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Marcio Antonio Campos

Marcio Antonio Campos

Vaticano, CNBB e Igreja Católica em geral. Coluna atualizada às terças-feiras

Novo pontificado

Tranquilidade define o primeiro mês de Leão XIV

Primeiro mês do papa Leão XIV
O papa Leão XIV durante audiência na Praça de São Pedro, em 4 de junho. (Foto: FE/EPA/Vatican Media handout)

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Andamos tão acostumados a ver política em tudo que muita gente imaginava que este primeiro mês de pontificado de Leão XIV seria de grandes reviravoltas, semelhantes às do início de mandato de um presidente que assume o posto depois de um adversário político. Como se nesses poucos dias Leão fosse desfazer tudo o que o papa Francisco havia feito, mandar Victor Fernández e Arthur Roche como núncios para duas ilhas remotas do Oceano Pacífico, mandar sumirem com Traditionis custodes e Fiducia supplicans no site oficial do Vaticano. Nada disso aconteceu, algumas dessas coisas talvez nem cheguem a acontecer, e tudo por um motivo muito simples: não é assim que o papado funciona.

Esse primeiro mês de Leão XIV, aliás, tem sido tão tranquilo que a imprensa secular já parece ter perdido rapidamente o interesse no novo papa, deixando de vigiar suas falas e atitudes 24 horas por dia, sete dias por semana (a exceção recente foi a conversa telefônica entre o papa e Vladimir Putin). Mas Leão continua lá, fazendo seus discursos, falando ao povo nas audiências das quartas-feiras e no Regina Coeli dos domingos, cumprindo as formalidades tradicionais que aguardam todo novo papa (como a visita às basílicas maiores). Só não está adotando nenhuma atitude drástica. Está tomando pé da situação, avaliando quais são as prioridades entre todos os pepinos que aguardam todo novo pontífice, pensando em quem colocará nos cargos mais importantes, tudo no tempo que ele julga conveniente – Leão XIV nem mesmo escolheu um substituto para si mesmo à frente do Dicastério para os Bispos!

Saída de Vincenzo Paglia já era esperada

A única troca significativa realizada no Vaticano neste mês foi a saída do arcebispo Vincenzo Paglia da Pontifícia Academia para a Vida e do Instituto João Paulo II para Estudos sobre Casamento e Família. Eu e muitos outros comemoraram; afinal, qualquer cone de trânsito com um solidéu roxo ou vermelho teria feito um trabalho melhor que Paglia (sim, aquele) à frente de ambas as instituições. Mas a substituição não tem nada a ver com a gestão desastrosa do arcebispo, que fez o possível e o impossível para desmoralizar os órgãos criados por João Paulo II – um trabalho de demolição que chegou ao ponto de já não se exigir dos membros da PAV um compromisso com a defesa da vida de acordo com a doutrina católica.

Qualquer cone de trânsito com um solidéu roxo ou vermelho teria feito um trabalho melhor que Vincenzo Paglia, que está de saída ao completar 80 anos

Paglia havia completado 80 anos em 20 de abril, véspera do falecimento de Francisco. É o limite de idade para um integrante da Cúria Romana. Ou seja, o arcebispo provavelmente teria deixado os dois cargos ainda que Francisco estivesse vivo até hoje, ou ainda que qualquer outro cardeal tivesse sido eleito papa em vez de Robert Prevost. Nenhum outro chefe de dicastério ou órgão na Cúria está na mesma situação, com uma única exceção: o cardeal norte-americano Seán O’Malley, que faz 81 anos no fim de junho e segue à frente da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores. Ainda que ele seja respeitadíssimo neste campo, não me surpreenderia se ele fosse o próximo a sair.

Mais importante que ver Paglia saindo, então, é ver quem entra em seu lugar. Para o Instituto João Paulo II, Leão XIV escolheu o cardeal Baldassare Reina, o que na prática restaura o costume pelo qual o cardeal-vigário de Roma é também o grão-chanceler do instituto. Reina tem um perfil bastante discreto, subiu muito rapidamente na hierarquia eclesiástica, mas as poucas intervenções públicas dele no campo da defesa da vida e da família parecem boas. Em um episódio específico, um ex-seminarista, hoje militante LGBT, acusou Reina de forçá-lo a fazer uma terapia de conversão para reverter sua tendência homossexual.

