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O que é o Centrão no Brasil?
| Foto: Bigstock

Resposta rápida e direta: O Centrão no Brasil é uma aberração constitucional. Mas foi  também elo fundamental para que se criasse uma corrente viciada e pervertida. Explico. A função dos deputados federais, estaduais e dos vereadores é legislar e monitorar o Poder Executivo.O Centrão, nesse ponto, deteriorou-se ou evoluiu - a depender do ponto de vista - para se tornar um grupo de legisladores que não necessariamente representa ideologias distintas, mas busca dinheiro e orçamento para suas regiões ou para favorecer segmentos e eleitores que garantam sua reeleição.

Assim, a questão da defesa de ideias e valores que deveria nortear o país foi pervertida, e esse desvio de função e de conduta foi causado pelo primeiro elo dessa corrente, as emendas parlamentares, que surgiram para que o poder executivo encontrasse no legislativo um ambiente propício à troca ou compra de votos dos deputados. Mas por que seria necessário comprar esses votos? Temos mais um elo: por causa do sistema eleitoral.

O sistema eleitoral é fragmentado e promove sistematicamente um mosaico de pequenos partidos. O resultado desse arco-íris partidário impede a governabilidade, com alto risco de impeachment do presidente. Os maiores partidos nem chegam perto dos 50% de deputados na Câmara,  no máximo obtém 10% ou 15%, e estão longe de conseguir proteger o Poder Executivo de um possível impeachment.

As emendas parlamentares servem para comprar os partidos que poderiam compor uma maioria contrária ao poder executivo e levariam o presidente ao impeachment, só que nesse caso elas também passam a ser um mecanismo de financiamento das campanhas, com o objetivo de promover os deputados em suas regiões. Aqui se encontra a maior perversão constitucional: a função do deputado não é alocar emenda parlamentar, fazer uso direto dos recursos, pois essa alocação já deveria estar prevista em orçamento, o processo de discussão orçamentária deveria incluir todas as nuances e granularidade de alocações regionais, sub regionais, reduzindo  a necessidade de compra direta dos deputados, pois os recursos para estados e cidades estariam sendo contemplados em um plano nacional.

Assim, a questão da defesa de ideias e valores que deveria nortear o país foi pervertida, e esse desvio de função e de conduta foi causado pelo primeiro elo dessa corrente, as emendas parlamentares

Portanto, temos a Câmara Federal, assembleias e câmaras de vereadores representadas por parlamentares que não possuem um viés ideológico claro, sabem que o Poder Executivo está sempre fragilizado em sua representação legislativa e ficam barganhando mais recursos para sua reeleição. Isso é o Centrão, presente em todas as casas legislativas do Brasil.

Em contraste, o Centrão presente na Europa se pauta mais em visões ideológicas de organização, seja de centro-esquerda, ou de centro-direita. Deputados de centro optam por medidas mais socialistas, ou por medidas mais liberais. O Centrão tupiniquim se molda ao governo, indiferentemente se é de esquerda ou de direita, e o que vale é dinheiro, dinheiro, dinheiro…

Para que esse cenário mercenário mude, será preciso quebrar essa corrente, fazer uma completa revisão constitucional, das competências dos poderes, de seus processos internos. Não basta acabar com as prerrogativas de emendas, porque todo o problema do sistema eleitoral vai perdurar, e toda a miríade partidária estará representada. Também não adianta mudar para um sistema parlamentarista, pois vamos enfrentar a mesma questão do sistema proporcional, já experienciada pela Europa, onde dificilmente se alcança a governabilidade, porque os executivos advindos do poder legislativo, como no modelo parlamentarista, não conseguem se consolidar. Essas parcerias são muito tênues, e embora não sejam fundamentadas em emendas, apresentam visões diferentes de orientação política que acabam destruindo uma maioria que foi construída sobre bases frágeis. O interessante é que mesmo tênues, essas relações contemplam perspectivas antagônicas dentro da própria maioria. Podemos observar que muitos primeiros-ministros conservadores, por exemplo, acabam atendendo demandas de centro-esquerda para sobreviverem politicamente.

O nosso Centrão, acredito, já foi bem perfilado, e é bem conhecido, mas como seria o “centrão” no sistema presidencialista norte-americano? O modelo de lá contempla o voto distrital, que naturalmente leva à redução de partidos, pois quem se elege representa realmente os que votaram nele naquele distrito. Quanto mais local a eleição, menos pautada por questões ideológicas. Os deputados federais - congressmen - são eleitos com base em sua capacidade de articular e representar as pautas nacionais. Os deputados estaduais se atém a temas estaduais, e nas cidades que possuem câmara de vereadores - sendo que nem todas adotam esse modelo - os legisladores representam praticamente seus bairros. Nessa dinâmica, o sistema distrital é um limitador natural para a formação e o fomento de partidos, o que já ajuda muito, pois em nível federal os maiores partidos, Republicano e Democrata, direita versus esquerda, tendem a se repetir eleição a eleição, lembrando que nos Estados Unidos não há limite para criação de partidos, assim como para representação, dado importante, porque o sistema proporcional adotado pelo Brasil e por alguns países da Europa requer toda a sorte de regulamentação para que se atinja um nível mínimo de representação, além de exigir cláusulas eleitorais e de barreira para garantir governabilidade. O sistema distrital, portanto, é um limitador também da discussão em nível nacional.

Outro ponto a se destacar é que nos Estados Unidos, quem ganha, leva. Diferente dos sistemas proporcionais, em que o ganhador só leva uma parte, uma vez que no sistema proporcional é necessário fazer coligações com partidos que não têm um viés da maioria da coligação vitoriosa. Então, se a coligação de direita ganha o pleito, mas há partidos de centro-esquerda que compuseram essa coligação, quem ganhou certamente vai ter que representar pautas de esquerda. Isso não é vitória plena. Por isso, em sistemas como o norte-americano é mais fácil atingir a governabilidade, e quem governa está alinhado à ideologia vitoriosa, representada por um partido singular, que não precisa fazer concessões, pois não há a figura da coligação.

Essa dinâmica precisa ser bem compreendida, porque no Brasil  não há nem um, nem outro sistema. Fizemos uma cópia errada do modelo norte-americano, em termos de Poder Executivo - presidencialista-, e um modelo eleitoral com referências europeias, cujos modelos remontam o século XX , e já se demonstraram ineficazes. Digamos que o Brasil adota um sistema político esquizofrênico. Em contraste, no entanto, Europa e Estados Unidos estão mais coerentes dentro de seus sistemas, diferentemente do Brasil, que ainda está dando seus primeiros passos na organização política.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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