monitorar as legislações e suas consequências. O público só monitora o discurso na hora em que é dito. 

Isso ajuda a encobrir a verdade: as ações do governo não servem para ajudar o pequeno produtor ou o consumidor, mas o cartel que banca a sustentação política do governo

Formação de cartel? 

Seria coincidência, por exemplo, a JBS ter comprado 50% das ações da Mantiqueira, maior produtora de ovos do Brasil e da América Latina, e logo depois surgir uma medida do governo para carimbar os ovos, um a um, com data de validade? 

Lembrando que só a Mantiqueira, agora JBS, tem tecnologia para tal, e todos os pequenos produtores teriam que se render ao novo cartel do ovo. Depois da pressão de produtores e da própria sociedade, o governo recuou, mas está claro que o governo quer ajudar o cartel que o ajuda. 

Discursos, políticas e burocracia hipócritas

No discurso, a esquerda sabe se preservar, defendendo os pequenos produtores e os consumidores. Mas isso nada tem a ver com a prática, pois seus membros nada fazem para acabar com a formação de cartel. Ao contrário, muitas medidas reforçam os cartéis. 

Já mencionei em outros artigos as ações do CADE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, essa agência reguladora que deveria garantir a concorrência e contra a concentração de mercado. Mas é bem o oposto.

O argumento - fraco - é de que a JBS vai ser líder, mas não vai deter 80% do setor de ovos. Ocorre que a empresa está consolidando o setor de proteína, em todas as suas formas. E essa deveria ser a perspectiva. Trata-se de uma visão muito mais abrangente, pois a pouca concorrência nos setores de carne bovina, como no setor de ovos, peixes, frango, suínos, soja etc., fragiliza nossa segurança alimentar. 

A repercussão dessas ações também atinge o Congresso. A Frente Parlamentar do Agronegócio, que poderia defender esses pequenos produtores, tem em sua composição representantes de várias associações, muitas ligadas ao grande Agro, e nelas se incluem grandes empresas. 

Muitos parlamentares dessa frente recebem recursos dessas indústrias para suas campanhas, e não há como servir a dois senhores: ou a Frente representa o pequeno produtor, ou representa os cartéis que estão consolidando o Agronegócio – e os grandes parecem estar ganhando.

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Outro cartel conhecido: bancos

Essa dinâmica que estamos vendo no Agro já é tradicional no setor bancário. O ocupante do Planalto costuma esbravejar contra os bancos, acusando-os de praticar juros altíssimos, mas o que foi feito contra a formação dos oligopólios de bancos? Nada, muito ao contrário.  

Antes havia vários bancos e casas bancárias e, através de regulamentação favorável à consolidação, foi estimulada a concentração em poucos bancos. Como se não bastasse, várias legislações proibitivas da livre iniciativa foram criadas nesse setor, limitando efetivamente a livre concorrência dos pequenos e médios bancos.

Transformaram a antiga casa bancária, que antes era legalizada, em agiotas, um termo pejorativo, por meio de legislação e de uma cultura que criminaliza os pequenos financiadores. Também os financiamentos pessoa a pessoa ficaram por muito tempo proibidos, obrigando a população a fazer empréstimos com os poucos grandes bancos privados ou estatais. 

A esquerda entende o jogo duplo

O povo gosta do discurso e de ter um inimigo visível, e não entende nada de como é feita a legislação. Por isso, esquerdistas nadam de braçada nessa dualidade, sabem que a maioria não vai entrar nos detalhes, e é por isso que temos que ter parlamentares honestos, ou melhor, uma sociedade vigilante, que façam essa leitura para a população. 

O parlamentar deveria ser o freio natural da consolidação de cartéis e monopólios, mas isso não acontece

A população está traída por representantes que dizem defender consumidores, pequenos e médios produtores, empreendedores, classe média, trabalhadores, mas agem em prol dos grandes cartéis, porque estes garantem verbas e apoio para campanha eleitoral. 

Cartéis e o socialismo

Na verdade, os cartéis e oligopólios são a espinha dorsal do socialismo, pois sem eles o socialismo simplesmente cai por terra. A ideologia socialista exige que o inimigo seja visível, então, os cartéis e oligopólios que a própria esquerda forma ajudam no discurso eleitoral. 

Ingenuamente, a população avalia: “Só tem cartéis aqui, vou votar na esquerda, pois a direita é quem defende o capitalismo e a esquerda é quem sempre ataca o cartel!”. Puro discurso, criação de imagem, pois sistematicamente a legislação que eles abraçam é por mais cartel, mais monopólio.

Na esteira, o capacho sindicalista

Essa narrativa envolve também o discurso dos sindicatos, que propagam: “esses grandes capitalistas comandam toda a produção, todo o emprego, precisamos de legislação contra eles, porque são os opressores da sociedade, e estamos representando a vontade do trabalhador e blá, blá, blá...” Portanto, o discurso alimenta o sindicalismo e seus membros, que mamam nas tetas dos monopólios que eles mesmos ajudam a criar. 

Caso haja medidas de quebrar os cartéis e monopólios, e transformar o mercado em um ambiente muito mais pulverizado, competitivo e livre, adivinhem quem vai reclamar? Os próprios sindicalistas e toda a caterva de esquerda que vai bradar em suas assembleias: “Estão entregando patrimônio nacional, estão fragilizando as relações de trabalho! etc.”. 

Burguês socialista

Por isso, é sempre necessário expor essa dualidade, que tem surtido efeito, entre o discurso, a imagem criada, versus a ação legislativa. Já apontei essa questão em meu livro “Por que o Brasil é um país atrasado?”, ao mencionar o Neo-Socialismo, que tem em seu bojo empresas vinculadas ao jogo socialista, à narrativa e a todo o financiamento e apoio a campanhas e ao governo.

Do outro lado, temos a efetiva opressão ao pequeno e médio, enquanto os grandes ajudam a esquerda e vivem de uma série de benesses e subsídios dados pelo governo.

Basta ver os bilionários que apoiam abertamente o governo do PT. Recentemente, foi o diretor Walter Salles, totalmente alinhado com as políticas petistas, assim como todos os membros de sua família. 

Diversos outros clãs de bilionários seguiram na mesma toada, ao se colocarem contra o impeachment de Dilma em 2016. Isso não data apenas na época da Dilma. Em 2022, muitos se posicionaram contrários à reeleição de Bolsonaro e favoráveis ao governo Lula. 

Verdade libertadora

Esse é o modelo de sustentação dessa corja bandida, que está no comando do nosso país. Precisamos a todo momento descortinar essa realidade, fazer cair o pano e as máscaras para a nossa juventude, mostrando como funciona o jogo.

Sempre que você acha que o discurso do político é acertado e transparente, pense em como as medidas podem estar ajudando o cartel. O cartel sabe que o discurso é parte do jogo combinado.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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