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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Sacramentos

Comissão do Vaticano desaconselha ordenação de mulheres ao diaconato

santa febe ordenação mulheres
Santa Febe é apresentada na Carta aos Romanos como "diaconisa da igreja de Cên­cris", mas termo não necessariamente indica ordenação sacramental. (Foto: Imagem criada utilizando Whisk/Gazeta do Povo)

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A turma que pressiona a Igreja Católica para que aceite a ordenação de mulheres perdeu mais uma no começo deste mês de dezembro. Uma comissão criada pelo papa Francisco para estudar o tema do acesso das mulheres ao diaconato enviou suas conclusões ao papa Leão XIV em setembro, e elas foram tornadas públicas no último dia 4, a pedido do pontífice. Os integrantes afirmam que a pesquisa histórica e teológica não autoriza a ordenação de mulheres diaconisas, embora também afirme que não se trata de uma avaliação definitiva e irrevogável como no caso da proibição da ordenação de mulheres ao sacerdócio.

Para fazer uma breve recapitulação histórica, os documentos magisteriais que existem sobre o tema dão como certo que as mulheres não podem receber o sacramento da Ordem para se tornar sacerdotisas. “Para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja”, escreveu João Paulo II na Ordinatio sacerdotalis, de 1994, que faz referência a documentos anteriores sobre o tema. Mas não existe nenhum pronunciamento pontifício sobre o acesso ao diaconato.

A primeira comissão para estudar o tema foi criada em 2016 e não publicou nenhuma conclusão. A segunda foi estabelecida em 2020, após o Sínodo da Amazônia de 2019 (e no qual houve pressão pela ordenação de mulheres, pressão ignorada por Francisco na exortação Querida Amazônia); é esta que apresentou o resultado do seu trabalho a Leão XIV em setembro. A comissão de dez membros, presidida pelo cardeal Giuseppe Petrocchi, aprovou uma série de teses, das quais a mais relevante é a quinta: “O estado da questão envolvendo a pesquisa histórica e teológica, consideradas suas implicações mútuas, exclui a possibilidade de seguir na direção da admissão das mulheres ao diaconato, entendido como grau do sacramento da Ordem. À luz da Sagrada Escritura, da Tradição e do Magistério eclesiástico, esta avaliação é sólida, ainda que não permita no momento formular um juízo definitivo, como no caso da ordenação sacerdotal”. Foram 7 votos favoráveis, 1 contrário e nenhuma abstenção.

“O estado da questão envolvendo a pesquisa histórica e teológica, consideradas suas implicações mútuas, exclui a possibilidade de seguir na direção da admissão das mulheres ao diaconato, entendido como grau do sacramento da Ordem.”

Trecho de relatório da comissão do Vaticano que avaliou a questão da ordenação de mulheres ao diaconato.

Os membros da comissão se debruçaram sobre relatos do Sínodo da Sinodalidade, sobre documentos históricos, e sobre argumentos favoráveis e contrários à ordenação de mulheres ao diaconato (e até ao sacerdócio e ao episcopado). Eles reconhecem que no início da Igreja havia um ministério diaconal exercido por mulheres, mas que tal ministério, “que se desenvolveu de forma desigual nas diferentes partes da Igreja, não era visto como um simples equivalente feminino do diaconato [ordenado] masculino e não parece ter se revestido de um caráter sacramental”, segundo a terceira tese aprovada pela comissão com 7 votos favoráveis, nenhum contrário e 1 abstenção.

A comissão afirma que um pronunciamento definitivo sobre o tema cabe ao Magistério da Igreja, não a uma comissão. Mas ela faz algumas sugestões, como o estudo da possibilidade de se instituir novos ministérios, não ligados ao sacramento da Ordem e abertos às mulheres, e o aprofundamento da teologia sobre a identidade e a missão do diácono – pois o diaconato é um serviço em si, não mera etapa intermediária para os candidatos ao sacerdócio ou um trabalho de “assistente litúrgico” do padre.

Sem ser teólogo, eu me alinho com uma tese que foi discutida na comissão e que terminou com 5 votos favoráveis e 5 contrários: “A masculinidade de Cristo, e portando a masculinidade dos que recebem a Ordem [em qualquer um dos seus graus, acrescento eu], não é acidental, mas parte integrante da identidade sacramental, preservando a ordem divina da salvação em Cristo. Alterar essa realidade não seria um simples ajuste no ministério, mas uma ruptura do significado nupcial da salvação” – essa última expressão nos recorda que Cristo é o Esposo da Igreja. Isso não representa nenhum tipo de diminuição do papel da mulher – afirmar que o catolicismo considera a mulher como inferior, por vedar-lhe a ordenação sacramental, é uma espécie de clericalismo, que o papa Francisco tanto criticava. A Igreja sempre reconheceu e exaltou as mulheres (e é providencial que eu esteja escrevendo esta coluna na solenidade da Imaculada Conceição), e recorda sua importância nas inúmeras santas que apresenta como exemplo para os cristãos.

