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Não vi Conclave; embora já saiba que não é lá grandes coisas, queria ter visto para dar minha avaliação aqui na coluna. Também não vi Sugarcane, que felizmente não levou o Oscar de Melhor Documentário em Longa-Metragem, mas a Desirée viu e contou aqui na Gazeta que o filme força bem a barra. Para quem não acompanhou o caso, o documentário trata das acusações feitas contra a Igreja Católica após a descoberta de uma suposta vala com os corpos de umas poucas centenas de crianças em uma antiga escola católica para crianças indígenas no oeste do Canadá.
E não é que, em meados de fevereiro, na reta final para a premiação, o governo de esquerda canadense muito discretamente acabou com o financiamento de um comitê dedicado a investigar as acusações sobre a escola de Kamloops e outras instituições de ensino administradas pela Igreja Católica e por outras igrejas protestantes? O dinheiro para o Comitê Nacional de Assessoria sobre Crianças Perdidas e Sepulturas Não Identificadas em Escolas Residenciais (NAC, na sigla simplificada em inglês) termina neste fim de março. O governo canadense alega que a entidade ainda tem recursos repassados e não gastos, mas, embora as autoridades não digam nada a esse respeito, há um outro fator bastante relevante. Após centenas de milhares de dólares gastos em três anos, o que o comitê encontrou que reforçasse as terríveis acusações feitas contra a Igreja?
Nada. Zero. Nothing.
Apesar do uso de tecnologia de ponta, como radares, nenhum corpo foi desenterrado – em Kamloops, onde a controvérsia toda começou, ainda há dúvidas sobre a própria existência de restos humanos, pois a antropóloga responsável pela descoberta, em 2021, havia se limitado a observar alterações no solo que poderiam ser condizentes com uma vala comum. Nas proximidades de outras escolas para indígenas, os radares de fato encontraram corpos de crianças ou adolescentes, mas sem a exumação é impossível atestar que esses indígenas tenham sido vítimas de qualquer tipo de abuso. Afinal, faz parte da tradição católica que pessoas fossem enterradas perto de igrejas – e cada escola dessas tinha a sua igreja. A simples existência dessas sepulturas não indica absolutamente nada.
A reconciliação só é possível com base na verdade sobre o que aconteceu nessas escolas, mas a verdade não será encontrada em investigações e narrativas enviesadas
Não estou dizendo com isso que o sistema de escolas para indígenas era uma maravilha. Ao que tudo indica, as crianças indígenas eram mesmo tiradas de suas famílias para receber uma educação “ocidental” e ter a fé cristã imposta sobre elas (uma prática que, até onde eu sei, também ocorreu com os aborígenes na Austrália), e isso está muito errado – a fé jamais pode ser imposta sobre ninguém. Se as crianças nesses internatos sofriam algum tipo de maus-tratos, hoje sabemos que isso também está muito errado, embora esse estilo de disciplina estivesse longe de ser exclusividade de escolas direcionadas para povos não ocidentais. O que existe de mais concreto, aparentemente, é o fato de os túmulos dos pequenos alunos (mortos muito provavelmente não por qualquer tipo de abuso, mas por causa de doenças) não estarem identificados, o que é um grave erro que tira das famílias o direito de saber onde estão seus filhos, netos ou sobrinhos.
Ainda assim, nem um único caso real de abuso justificaria a onda de violência anticatólica que o Canadá viu a partir de 2021. Em todo o país, pouco mais de 100 igrejas – a maioria delas católica, mas também houve templos protestantes atingidos – foram queimadas ou vandalizadas, com raríssimas condenações judiciais dos responsáveis. E tudo isso ocorreu com a cumplicidade hipócrita do primeiro-ministro Justin Trudeau, ao afirmar que os ataques a igrejas, embora fossem “inaceitáveis e errados”, também eram “compreensíveis” – Trudeau, graças a Deus, está de saída, após fazer o Canadá tomar da Holanda o título de “lugar onde o diabo faz test-drive”, nas palavras de um amigo meu.
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Ninguém veio a público se desculpar por incitar ou endossar o sentimento anticristão despertado por uma história cuja veracidade é duvidosa. Já o papa Francisco, sim, pediu perdão pelas “tribulações sofridas nas escolas residenciais” em viagem ao Canadá – e fez o que tinha de fazer. Lendo o texto do papa, encontramos expressões como “experiências devastadoras” e “sobreviventes das escolas residenciais”, que parecem um exagero (sobrevive-se a um gulag, a um campo de concentração, não a um colégio interno), mas também percebemos que ele não compra a narrativa que imputa à Igreja a responsabilidade por abusos sistemáticos e morte de crianças, e inclusive lembra que também estavam presentes a “caridade cristã e (...) não poucos casos exemplares de dedicação às crianças”.
Uma das entidades que administra o NAC se chama Centro Nacional para a Verdade e a Reconciliação, mas parece que parte dos canadenses não está interessada nem em uma coisa, nem em outra. Usando uma história contada pela metade, cujas evidências são no mínimo bastante frágeis, provocou um frenesi de intolerância religiosa do qual se orgulha. Já a Igreja é a principal interessada em uma investigação honesta sobre tudo o que saiu errado no sistema de internatos para estudantes indígenas – apesar de quem os administrava, ou por causa de quem os administrava –, e está pronta para se desculpar, como mostrou o papa Francisco. A reconciliação só é possível com base na verdade sobre o que aconteceu nessas escolas, mas a verdade não será encontrada em investigações e narrativas enviesadas.





