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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Comparações

Não façamos com Francisco o que fizeram com Bento XVI

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Bento XVI e Francisco, em foto de 2014: ambos foram alvo de comparações injustas entre antecessores e sucessores. (Foto: Maurizio Brambatti/EFE/EPA)

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“Esse, sim, é um papa bom, não é como o anterior.” Quantas vezes não ouvimos e lemos isso, ainda que não com essas exatas palavras, no início do pontificado de Francisco, em 2013? Tudo o que o novo papa fazia era colocado em contraste com o anterior, com o objetivo explícito de exaltar Francisco e criticar Bento XVI. Um aparece diante dos fiéis só de batina branca, o outro fazia questão dos paramentos completos; um usa os próprios sapatos, o outro usava os múleos (sim, aqueles sapatos vermelhos tinham nome, e não eram Prada); e assim sucessivamente. Eram comparações injustas, maldosas, e que me doíam o coração, eu que sempre gostei muito de Bento XVI desde antes de ele ascender ao pontificado.

Pois precisamos ter muito cuidado para não cair no mesmo erro, nesses primeiros dias do papa Leão XIV – seja criando contrastes que não existem, seja apontando as diferenças reais para tentar menosprezar as escolhas de Francisco. É verdade que Leão retomou o uso dos paramentos papais completos em sua primeira aparição aos fiéis, é verdade que ele deu a bênção em latim aos jornalistas enquanto Francisco preferiu uma oração silenciosa em respeito aos que não eram católicos. Podemos achar que as escolhas de Leão XIV foram melhores (eu achei), mas não podemos ter a pretensão de invalidar as decisões de Francisco – e eu ainda acho quase impossível que ele tenha dito “o carnaval acabou” ao cerimoniário Guido Marini, quando recusou a mozeta vermelha e a estola após a eleição –, que provavelmente seguiu a sua consciência a respeito do que era melhor fazer em cada ocasião.

Nenhum papa haverá de fazer tudo exatamente igual a seu predecessor, e embarcar nessa espiral de comparações sem fim traz consigo o risco de esfriarmos no amor que devemos ao Santo Padre

Pior ainda é criar contrastes falsos para comparar papas. Leão XIV acabou de dizer que a família é “fundada na união estável de homem e mulher”? Pois Francisco disse a mesmíssima coisa, mais de uma vez – e, ainda por cima, sempre criticou a ideologia de gênero! A missa de início de pontificado do novo papa, que vimos nesta madrugada, foi toda em latim? Mas a de Francisco também foi! Fiz, ainda, uma pequena busca dos vídeos das missas papais em datas importantes, como o Natal e o Tríduo Pascal, e todas as que vi eram em latim, com as exceções de praxe (leituras, homilia, um ou outro rito específico). Aliás, falando em idioma litúrgico, fui procurar, por curiosidade, as missas celebradas por Bento XVI nas Jornadas Mundiais da Juventude em Colônia (2005), Sydney (2008) e Madri (2011), e adivinhem? Praticamente tudo em vernáculo (com direito àquele sotaque engraçado de alemães falando inglês)! E isso em um evento cujo caráter internacional até justificaria o uso do latim...

“Mas, Marcio, ontem mesmo você não estava listando algumas coisas que Francisco fez e deveriam ser revertidas?” Sim, estava; mas não apontei nem o que considero acertos, nem o que considero equívocos, para fazer contrastes ou comparações injustas com o pontificado de Bento XVI, ou para “ranquear” papas. O que eu estou criticando hoje é o hábito de ficar denegrindo a memória de um antecessor usando os atos do papa atual, especialmente quando se tenta estabelecer falsas dicotomias. Era errado quando a vítima era Bento XVI, e continua a ser errado agora que o alvo é Francisco.

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Quem tem uma mentalidade mais “tradicional”, “conservadora”, “ortodoxa”, sei lá eu, tem todo o direito de estar feliz com algumas das atitudes de Leão XIV, mas é totalmente desnecessário ficar insistindo em criar antagonismos. Nenhum papa haverá de fazer tudo exatamente igual a seu predecessor – para melhor e para pior –, e embarcar nessa espiral de comparações sem fim traz consigo o risco de esfriarmos no amor que devemos ao Santo Padre, o atual e os que vieram antes dele. Então, vamos nos policiar um pouco, e eu mesmo farei o possível para seguir meu próprio conselho.

Colunista em férias; voltamos em junho

Depois de quase um mês muitíssimo intenso, desde o falecimento de Francisco até estes primeiros dias de Leão XIV, o colunista parte para duas semanas e meia de férias que já estavam agendadas. Continuemos acompanhando esse início de novo pontificado, rezando pelo papa e pela Igreja, e em junho estarei de volta com a coluna semanal, sempre às terças-feiras.

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