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Jean-Claude Hollerich, relator do Sínodo sobre Sinodalidade, em foto de 2018.
Jean-Claude Hollerich, relator do Sínodo sobre Sinodalidade, em foto de 2018.| Foto: Olivier LPB/Wikimedia Commons/CC-BY-SA 4.0

Mesmo tendo lido muitas defesas e elogios ao Sínodo que vem por aí, continuo sem ver qual é exatamente o ganho que a Igreja terá com ele. Sigo concordando com a comparação que vi uma vez nas mídias sociais, e cujo autor infelizmente não recordo agora para lhe fazer a devida justiça, segundo a qual um “Sínodo sobre Sinodalidade” é meio como uma “reunião sobre como fazer reuniões”, e que é muito difícil ser “Igreja em saída” se estamos todos enfurnados em salas de reunião em vez de ir pra valer ao encontro das pessoas que necessitam do abraço carinhoso da Igreja para curar suas feridas. E minha opinião não mudou um milímetro depois de ler o Instrumentum Laboris divulgado na semana passada.

Para que fique bem claro, o Instrumentum Laboris não tem valor doutrinal nenhum. No máximo, é um documento que recolhe e resume os resultados das etapas locais, nacionais e continentais do processo sinodal e apresenta os temas que são debatidos em Roma, neste ano e em 2024. Sim, ele pode pender para este ou aquele lado em determinados temas, mas nada garante que isso se refletirá no documento final do Sínodo – e nem esse documento final tem caráter normativo; é trabalho do papa decidir o que aproveitará ou não no momento de escrever sua exortação pós-sinodal. Exemplos desse tipo de documento são Reconciliatio et Paenitentia, Christifideles laici e Pastores dabo vobis, de João Paulo II; Sacramentum caritatis e Verbum Domini, de Bento XVI; e (suspiro) Amoris laetitia, de Francisco.

Mais que perguntar como a Igreja pode influenciar o mundo dando boas respostas aos desafios apresentados, o Instrumentum Laboris pergunta como a Igreja pode absorver e contemplar as demandas do mundo

Mas vamos ao que interessa. O Instrumentum Laboris (IL) do Sínodo sobre a Sinodalidade até começa bem quando denuncia a “cultura do descarte”, “a pressão homogeneizadora do colonialismo cultural” (expressão que Francisco usa bastante, e que já basta para bom entendedor), a “perseguição até ao martírio” sofrida por cristãos e a “secularização cada vez mais avançada e, por vezes, agressiva, que parece considerar a experiência religiosa irrelevante”. Mas as perguntas que ele faz na sequência não parecem contemplar esses problemas, ou ao menos o faz de uma forma esquisita. Os desafios vêm de fora, mas os questionamentos são para dentro, e não só isso: tratam principalmente de “instituições, estruturas e procedimentos”, ou seja, de processos. Parecem refletir aquela “fé na burocracia” de que tratei quando comentei a reforma da Cúria. Mais que perguntar como a Igreja pode influenciar o mundo dando boas respostas aos desafios apresentados, trata-se de perguntar como a Igreja pode absorver e contemplar as demandas do mundo.

O texto do IL traz uma mistura de “carta de boas intenções” com linguagem curial, e algumas ironias cruéis como a menção à “multiplicidade de ritos na única Igreja Católica” como “uma autêntica bênção, a ser protegida e promovida” – menos, claro, quando se trata da missa tridentina... Se as perguntas expostas no IL são um tanto genéricas – do tipo “quais laços precisam ser fortalecidos para superar trincheiras e muros, quais abrigos e proteções precisam de ser construídos, e para proteger a quem? Quais divisões são estéreis? Quando a gradualidade torna possível o caminho para a completa comunhão?” –, é nas fichas de trabalho que vêm após o texto que a coisa fica realmente preocupante. Ao lado de temas importantes, como o cuidado com os pobres e migrantes, reaparecem as velhas demandas identitárias, como a ordenação de mulheres (ficha B.2.3), e tentativas de “aguar” a autoridade petrina, com perguntas do tipo “como é que a escuta do Povo de Deus se pode tornar a forma habitual de tomada de decisões na Igreja a todos os níveis da sua vida?” ou “em que medida a convergência de vários agrupamentos de Igrejas locais (concílios particulares, conferências episcopais, etc.) sobre uma mesma questão compromete o bispo de Roma a assumi-la para a Igreja universal?” (ficha B.3.4), buscando brechas para se poder impor decisões até mesmo doutrinais “de baixo para cima”. Convenhamos, para que uma pergunta do tipo “que grau de autoridade doutrinal pode ser atribuído ao discernimento das conferências episcopais?” no exato momento em que há conferências na Europa central, especialmente a alemã, desafiando abertamente a doutrina católica?

E, falando em alemães, a ficha B.1.2 merece um comentário específico. Afirma que “os documentos finais das assembleias continentais mencionam frequentemente aqueles que não se sentem aceites na Igreja, como os divorciados e recasados, as pessoas em casamentos polígamos ou as pessoas LGBTQ+” e pergunta “como podemos criar espaços em que aqueles que se sentem magoados pela Igreja e não bem-vindos pela comunidade possam sentir-se reconhecidos, acolhidos, não julgados e livres para fazer perguntas? À luz da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris laetitia, que passos concretos são necessários para chegar às pessoas que se sentem excluídas da Igreja por causa da sua afetividade e sexualidade (por exemplo, divorciados recasados, pessoas em casamentos polígamos, pessoas LGBTQ+, etc.)?”

Vi um pessoal rasgando as vestes por causa do uso da sigla em um documento da Igreja, mas sinceramente isso não me incomoda. O fato é que essa pergunta já tem resposta, ou ao menos o ponto de partida para ela. Está no Catecismo, parágrafos 2.357 a 2.359. Deus ama e acolhe todas as pessoas, e com a Igreja não é diferente. O problema aparece quando essas pessoas querem que a Igreja não apenas as acolha, mas também valide modos de vida que ela não tem como validar. A lei moral da Igreja não é invenção dela, é algo recebido do próprio Deus, que quis mostrar o caminho pelo qual o ser humano chega à felicidade. A Igreja pode ajustar a forma como passa essa mensagem, mas não pode mudar a mensagem. Jesus disse à mulher que estava para ser apedrejada “nem eu te condeno”, mas também disse “vai e não peques mais”. As pessoas querem ouvir só a primeira parte, mas não a segunda; se ficam ofendidas quando a Igreja lhes recorda a frase toda, o problema evidentemente não é da Igreja. E nem é preciso recordar que isso não vale apenas para pessoas LGBT ou divorciados em nova união civil, mas para toda a humanidade.

No fim, parece que o desejo é o de vencer pelo cansaço, repetindo sempre as mesmas perguntas – “pode isso? Pode aquilo? Fulano pode comungar? Fulano pode casar? Fulana pode ser ordenada?” – até que um dia venha a resposta desejada. Sabemos que não virá, mas isso não quer dizer que eles desistirão; seguirão tentando, e abalando a fé de muitos nesse caminho, especialmente quando sabemos que o relator-geral desse Sínodo não será alguém com a cabeça no lugar como foi o cardeal Péter Erdő no Sínodo para a Família, mas um cardeal bem heterodoxo como Jean-Claude Hollerich. Enfim, rezemos para que no fim o Sínodo transcorra não como eu quero, não como o leitor quer, não como o cardeal relator quer, nem mesmo como o papa Francisco quer, mas como Deus quer.

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