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Mas e se um bispo ordenar uma mulher?

Pesquisando um pouquinho na internet é fácil achar histórias de mulheres que dizem ter sido “ordenadas” ao sacerdócio por bispos católicos – os nomes nunca aparecem, “para não causar problemas ao bispo no Vaticano”. Mas vamos supor, por um momento, que de fato um bispo católico, em comunhão com o papa, tenha realizado uma cerimônia para “ordenar” sacerdotisas, apesar do que afirmou João Paulo II. O que teria acontecido?

Do ponto de vista sacramental, não teria acontecido nada – e é por isso que usei aspas acima. Ainda que o celebrante fosse um bispo com o poder de ordenar (ministro válido), ainda que tivesse dito as palavras exatas previstas no rito da ordenação (forma válida), o sujeito do sacramento (a pessoa que o recebe) seria inválido. E, por isso, o sacramento não “pegaria”. Mal comparando, é como se um padre tentasse consagrar sushi em vez de pão: mesmo que estivesse dentro de uma missa, usando as palavras da consagração, com a intenção de consagrar, é óbvio que o sushi não se tornaria o Corpo e o Sangue de Cristo (a comparação é imperfeita porque o pão é matéria, não sujeito do sacramento da Eucaristia, mas o resultado seria o mesmo: não haveria sacramento).

Do ponto de vista disciplinar, no entanto, as consequências são gravíssimas. Houve uma simulação de sacramento, que o Código de Direito Canônico manda punir “com pena justa” no cânone 1.379. Em um caso no qual o nome do bispo chegou a ser conhecido, o Vaticano puniu as sete mulheres “ordenadas” com a excomunhão (neste episódio específico, parece que o bispo “ordenante” já tinha sido excomungado anteriormente por cisma). A verdade é que não adianta muito esconder o nome dos bispos que fazem isso para evitar que eles sejam punidos pela Igreja. O Vaticano pode até não ficar sabendo, mas Deus fica.

Documento sobre monogamia é bom, mas não resolve o problema para o qual ele foi escrito

papa leao xiv recem-casadosO papa Leão XIV abençoa recém-casados durante audiência no Vaticano, em agosto de 2025. (Foto: Angelo Carconi/EFE/EPA)

Uma colega me mostrou as estranhíssimas repercussões tardias na imprensa de Una caro, a mais nova nota doutrinal do Dicastério para a Doutrina da Fé, sobre a monogamia. Portais de notícias por aí tratavam como grande novidade o fato de a Igreja reconhecer que há uma função unitiva no sexo entre os esposos, como demonstração de amor mútuo, algo que a teologia católica já dava como pacífico havia muitos séculos (a ideia do “sexo apenas para procriação” é uma bobagem anticatólica). A tal “nova orientação do papa sobre sexo no casamento”, como manchetou um site noticioso, nada tem de nova, no fim das contas.

Mas, então, por que um documento desses? Porque os tempos andam tão loucos que, se até pouco tempo atrás tínhamos de lembrar que o casamento é entre um homem e uma mulher, agora temos de lembrar que o casamento é entre um homem e uma mulher. Nesse aspecto, Una caro é muito bom – bem acima da média dos documentos do DDF na gestão Fernández. É uma bela defesa da monogamia com base bíblica e filosófica – na parte sobre a monogamia na arte, só faltou Vinicius de Moraes, que em Para viver um grande amor diz que “Para viver um grande amor, mister / É ser um homem de uma só mulher / Pois ser de muitas – poxa! – é pra quem quer / Nem tem nenhum valor”.

O problema é que, se como resposta às loucuras “poliamoristas” ocidentais o documento é excelente, ele não surgiu por causa delas. A nota foi um pedido dos bispos da África, a região onde a fé mais cresce atualmente, mas onde há muitas culturas que aceitam a poligamia. Como proceder quando um homem polígamo ou sua família (em parte ou inteira) se convertem? Qual dos “casamentos” é o válido? O que acontece com as outras “esposas”? E quando há filhos dessas várias uniões? Quais os deveres do homem? Como a Igreja pode ajudar a evitar a marginalização dessas mulheres e crianças? Quanto a isso, no entanto, o documento é bem lacônico, deixando implícito que a primeira esposa é a que vale (até aí, parece meio evidente), e ressaltando que mesmo em sociedades poligâmicas ela tem um papel de proeminência. Mas faltam orientações mais concretas. Ainda que as realidades sejam múltiplas e seria impossível ser mais específico sem cair no casuísmo, ao menos alguns princípios poderiam ter ajudado os bispos africanos.

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