Opinião

Um ano brigado com o calendário

24/06/2022 17:15
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Em 2022, o calendário não pegou. Carnaval, houve dois. Um na folhinha e outro nas cidades que brincam o carnaval. Em Curitiba, não houve nenhum, o que não é surpresa, mas é triste.
Aquele clichê “no Brasil, o ano começa depois do carnaval” ficou prejudicado. O que é muito bom porque clichês deveriam ser todos extintos. Este que acabei de citar, por exemplo, se aplica a quem? Para a maioria de nós, o ano recomeça toda segunda-feira. No caso de 2022, o ano se iniciou em datas diferentes para cada pessoa. Teve quem saiu para a rua depois da quarta dose de vacina, tem quem ainda sonde o mundo pela janela e quem, claro, siga o calendário oficial.
Início do ano escolar, houve vários. Cada vez que converso com um universitário, demoro um pouco para entender de que ano letivo ele está falando: 2021, 2022 ou 2021/22? Teve estudantes em férias em maio, tem estudantes em férias em junho. Em julho, vai dar para viajar com as crianças?
Já estamos na metade do ano e ainda não fiz nada! Esse desabafo se repete todos os anos, inclusive neste em que o calendário é uma abstração, uma tentativa de colocar a vida nos eixos depois de dois anos fora dos eixos. O calendário pode falhar, mas não o tempo. Se liga, daqui a pouco 2022 acaba!
Lá no início do texto, falei da folhinha. Folhinhas não existem mais. Mas conheço três pessoas que, todo início de ano, procuram por uma. Folhinha é como se convencionou chamar o calendário de parede que consistia em duas partes: uma base de cartolina mais grossa onde estava impresso o nome do patrocinador e um bloquinho pequeno com todos os dias do ano. A cada dia, arrancava-se a folhinha do dia anterior e o bloquinho ia emagrecendo.
Folhinha... O nome é simpático, gostoso de falar, e virou sinônimo de todo tipo de calendário de parede e de mesa. Era um recurso muito útil, que algumas pessoas usavam como agenda, anotando os compromissos com letra miúda ao lado dos números. A folhinha é mais um objeto tornado obsoleto pelo celular. Assim como o despertador, os relógios de parede, as agendas e os radinhos de pilha, ela desapareceu. Quase ninguém lamentou o fim da folhinha, apenas o Manoel, a Rosy e o Gerson. A Rosy utilizou por anos as folhinhas de uma distribuidora de cereais instalada perto do Mercado Municipal. Fim de dezembro, naquela semana morta entre o Natal e o Ano Novo, Rosy telefonava para saber quando a nova edição ia chegar. A cada ano, as 12 folhas traziam novas ilustrações: criancinhas rosadas em fotos dos anos 50, gatinhos em duplas ou trios, paisagens dos Alpes. Mas 2022 não teve folhinha. Nem em dezembro nem nunca mais.
O cerealista comunicou que abandonou o brinde que dava para a clientela. Para ele, uma despesa a menos. Para a Rosy, uma perda desconcertante. Ciente de que era um hábito de décadas que se tornara inviável, uma amiga muito dedicada fez um calendário de parede e mandou imprimir. Números grandes, papel de qualidade. Só não tinha ilustração. Rosy morreu no início do ano, aos 95 anos. Portanto, a folhinha de 2021, a que trazia cachorrinhos de olhos grandes dentro de cestas de vime, foi a última que usou.
O Manoel e o Gerson se habituaram a um calendário de mesa que era distribuído pela Caixa Econômica Federal. Bem simples, poucas cores, sem gravuras. Foi pensado para repousar ao lado do telefone sobre a mesa de trabalho dos clientes, discretamente. Manoel insistiu em entrar em agências e perguntar do calendário. Não encontrou. Ofereci alternativas, mas o caso dele é complicado: não basta querer um objeto em extinção (o calendário de papel), ele quer o da Caixa Econômica Federal! Mesma situação vive o Gerson. Um amigo nosso, o Silveira, que trabalha no Centro, fez a via crucis das agências e conseguiu um raro exemplar. Portanto, caso raro, para ele o ano de 2022 segue o calendário.