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Sim, abandonou. Mas por quê? Na última semana, observamos uma mudança nítida na condução da política externa dos Estados Unidos em relação ao Brasil, que alguns analistas veem como um "abandono" da direita brasileira. Essa alteração não é atribuída à astúcia ou eficácia da esquerda, nem à inação e ineficiência da direita, mas a um conjunto de fatores e transformações em curso dentro da própria política norte-americana.
O motor primário para essa reorientação estratégica reside nas próximas eleições americanas, previstas para 2026. Diferentemente dos pleitos brasileiros, as eleições legislativas nos EUA ocorrem a cada dois anos, exigindo que o presidente mantenha alta popularidade para sustentar sua liderança e a maioria no Congresso.
Neste momento, o governo Trump enfrenta desafios consideráveis, incluindo a deterioração do quadro econômico, incertezas e falhas na entrega de promessas de campanha, que estão rachando a direita norte-americana.
Entre as principais promessas não cumpridas, os críticos da direita americana destacam:
- A falta de construção do muro com o México;
- O combate mais aguerrido à imigração ilegal;
- Deportações tímidas;
- Denvolvimento em conflitos em vários fronts;
- A falta de abertura e transparência total no caso Epstein;
- A falta de desmantelamento do Deep State ou "limpeza do pântano de Washington", como eles chamam a burocracia central norte-americana.
Além disso, emerge uma sétima questão, de natureza da oposição esquerdista, mas que é incômoda por ser patente: o volume de negócios paralelos da família presidencial. Embora o próprio presidente possa não se locupletar diretamente, os negócios em que sua família se envolve — beneficiados pelo acesso e facilidades do vínculo governamental — têm dado margem para críticas da esquerda e desconforto de apoiadores na opinião pública.
A causa da mudança: Nova Política de Segurança dos EUA
A principal chave para entender a mudança de rumo dos EUA é a recente adoção de uma nova política de Segurança Nacional. Esta doutrina representa uma ruptura com as premissas estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial, em que os Estados Unidos assumiram o papel de "policial do mundo" a favor da influência política em países para travar um confronto ideológico aberto contra o comunismo.
Agora, é EUA em primeiro lugar: pragmatismo acima de embate ideológico, novos inimigos (narcotráfico e terroristas, ao invés dos comunistas), retorno ao isolacionismo e interferência externa somente quando seus interesses internos estiverem ameaçados.
Os pilares desta nova política são claros:
1) Foco exclusivo nos interesses nacionais
Rejeição da intervenção na política interna de outros países, a não ser que esta afete diretamente os EUA. Prioriza-se o pragmatismo, acomodação de autocratas e ditadores caso esses atendam aos interesses dos EUA e à soberania.
2) Prioridade no Ocidente (nova Doutrina Monroe)
Restabelecimento de uma estratégia que coloca o Hemisfério Ocidental no topo do interesse estratégico. Os EUA terão um amplo raio de ação na região Latino-Americana, combatendo a imigração ilegal, o tráfico de drogas e o crime transnacional.
3) Controle de ativos estratégicos
Negação de influência e de acesso a minérios, assim como o impedimento de crescimento de poderio militar da Rússia e China na região, estabelecendo controle sobre material bélico e ativos estratégicos, como as terras raras.
4) Reajuste das Forças Militares
O poderio militar, hoje espalhado em regiões como Europa (OTAN), Ásia e Oriente Médio, será diminuído, indicando um esvaziamento das áreas tradicionais e concentração nas Américas.
Tradicionalmente, a ordem de prioridade dos EUA era: Europa, Oriente Médio, Ásia, América Latina e África. Com o novo enfoque, a América Latina ganha preponderância, pois se insere no Hemisfério Ocidental, onde os EUA almejam manter o controle hegemônico, acesso prioritário a ativos e redução de influência da China.
Europa em decadência
A nova doutrina americana também reavalia profundamente o papel da Europa. Na leitura dos EUA, o continente europeu é visto como uma região em franca decadência, com potencial para se tornar antagônico. O fator principal é a imigração muçulmana, que está mudando o perfil eleitoral e de risco. A ascensão de uma liderança muçulmana na Inglaterra e França, por exemplo — os países com o maior poderio bélico organizado na Europa e nações nucleares —, aciona imediatamente os alarmes em Washington.
