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Uma das tiradas da sabedoria popular romana a respeito dos papas é aquela segundo a qual “o papa está sempre bem, até que esteja morto”, indicando uma tendência do Vaticano de esconder a agonia de um pontífice até que ele faleça – desconsiderando, claro, os casos em que a morte é realmente súbita, como a do Bem-Aventurado João Paulo I. Vamos admitir que, sendo verdade o dito popular, mais recentemente tivemos uma mudança considerável com os momentos finais de São João Paulo II, ainda que o Vaticano tenha demorado um tempo razoável para admitir que o papa sofria do Mal de Parkinson, algo que era perceptível a muita gente. Mas, quanto à saúde do papa Francisco e sua internação atual, ninguém pode reclamar.
Já no dia 14, quando ele foi internado, o boletim vespertino da Sala de Imprensa falava em febre. Depois, a febre passou, mas veio a “infecção polimicrobiana das vias respiratórias”, no boletim matutino do dia 17. No dia seguinte, o Vaticano informou que o papa estava com uma “pneumonia bilateral”. Quando parecia que o papa estava se recuperando, vieram a anemia, a queda no número de plaquetas no sangue, com a necessidade de transfusão, e a crise asmática de longa duração, tudo isso informado pelo Vaticano no último sábado. No domingo, outra novidade: as crises respiratórias tinham passado, mas havia uma insuficiência renal leve. Na sexta-feira, os médicos que cuidam do papa deram uma entrevista coletiva e explicaram o quadro que se verificava até então. A entrevista aconteceu antes da anemia, da crise asmática e da insuficiência real, em um momento no qual o papa parecia estar evoluindo. Mesmo assim, ninguém dourou a pílula e todos admitiram que Francisco não estava fora de perigo.
Transparência é algo bom em si mesmo, mas ela é ainda mais necessária diante da enxurrada de sensacionalismo nas mídias sociais
O estilo dos comunicados da Santa Sé sobre a saúde do papa me agrada. Dá a informação de forma objetiva, usa termos técnicos se for necessário, em nome da precisão, e não fica elaborando demais. Também não é nada invasivo em relação à privacidade do papa. Não temos fotos ou vídeos dele no quarto – eu vi fotos de Francisco com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que o visitou no hospital, mas me parece que são de ocasiões anteriores – e, convenhamos, ninguém precisa disso mesmo. Transparência e respeito com o bilhão de católicos que esperam notícias de seu líder espiritual são coisas boas em si mesmas, mas a abordagem do Vaticano ainda tem uma outra vantagem.
Da última vez que tivemos um papa reinante gravemente doente (não estou falando, portanto, dos momentos finais de Bento XVI, em 2022), ainda não havia smartphones, e as mídias sociais estavam em sua pré-história. Sensacionalismo, esse sim já havia, mas seu alcance era muito mais limitado. Hoje, qualquer engraçadinho à busca de cliques consegue audiência global em minutos usando a saúde do papa. No dia 17, recebi uma enxurrada de prints de um tal Giornale d’Italia (que nunca havia visto antes) dizendo que a morte do papa era iminente e ele já havia até recebido os últimos sacramentos. Ontem, dia 24, foi a vez de um site tradicionalista citar “fontes confiáveis do Gemelli” (o hospital onde o papa está) para dizer que Francisco só tinha no máximo 72 horas de vida – isso já foi replicado por outros sites como o LifeSiteNews.
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Ainda estamos dentro das tais 72 horas, e é claro que tudo pode acontecer nesse intervalo. Estamos falando de um idoso de 88 anos que, desde sua internação, está às voltas com problemas em vários órgãos e no sangue. Se Francisco de fato falecer até quarta, nunca saberemos se os responsáveis por divulgar aquilo realmente tinham boas fontes, ou se apenas deram sorte na adivinhação. Mas o que realmente ganha quem fica apostando no sensacionalismo do “Francisco morto amanhã”? Vale mesmo a pena, pelo engajamento momentâneo? O pior é que há quem ache que sim, vale. Eu fico com a informação mais confiável. E, enquanto isso, sigamos fazendo o que é obrigação de todo católico neste momento, que é rezar por Francisco.








