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O podcaster e ébrio ocasional Monark é vítima de linchamento virtual por parte de quem até outro dia ostentava Getúlio Vargas em manifestações antifascistas.
O podcaster e ébrio ocasional Monark é vítima de linchamento virtual por parte de quem até outro dia ostentava Getúlio Vargas em manifestações antifascistas.| Foto: Reprodução/ Twitter

Peço perdão por começar o artigo com a parte séria e partir só depois para a parte que vocês gostam. Ocorre que esse é um caso em que a gente precisa colocar as coisas no lugar. Pagamos o preço de combater a ditadura dos especialistas com a glorificação do amadorismo. Um deputado federal e um comunicador com milhões de seguidores defendem a liberdade de expressão do nazismo sem informar que essa foi a medida que levou Adolf Hitler ao poder. Essa é a lama a que glorificar amadorismo nos leva.

A gritaria de influencers e jornalistas nas redes sociais é para demonstrar virtude, não para combater neonazismo. Monark ser demitido da própria empresa não vai combater neonazismo. Dizer que ele cometeu crime de apologia ao nazismo e que Tabata Amaral deveria ter dado voz de prisão também é coisa de amador e a imprensa está cheia deles. O Thiago Süssekind, coordenador do movimento Acredito no Rio de Janeiro, explicou a parte técnica melhor do que eu conseguiria.

Não deixa de ser grave porque não é crime. Glorificar a tosquice e o amadorismo significa ter adultos que arrumam desculpa para não assumir as próprias responsabilidades. Um político não pode ignorar que o nazismo só surgiu porque foi permitida a constituição de um partido minoritário com essas ideias. Na época, imaginavam que Hitler seria engolido pelo próprio ridículo. Da mesma forma, um comunicador não tem o direito de não se preparar e fugir das responsabilidades. Vamos continuar aplaudindo amadorismo? Esse é o ponto.

Sou fã da irreverência e excentricidade de Rogério Skylab desde a adolescência. Ele foi ao Flow e colocou as cartas na mesa para Monark: aquilo não é um botequim. Aliás, é uma empresa com dezenas de empregados e diversos outros podcasts. Quem se mete a ser responsável pelo que bota pão na mesa da família dos outros não tem direito de não se preparar para isso e fugir das responsabilidades.

Mas o Monark deveria ou não continuar no Flow? Óbvio que não. Ficou claríssimo que não fez a lição de casa, não se preparou para a responsabilidade que assumiu voluntariamente e tenta se desvencilhar dela. Isso é uma coisa. Outra coisa é luta contra neonazismo e intolerância, que não se beneficia desse desligamento. Quem se beneficia? Quem usou o status de justiceiro social para uma briga mercadológica e vai se calar em casos que afetem seus mecenas.

Na era da apoteose da superficialidade parece que não há outra forma de luta a não ser gritar no Twitter pedindo que alguém seja demitido. Quem está acostumado a lutas reais contra intolerância tem outros métodos, que trago aqui. O Museu do Holocausto fez uma postagem que deixa claríssima a diferença entre quem quer combater neonazismo e quem quer sinalizar virtude. Eles convidaram Monark para compreender o tema do qual falou de forma absolutamente irresponsável.

Você verá nas respostas a esse tweet os Che Guevara de apartamento tentando ensinar ao Museu do Holocausto como se combate nazismo. O tuiteiro brasileiro não cansa de ensinar combate ao nazismo a autoridades em combate ao nazismo de verdade. É um ridículo suprapartidário e democrático tupiniquim. A proposta do tuiteiro é banir Monark do mundo.

A Alemanha teve um longo trabalho de reconstrução e punição dos nazistas. Há alguns condenados recentemente, viveram escondidos durante décadas. O documentário "O Contador de Auschwitz" é muito interessante para falar deste trabalho e da diferença entre adotar o nazismo e subestimar o poder infeccioso dessa doutrina. Não há como combater o nazismo sem ter essa clareza e adotar estratégias diferentes para cada caso.

As maiores empresas da Alemanha contrataram com o nazismo. Juízes e funcionários públicos não ofereceram resistência e alguns compactuaram. Na lógica do tuiteiro, o que fazer com esse pessoal? Iam botar todo mundo na câmara de gás. Não, péra... Acho que banimento de pessoas não é exatamente combater nazismo. E aqui entramos no linchamento virtual de ontem, uma ação amadora e mercadológica que esculhamba algo tão sério e crítico como o combate ao neonazismo.

"Desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal", cravou o insuperável Millôr Fernandes ao descrever um desafeto, o agora feministo Chico Buarque. É justamente o caso. Houve muita gente que entrou no cancelamento por indignação genuína, arrisco dizer que a maioria, quase todos. Mas há um grupo que vende consultoria em diversidade e que viralizou isso até chegar aos jornalistas. Fazem isso de forma sistemática e é, no mínimo, conflito de interesses.

