
Quem lê e escreve com autonomia sabe que a coesão não acontece por acaso. É preciso mobilizar recursos coesivos para marcar o terreno da clareza, da concatenação das idéias. Conjunções, pronomes relativos, preposições, locuções e a pontuação fazem um quinteto poderoso na elaboração de um texto conciso e de fácil compreensão – e o leitor mais experiente, egresso das boas e precisas orientações escolares, compreende muito bem a importância desse conhecimento à prática efetiva da leitura e da escrita.

Escrever bem exige concatenação das idéias
Para avivar, entretanto, a memória escolar do meu interlocutor mais jovem segue abaixo uma listinha de ajuda certeira. É uma sinopse dos mecanismos de coesão textual oferecidos pelos operadores coesivos (aqui formados por conjunções, locuções e preposições) e as finalidades de uso, tanto nas situações da oralidade quanto nas da escrita – e se você, meu querido, prestar bem atenção verá que os utiliza com inconsciente regularidade.
> Indicadores de oposição, contraste e adversidade: mas, porém, todavia, entretanto, no entanto, embora, contra, apesar de, não obstante, ao contrário, etc.
> Indicadores de causa e conseqüência: porque, visto que, em virtude de, uma vez que, devido a, por motivo de, graças a, em razão de, em decorrência de, por causa de, etc.
> Indicadores de finalidade: a fim de, afim de que, com intuito de, para, para a, para que, com objetivo de, etc.
> Indicadores de proporção: à medida que, à proporção que, ao passo que, tanto que, quanto, tanto mais, a menos que, etc.
> Indicadores de tempo: em pouco tempo, em muito tempo, logo que, assim que, antes que, depois que, quando, sempre que, etc.
> Indicadores de condição: se, caso, contanto que, a não ser que, a menos que, etc.
> Indicadores de conclusão: portanto, então, assim, logo, por isso, por conseguinte, pois, de modo que, em vista disso, etc.
Ainda ontem um dos meus novos alunos mostrou uma redação feita no cursinho. Meu colega corretor apontava incisivamente as dificuldades de coesão, porém dada a contingência (o corretor apenas corrige, mas quem orienta é o professor, sempre em sala de aula) o jovem Bruno não sabia como sanar suas dificuldades. Levantar a voz em meio às centenas de alunos em um cursinho pré-vestibular não é moleza – e o estudante preferiu tirar as dúvidas comigo, uma vez que trabalho com pequenos grupos de vestibulandos.
Estabelecer sentidos a partir do que se diz ou se escreve é fundamental, mas muita gente relega ao segundo plano as informações teóricas sobre o idioma nacional. Coisa triste, lamentável, porque, além de falar com incompletudes as frases, os períodos, os parágrafos e os textos têm aparecido com graves lacunas de coesão. Tenho sempre uma dica infalível para quem sofre desse mal: primeiramente pensar de modo organizado sobre o que se pretende expressar( um plano/roteiro), depois estabelecer a concatenação necessária em um rascunho. Os mecanismos acima entram em cena para resolver a parada ligada à coesão.
Quer examinar comigo um parágrafo bem escrito? Eu o li há pouco – e se ficar curioso para saber o final aqui vai a dica: está no livro Narrativas de um correspondente de rua , do jornalista Mauri König, lançado ontem à noite, na Fundação Cultural de Curitiba. O excerto abaixo está à página 129.
“ O preço da inocência
Qual o preço da infância? Pode custar um par de sapatos em São Borja, um quilo de farinha em Ponta Porã, um pirulito em Foz do Iguaçu, um pastel em Ciudad del Este, ou um prato de comida em Puerto Suarez. São valores estabelecidos não sob a lei econômica da oferta e da procura, mas no território da exploração sexual de crianças e adolescentes, um dos crimes mais combatidos em todo o mundo. Ao longo de 7 mil quilômetros da fronteira do Brasil com o Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia, graças à falta de repressão policial e controle migratório, tornou-se um negócio rentável que ignora a idade, o sexo e a nacionalidade das vítimas.”
Observe a clareza e a escolha do conectivo MAS para intensificar a idéia de oposição, assim como o uso de ISTO É para marcar a idéia de explicação no excerto de O texto escrito, da lingüista da Unicamp Regina H. de Almeida Durigan, em A magia da mudança, cuja contribuição tem sido um apoio poderoso às minhas oficinas de leitura e escrita.
“(…) No interior de um texto devem existir elementos que estabeleçam uma ligação entre as partes, isto é, elos significativos que confiram coesão ao discurso. Considera-se coeso o texto em que as partes referem-se mutuamente, só fazendo sentido quando consideradas em relação uma com as outras.”
Sugestão de escrita:
Elabore parágrafos sobre temas diversos e que privilegiem o aparecimento dos seguintes conectores: no entanto, a não ser que, graças a, apesar de, assim, a fim de, ou seja, embora. Aproveite para expressar os seus sentimentos, através de períodos bem concatenados, acerca do trágico acidente ocorrido hoje com o avião da Companhia Spanair, no aeroporto de Barajas, em Madri, capital da Espanha.
Até a próxima!



