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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Tudo pelo social

O chacoalhão do frei Clodovis Boff nos bispos do Celam

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O frei Clodovis Boff durante lançamento de livro em Piracicaba (SP). (Foto: Paulo Gomes/Divulgação)

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Em maio, os presidentes e secretários-gerais das conferências episcopais da América Latina e do Caribe estiveram reunidos no Rio de Janeiro para a 40.ª Assembleia Geral Ordinária do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam), e ao fim do encontro publicaram uma mensagem aos fiéis do continente. Dias depois, o frei Clodovis Boff, que tem se destacado por suas análises certeiras sobre as razões da crise da Igreja latino-americana e do que é preciso fazer para revertê-la, publicou uma carta de quatro páginas dirigida aos bispos. Uma bela chacoalhada, se os responsáveis pelo texto do Celam se dispuserem a lê-lo com espírito, de, como é que é mesmo?, “escuta e discernimento”, como dizem os entusiastas da sinodalidade.

Em resumo, o que o frade servita afirma é que a Igreja na América Latina segue insistindo em um discurso puramente social que não tem absolutamente nada a oferecer a um povo que vive, sim, os grandes dramas socioeconômicos da fome, da pobreza, da desigualdade, mas que também tem sede de espiritualidade. Acontece que a Igreja, a única que poderia matar essa sede com a Água viva, está renunciando a essa missão para se comportar como uma “ONG piedosa”, para recordar as palavras do papa Francisco. Basta ver que, entre os “desafios atuais que afetam nossa região latino-americana e caribenha”, os bispos do Celam mencionaram apenas um que tenha uma dimensão espiritual: a secularização. De resto, são todos temas sociais.

“A Igreja é, antes e acima de tudo, ‘Sacramento de salvação’ e não uma simples instituição social, progressista ou não. Ela existe para anunciar Cristo e sua graça. Aí está seu foco central, seu compromisso maior e perene. Tudo o mais vem depois.”

Frei Clodovis Boff, em carta aos bispos do Celam

Boff sabe que haverão de criticá-lo com um espantalho, o de que ele desejaria uma Igreja “desencarnada” que só se preocupa com a formação espiritual dos fiéis, mas tanto na carta recente quanto em seu grande livro A crise da Igreja Católica e a Teologia da Libertação ele faz questão de dizer que o problema não está em uma atuação social da Igreja, pelo contrário: em um continente como a América Latina, ela é mais que necessária. Mas essa atuação tem de ocorrer “em nome de Cristo”, de maneira “‘qualificada’ pela fé, repito e especifico, pela fé cristã”, a “fé cristológica”, e não em nome de qualquer ideologia terrena.

Muito eloquente é a crítica ao silêncio da carta da Celam sobre o processo de “descatolicização” da América Latina. “Nossa Igreja perde sangue. O que mais se vê por aí são igrejas vazias, seminários vazios, conventos vazios. (...) O próprio Brasil se encaminha para ser ‘o maior país ex-católico do mundo’ (...). Não parece, no entanto, que essa queda contínua preocupe tanto os venerandos irmãos. (...) É estranho que, sobre um declínio tão vistoso, os srs. em sua mensagem não exalem um pio. Mais espantoso ainda é que o mundo secular fale mais desse fenômeno do que os bispos”, diz o frei Clodovis – uma referência a toda a cobertura jornalística sobre os dados do último Censo que mostram uma queda drástica da proporção de católicos entre os brasileiros, de 65,1% para 56,7%.

A esse respeito, até compreendo o que alguns bispos disseram à época da divulgação dos dados: que o Brasil é um país de muitos “católicos de estatística”, gente que foi batizada e criada como católica, mas nunca praticou a fé a sério, e agora está migrando para outras religiões ou se declarando “sem religião” (embora este último grupo não tenha crescido tanto quanto se imaginaria). Mas a pergunta é: por que, no momento em que esse brasileiro percebe um anseio por espiritualidade, não permanece na Igreja em que cresceu, e vai buscar religiosidade em outros lugares? O que a Igreja Católica não ofereceu a essa pessoa? E, mesmo entre os que ainda se dizem católicos, por que raios apenas 8% vão à missa ao menos semanalmente (como deveria ser para todos), segundo a World Values Survey?

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O pior é que a resposta não exige rocket science, como dizem os americanos. “Não há na Igreja de nossa América apenas um processo de queda, mas também um de ascensão”, diz o frei Clodovis. E esta ascensão existe onde há oferta de espiritualidade, de uma fé sólida; são dioceses, movimentos eclesiais e até influenciadores digitais (esses que certos bispos se empenham tanto em combater), que estão de fato levando às pessoas a encontrar Cristo e a beleza da fé católica. Enquanto isso, nas hostes do discurso puramente social só há “cabelos brancos”, como até os teólogos da libertação admitem. Por isso o frei Clodovis pede:

“É, portanto, hora, e mais que hora, de retirar Cristo da sombra e remetê-lo em plena luz. É hora de restituir-lhe a primazia absoluta, quer na Igreja ad intra (na consciência individual, na espiritualidade e na teologia), quer na Igreja ad extra (na evangelização, na ética e na política). A Igreja de nosso continente precisa urgentemente voltar ao seu verdadeiro centro, retornar ao seu ‘primeiro amor’.”

Já citei aqui O grande divórcio, de C.S. Lewis, cujos personagens foram parar no inferno não porque cometeram grandes barbaridades, mas porque seus afetos estavam completamente desordenados, ainda que eles mal se dessem conta disso. O que Boff denuncia aqui é a mesma coisa que Lewis denunciava. As prioridades foram invertidas, Cristo foi relegado ao segundo plano, e mesmo o pobre não é posto em primeiro lugar por ser filho de Deus e irmão em Cristo, mas porque é uma “categoria social”.

“Sem o fermento de uma fé viva, a própria luta social acaba se pervertendo: de libertadora torna-se ideológica e finalmente opressora.”

Frei Clodovis Boff, em carta aos bispos do Celam

Ainda não li Por uma Igreja em subida, que o frei Clodovis lançou no fim do ano passado e é uma “continuação” de A crise da Igreja Católica e a Teologia da Libertação. Mas já posso apostar que qualquer bispo ou padre genuinamente interessado em ter uma diocese ou paróquia vibrante, com católicos comprometidos e de fé sólida, encontrará orientações mais certeiras nos livros do frade servita que em cartas como esta do Celam, com discursos bem-intencionados, mas pouco efetivos para resolver a sangria de fiéis que a Igreja Católica atravessa.

Leia aqui a carta completa do frei Clodovis ao Celam.

Documentário resgata os anos do “padre Roberto” no Peru

O Vatican Media produziu um bonito documentário de 45 minutos chamado León de Perú, narrado pelas pessoas que conviveram com Robert Prevost durante os seus anos como missionário, e depois como bispo no Peru. Fiéis de cidades como Chiclayo, Chulucanas, Callao e Trujillo contam suas experiências com o “padre Roberto” e a alegria de verem eleito papa alguém que até pouco tempo atrás estava ali, caminhando entre eles. Além dos relatos, há muitas fotos e muitos registros em vídeo para matar a curiosidade de qualquer católico sobre essa fase importante da vida de Leão XIV. Assistam abaixo (ainda não há versão com legendas em português, deixo a versão legendada em inglês):

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