Eu não sei disso porque sou um gênio, mas porque já tomei muita rasteira e fui estudar o conceito de funil de vendas. Ontem não houve nenhuma ação contra o neonazismo ou ideias correlatas. Aliás, o iniciador da ação é um influencer relacionado a correntes políticas que defendem abertamente agressão física e até eliminação física de liberais. Difícil promover isso dizendo que combate neonazismo. Cantei a bola do passo a passo da estratégia ontem.

Passo a passo: como a Militância Tabajara deu rasteira no jornalismo (de novo)

O extremismo e a garantia de postos de trabalho para amadores metidos a valentões depende de borrar a linha fina entre realidade e imaginação. Se isso for feito de forma eficiente pelos valentões, as pessoas vão ficar indignadas e reagirão com toda razão do mundo. Ocorre que a reação será também emocional e sem estratégia, o que sacrifica a busca da justiça e da verdade dos fatos.

Vivemos a tal da guerra cultural. A esquerda identitarista e intolerante ocupa espaços nas universidades, meios de comunicação, agências de publicidade, conselhos editoriais. O primeiro efeito disso é mitigar o potencial de mudanças estruturais por meio de militância real pelas minorias. O segundo efeito é promover ocupação de espaços na política pelo extremo oposto, que passa a ter apoio dos cidadãos indignados com as maluquices do identitarismo.

Há um influencer incensado na esquerda, elogiado por Caetano Veloso, que não negocia com o grande capital mas foi dar entrevista ao Mario Sergio Conti na Globonews. Não sei se o jornalista sabia exatamente quem estava convidando, é o mesmo que entrevistou um sósia do Felipão e publicou na Folha como se fosse o técnico. O fato é que convidou alguém que prega abertamente eliminação física de adversários e faz muito sucesso nas redes, entre os jovens e entre os influencers do linchamento virtual de ontem.

Ao ver um argumento que defende eliminação física de adversários vindo da esquerda, surge a tentação enorme de comparar comunismo e nazismo. A semelhança é que ambos mataram milhões, o comunismo até mais. Mas trata-se de uma simplificação descontextualizada, já que a história de ascensão dos dois regimes é diferente. Não falamos de uma única, mas de duas diferentes formas de radicalização de uma sociedade. Para tratar como equivalentes, é necessário borrar a linha fina entre verdade e imaginação, o que necessariamente favorece extremismo.

Diante de uma enxurrada de postagens de amadores políticos equiparando comunismo a nazismo em vez de botar o dedo na ferida, surge uma oportunidade. Um deputado vai a um podcast com audiência majoritariamente conservadora e lá apóia um comunicador defendendo legalização do partido nazista. Não houve reação no momento.

Um influencer que é conhecido pelo trabalho de consultoria para empresas em diversidade, simpatizante do militante da esquerda pela eliminação física de liberais, faz uma postagem chamando Monark de nazista. Parece dia da marmota. Dia sim outro também a mesma trupe arruma um novo nazista. Pelo menos dessa vez a pessoa disse a palavra nazismo. Confira o perfil do influencer no media kit.

Como esse influencer consegue tanto engajamento nas mídias sociais? Acusando geral de ser racista, homofóbico, transfóbico, nazista, taxidermista, o que aparecer pela frente. Outros perfis satélites de influenciadores menores sempre seguem o fluxo. Logo isso chega ao jornalismo, contaminado pelo identitarismo. Para sinalizar virtude, jornalistas validam o ataque virtual e aumentam o alcance. O objetivo varia com o aspecto mercadológico. Em alguns casos é a cabeça de alguém e em outros é coagir patrocinadores. Tudo com apoio de jornalistas.

Mostro aqui um caso concreto dessa "militância acessível e próxima de todos" feita por alguém respeitado pelos jovens seguidores como professor. Adivinha quem foi o alvo? Este para-raios de extremista de sofá que vos fala. Mais uma vez, quem era o centro da questão? O nosso Che Guevara da GloboNews e do Caetano.

Eu havia comentado sobre o perfil chiliquento do companheiro e o hábito de postar fotos no esquema Nana Gouvêa. Lembra quando ela fez pose mostrando o corpo no meio de um furacão? É mais ou menos assim. Aparece sem camisa com um livro na mão e uma legenda do tipo "fogo nos racistas, vamos estimular o ódio de classes". O parque de areia antialérgica vai ao delírio.

O que fizeram os influencers lacradores desse mesmíssimo círculo? Torceram a história e passaram a afirmar que eu considero que racismo é chilique. Dali para o nazismo foi um pulo. Meus colegas jornalistas interagiram para me condenar, obviamente. Alguns chegaram a demandar desculpas públicas. Esses perfis cobravam um a um o posicionamento contra a nazista, racista e transfóbica. E eles se deixavam cobrar porque ser sonso é pré-requisito para o bom convívio nas grandes redações.