A escolha de Leão XIV para a PAV causou um pouco mais de ruído, pois o nomeado foi o monsenhor Renzo Pegoraro, bioeticista que era chanceler da academia desde 2011. É aqui que a coisa fica nebulosa. Os vaticanistas do The Pillar apuraram, por exemplo, que Pegoraro tem um histórico de forte defesa da vida, mas que depois de 2016, quando Paglia assumiu a PAV no lugar de Ignacio Carrasco, o chanceler mudou (para pior) algumas de suas posições. Ele estaria apenas “jogando o jogo” para se manter no cargo, e voltará ao seu normal pré-2016 agora que não precisa mais prestar contas a Paglia? Ou realmente passou a pensar de forma diferente nos últimos anos? Deveremos descobrir isso em breve. Mas que havia nomes melhores, de ortodoxia inequívoca, para a PAV – como o cardeal holandês Willem Eijk –, isso havia.

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Quanto às outras nomeações, não espero pressa. Quando foi eleito, em 2013, Francisco manteve muitos dos prefeitos das antigas congregações (hoje dicastérios) herdados do pontificado de Bento XVI; em alguns casos, esses prefeitos ainda passaram muitos anos nos seus cargos. Claro, eu realmente gostaria de ver alguns nomes, como Fernández, Roche ou Mario Grech, fazendo logo as malas. Mas eu já disse aqui muitas vezes: a minha oração pelo papa é para que ele governe a Igreja não como eu quero, nem como ele quer, mas como Deus quer.

Mudanças silenciosas, mas cheias de simbolismo

Enquanto isso, o papa Leão XIV vai aos poucos reintroduzindo alguns hábitos. Já escrevi aqui sobre as vestes que ele escolheu usar no dia da eleição, e do significado que elas têm. Desde então, vimos vídeos mostrando que Leão deixa que lhe beijem o anel (outra questão que comentei na mesma coluna). Tudo indica que o papa voltará a morar no Palácio Apostólico depois que os trabalhos de renovação estiverem prontos – Francisco preferiu a Casa Santa Marta, uma escolha que ele justificou pela necessidade de estar sempre perto das pessoas. No meu último dia em Roma, 10 de maio, almoçava com o padre Luís Fernando Alves Ferreira, que faz mestrado lá, e ele me dizia: “Da Praça de São Pedro não se vê a Casa Santa Marta. Mas dá para ver a luz acesa nos aposentos do papa no Palácio Apostólico. E é reconfortante passar pela praça à noite, ver aquela luz e pensar que o papa está ali, velando por nós”.

Precisamos resistir à tentação de ficar passando no microscópio todas as falas e atitudes de Leão XIV em busca de sinais de continuidade ou ruptura com Francisco

Mais uma tradição romana que Leão XIV deve incentivar é a da missa de Corpus Christi na basílica de São João do Latrão, seguida por uma procissão até Santa Maria Maior. Pouco antes da Covid-19, o papa Francisco havia decidido presidir as celebrações em outras paróquias na periferia de Roma; com a pandemia, as procissões cessaram totalmente. Só em 2024 a tradição foi retomada, e para este ano está confirmada – na Itália, já há algum tempo o Corpus Christi é celebrado no primeiro domingo após o dia exato da solenidade, que sempre cai em uma quinta-feira.

Vaticanista prevê pontificado sem solavancos nem radicalismos

O vaticanista Andrea Gagliarducci diz que precisamos resistir à tentação de ficar passando no microscópio todas as falas e atitudes de Leão XIV em busca de sinais de continuidade ou ruptura com Francisco. Escrevendo em seu site Vatican Monday, ele afirma que, para levar adiante a missão de fortalecer a unidade da Igreja, Leão XIV pode escolher bispos e cardeais de perfis diferentes entre si para os cargos mais importantes da Cúria, como aliás vários antecessores seus fizeram – Gagliarducci cita o cardeal brasileiro Cláudio Hummes, que Bento XVI escolheu como prefeito da Congregação para o Clero apesar de Hummes ser visto como mais “progressista” e defender a flexibilização da regra do celibato sacerdotal. “Não existe uma maioria e uma oposição. O papa Leão fará o que os papas sempre fizeram, chamando ao seu redor pessoas de diferentes orientações em um esforço de equilibrar as várias posições na Igreja”, diz o vaticanista.

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