Esta percepção pode levar ao abandono da OTAN nos próximos anos e ao apoio a partidos nacionalistas e conservadores cristãos na Europa, para reverter as políticas migratórias.
Negócios acima da política
Talvez o ponto de maior impacto para o Brasil seja a nova ênfase na diplomacia transacional. O governo americano passará a enfatizar as transações e grandes operações bilaterais de interesse dos EUA, mesmo com países politicamente adversos. A intervenção política será preterida, desde que os acordos firmados defendam os interesses americanos.
É neste ponto que se encaixa a recente mudança de atitude em relação ao Brasil. Os EUA agora estão agindo de forma pragmática, priorizando o que é bom para si.
A questão política interna brasileira não é mais do interesse dos EUA, a não ser que o Brasil não corresponda e continue a se alinhar com os inimigos dos norte-americanos
Se o governo atual fizer um realinhamento com os EUA e se afastar de nações inimigas, “a cor do gato não importa, desde que ele cace o rato”. Este é o pragmatismo que afeta a direita brasileira: Trump mantém aceno político positivo aos patriotas, mas os EUA não serão uma alavanca para a mudança em prol da direita.
Ditadores e o "acordo" brasileiro
Outra vertente desta política é a acomodação dos autocratas e ditadores. A diplomacia norte-americana já tem um histórico de lidar com ditadores, muitos dos quais foram financiados contra movimentos comunistas. A nova política reverte a tolerância para uma aceitação de ditaduras, contanto que estas correspondam aos interesses norte-americanos.
O abandono do ativismo brasileiro por parte dos EUA é inegável, e o motivo é a mudança estratégica e pragmática de Washington. Tudo indica, embora ainda seja especulação, que o atual governo brasileiro possa ter firmado um acordo com os Estados Unidos para atender a esses novos interesses. Tais especulações apontam para o alinhamento com a política de defesa dos EUA, possivelmente envolvendo ativos estratégicos como as terras raras.
Esse oportunismo decisório poderia, ironicamente, livrar a barra de muitos envolvidos em corrupção, violação de direitos humanos e figuras políticas que estariam em rota de antagonismo com a Casa Branca.
Do fogo à frigideira
O Brasil, em que pese a semelhança social, nunca foi visto como um amigo estratégico dos EUA, mas sempre alvo de desconfiança, desde a criação da República. Antes do atual governo, o Brasil estava "na frigideira" com os EUA devido à interferência em sua segurança nacional, como o veto ao nosso armamento e à bomba atômica. Com o alinhamento do atual governo aos países do Irã, China e Rússia, o Brasil "saiu da frigideira e caiu no fogo".
Esse realinhamento com os inimigos dos EUA não é exercício de soberania, mas sim a troca da servidão de um bloco hegemônico por outro. Caso os termos do especulado acordo se confirmem, o Brasil estará saindo do fogo e voltando para a frigideira.
Essa nova política de "pragmatismo transacional" é um péssimo presente de Natal para o Brasil, pois contra a ditadura do judiciário, os brasileiros não contam com nenhuma instituição pública interna. Muito pelo contrário. Há ampla percepção de que todas as instituições conspiram contra o povo brasileiro. Por isso, os EUA serviam como limite diplomático, mas agora podem estar inertes e voltados a executar sobre um interesse geopolítico maior.
A grande mudança no comportamento de Trump não é resultado das falhas internas do ativismo da direita brasileira, muito menos da “virtude” do governo de esquerda, mas sim de uma dinâmica interna dos EUA, que agora se impõe no cenário global.
Soberania
Se há algum aspecto positivo nessa mudança, é para fazer o Brasil perceber que os Estados Unidos não têm amigos; e o Brasil também não. Quanto antes absorvermos essa verdade, melhor para nossa adoção de uma agenda real de soberania e saída da nossa serventia a qualquer país, bloco ou grupo de interesse.
E você, o que pensa sobre a priorização dos interesses americanos em detrimento da democracia em países aliados? Deixe sua opinião nos comentários.




