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Nesta sexta-feira, o papa Leão XIV recebeu os diplomatas que representam seus países junto à Santa Sé, dando continuidade à série de atividades protocolares de um novo pontífice, que já se reuniu com o Colégio Cardinalício e com os jornalistas que cobriram o conclave. Se contarmos a audiência à imprensa, é a segunda vez que o papa se vê diante de uma plateia, digamos, “secular” – já que não é preciso ser católico nem para cobrir o conclave, nem para ser um diplomata credenciado junto à Santa Sé. E, mais uma vez, Leão XIV caprichou.
O papa estruturou seu discurso em torno de três palavras. A primeira não poderia deixar de ser paz. Foi com essa palavra que Leão XIV iniciou seu pontificado, saudando os fiéis na Praça de São Pedro. Paz, diz o papa, não é mera ausência de guerra, uma espécie de cessar-fogo prolongado, mas algo positivo, no sentido de ser algo em si mesmo, e não apenas a ausência de alguma outra coisa. Sem mencionar nenhum conflito específico neste trecho (a Ucrânia e o Oriente Médio foram citados quase no fim do discurso), Leão XIV pediu respeito à liberdade religiosa, o fim das corridas armamentistas e “um novo fôlego à diplomacia multilateral e às instituições internacionais que foram desejadas e concebidas, em primeiro lugar, para remediar as relações conflituosas que possam surgir no seio da comunidade internacional”.
O segundo termo enfatizado por Leão XIV foi a justiça. Justiça social, sim, mas não no sentido que os “justiceiros sociais” lhe dão hoje. O papa afirmou que as “condições indignas de trabalho” e as “desigualdades globais” que flagelavam o mundo na época de Leão XIII, a grande inspiração na escolha do nome do novo papa, continuam tão intensas hoje quanto antigamente. Leão XIV dedicou algumas palavras ao tema, hoje tão sensível, da imigração. “A minha própria história é a de um cidadão, descendente de imigrantes, e também emigrado”, afirmou ele – os Prevost têm raízes hispânicas, italianas e francesas, e Robert Prevost viveu no Peru por muitos anos, primeiro como missionário, e depois como bispo – ao lembrar que também os migrantes estão entre as pessoas “mais frágeis e indefesas”.
“Cabe aos responsáveis governamentais esforçarem-se por construir sociedades civis harmoniosas e pacíficas. Isto pode ser feito, principalmente, investindo na família, fundada na união estável entre o homem e a mulher.”
Papa Leão XIV, em discurso ao corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé.
Foi neste trecho do discurso que Leão XIV começou a botar em estado de alerta a imprensa e a militância identitária, a julgar pelas primeiras reações que vi. Segundo o papa, o principal meio para “construir sociedades civis harmoniosas e pacíficas” é “investindo na família, fundada na união estável entre o homem e a mulher, uma ‘sociedade muito pequena certamente, mas real e anterior a toda a sociedade civil’” – o destaque é meu, e a citação é da Rerum novarum, de Leão XIII. Também não faltou, felizmente, a afirmação de que “nossa dignidade (...) permanece sempre a mesma, a de uma criatura querida e amada por Deus”, e que todos têm direito a que sua dignidade seja respeitada, “do nascituro ao idoso, do doente ao desempregado”.
Por fim, e em conexão com o tema anterior, Leão XIV falou em verdade. “A Igreja nunca se pode furtar a dizer a verdade sobre o homem e sobre o mundo, mesmo recorrendo, quando necessário, a uma linguagem franca, que pode provocar alguma incompreensão inicial”, afirmou o papa, que havia justamente acabado de dizer uma “verdade sobre o homem e sobre o mundo” quando se referiu à família. Como não lembrar do papa Francisco, que comparava médicos que faziam abortos a “assassinos de aluguel”, ainda que isso lhe rendesse críticas duras até mesmo de católicos, como ocorreu na Bélgica? Como não lembrar de Bento XVI, afirmando aos bispos do Maranhão em 2010 que “quando (...) os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas”?
“A verdade, porém, nunca está separada da caridade, que tem sempre na sua raiz a preocupação pela vida e pelo bem de cada homem e mulher”, continuou o papa. De fato: iludir alguém, incentivando-o a permanecer em um caminho que mais cedo ou mais tarde levará ao abismo, jamais poderia ser um ato de amor. Quem de fato se preocupa com um parente ou um amigo, quem realmente ama, haverá de expor a verdade – nunca para condenar, mas para ajudar. “Caridade na verdade” foi, inclusive, o tema e o título de uma das encíclicas de Bento XVI. E não podemos esquecer que também Francisco, em seu primeiro encontro com diplomatas após sua eleição, em 2013, reforçou a ligação entre verdade e paz: “sem a verdade, não há verdadeira paz. Não pode haver verdadeira paz, se cada um é a medida de si mesmo, se cada um pode reivindicar sempre e só os direitos próprios, sem se importar ao mesmo tempo do bem dos outros, do bem de todos”, afirmou na ocasião, criticando a “‘ditadura do relativismo’, que deixa cada um como medida de si mesmo, colocando em perigo a convivência entre os homens”.
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Promover a paz e a justiça, defender a família e a liberdade religiosa, e dizer a verdade sem medo das incompreensões são belas linhas-mestras para nortear a forma como a Igreja dialogará com o mundo sob Leão XIV. Não nos esqueçamos de rezar sempre para que Deus fortaleça o papa e seus assessores nesta tarefa.
Aprenda canto gregoriano com o Vaticano
Temos um papa que canta com gosto, como nós vimos no Regina Caeli do último domingo. E, se você tem vontade de cantar junto, mas nunca teve contato com o canto gregoriano, ou nunca viu uma partitura, o Pontifício Instituto de Música Sacra parece estar disposto a resolver o seu problema. O perfil da instituição no Instagram iniciou uma série de vídeos chamada “vamos cantar com o papa” – por enquanto, há apenas um episódio, que foi compartilhado pelo perfil do Vatican News em português. Não há legenda no nosso idioma (ao menos até agora), mas não me parece que será um grande problema, pois o episódio tem uma estrutura bem didática, e o que importa mesmo é aprender a cantar e entender como as notas aparecem na partitura. Para começar, o diretor do Instituto, o padre dominicano Robert Mehlhart, escolheu a saudação inicial da missa, mas nos comentários os seguidores já estão fazendo seus pedidos para as próximas lições.
Digo por experiência própria: aprender o básico (o básico!) do gregoriano não é difícil. A notação é mais simples, e com uma boa dose de treino será possível pegar logo o jeito para cantar respostas como essas que o padre Mehlhart ensinou, e outros trechos da missa. Cidades brasileiras com mosteiros beneditinos oferecem uma boa chance de contato com o gregoriano – quando morava em São Paulo, frequentei muito o Mosteiro de São Bento, no centro da cidade. A internet está cheia de tutoriais, áudios e partituras; se você pesquisar por “canto gregoriano”, vai achar sites e canais no YouTube sobre o tema. O Concílio Vaticano II diz que “a Igreja reconhece como canto próprio da liturgia romana o canto gregoriano; terá este, por isso, na ação litúrgica, em igualdade de circunstâncias, o primeiro lugar”. Que tal começarmos a colocar esse pedido em prática?