O mesmo influencer que "denunciou" o vídeo do Monark fez, em dois ou três dias mais de 30 publicações sobre mim. Eu o bloqueei na primeira. Ele não parava e se dizia perseguido por mim, com amplo apoio do público dele. Outros influencers, satélites dele, produziam mais conteúdo. Um chegou a 1500 posts sobre mim em 3 dias. Tenho mais de 500 páginas de documentação. Compartilho parte com vocês.

Avalie 3 dias ininterruptos disso, com amplo apoio de ilustres colegas jornalistas e ícones do bom-mocismo identitarista de internet. É só Jesus na causa. Vou desenhar por que sou contra denunciar qualquer coisa para plataforma. Elas conscientemente premiam quem promove esse tipo de avacalhação de causas para engajar otário. Eu conversei diretamente com o Twitter e os prints são deliciosos.

Caso falássemos de ativismo contra teorias extremistas, seria impossível ser feito endossando esse tipo de ação extremista e mentirosa que eu mostrei para vocês. Por que isso é feito todos os dias? Porque é uma questão mercadológica, não de política ou justiça social. Ao xingar todo mundo de nazista, influencers são premiados pelas Big Techs, ganham espaço na imprensa, apoio de jornalistas e fecham mais palestras e consultorias. Não sei se é ou não consciente, apenas sei que os fatos se desenrolam assim.

O cidadão comum não é obrigado a saber dessas coisas, nem tempo para isso tem. Cada pessoa precisa tocar a vida. Mas os jornalistas têm obrigação de saber e mostrar esse tipo de movimento. O luxo de capitular, agir emocionalmente ou ser ignorante é a tal da apologia do amadorismo. Ontem vimos a imprensa dizer que combatia o Monark bancando o Monark. Fala do que não sabe, apóia extremista e não assume a responsabilidade.

Tivemos uma ação de redes sociais pela moralidade em que um site de intermediação de prostituição (ou de "acompanhantes", como queiram) emitiu uma nota com considerações morais sobre um podcast que ele patrocinou durante um tempão. Agora sim botaram o prego no caixão do neonazismo. A cafetinagem cibernética está dando lição de moral por aí.

Sempre houve esse tipo de pilantragem. Nas décadas de 1990 e início dos anos 2000, grandes cadeias de rádio batiam em governantes e empresas sistematicamente até terem o patrocínio deles fechado ou renovado. Já estive dos dois lados do balcão nessa situação. O mecanismo é o mesmo e os jornalistas são parte como eu já fui. Ocorre que, agora, isso é vendido para o público como se fosse ativismo pela diversidade. Haja cara-de-pau e otário para acreditar em tudo.

Repare que hoje houve uma indignação semelhante com um apresentador da Jovem Pan que fez o sinal de "sieg heil", depois tentou dizer que era um tchau e foi demitido. Você viu a mesma ação dos mesmos perfis? Até postaram contra, mas não foram atrás de patrocinadores. Claro que é pura coincidência a Jovem Pan ter como patrocinadores algumas das mesmas empresas que patrocinam podcasts do bem, conteúdo lacrador e contratam consultoria em diversidade.

Grandes bancos e empresas de telefonia colocam seus patrocínios em praticamente todos os lugares, sem distinção ideológica. Faz sentido, têm clientes de todos os matizes. Os patrocinadores de Monark não, são menores e voltados a um público específico. O ataque a ele foi expondo patrocinadores. O ataque à Jovem Pan foi pedindo a cabeça de um comentarista. Claro que é todo mundo altruísta e isso não tem nada a ver com patrocínio.

O engajamento de cidadãos com indignação legítima é também potencializado pelas redes sociais. Além de sentir como se estivesse lutando por uma causa que importa para ele, o usuário ainda consegue "sinalizar virtude". Ele demonstra para o grupo dele que é moralmente superior a algo e recebe likes e compartilhamentos. Isso libera descargas viciantes de dopamina, grosseiramente um mecanismo como de máquinas de videopoker.

Falando assim, parece que está tudo perdido, tudo dominado, não tem saída. Na verdade, muita gente surta nas redes porque extremista potencializado e ajudado pela imprensa acaba causando essa sensação. A saída está na honestidade intelectual, autoconhecimento, reconhecimento de nossos próprios vieses, busca serena pela verdade dos fatos, adoção do princípio da boa fé ao dialogar, cautela com comportamento de manada, considerar o princípio da redenção humana.

Parece coisa limpinha demais para enfrentar quem joga sujo. Talvez seja preciso agir como eles para que provem do próprio veneno. Compreendo quem pensa assim, de verdade. Tem coisa que dá uma raiva quase incontrolável. Pessoalmente, aprendi a optar pela autopreservação e disciplina com meus princípios. Não tem como limpar as mãos com carvão, não importa o quanto a gente queira acreditar nisso.

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