No planeta das cidades

Qual o papel das cidades para promover a paz?

23/06/2023 15:36
Thumbnail

Desenho de Jonas Rabinovitch: “O Descanso da Paz”. | Jonas Rabinovitch

Uma das missões mais difíceis que tive foi apoiar cooperação técnica entre cidades palestinas e cidades israelenses em 2005. Por iniciativa do governo holandês e associação holandesa de cidades, organizamos um simpósio em Haia com 20 prefeitos israelenses e 20 prefeitos palestinos. Eu trabalhava como responsável pela área de inovação e desenvolvimento urbano da ONU, em Nova York.
Os prefeitos dos dois lados começaram concordando num ponto importante: “99% das pessoas em nossas cidades querem paz”, afirmaram. O problema estava, naturalmente, no 1% de radicais que existem nos dois lados. Sugeri que deveríamos trabalhar pragmaticamente com os 99% e não com esse 1%. O Simpósio identificou desafios comuns e apontou algumas possíveis soluções.
Houve apenas um momento de tensão. Na fotografia final do grupo, os prefeitos palestinos posaram com um xale ilustrado com um desenho da mesquita Al-Aqsa e a legenda em árabe: "Jerusalém é nossa". Os prefeitos israelenses, que entendem árabe, se recusaram a entrar na foto. Tivemos que fazer uso da imparcialidade das Nações Unidas para solicitar educadamente aos prefeitos palestinos que retirassem o xale para evitar mensagens políticas na foto oficial. Eles concordaram.
Pouco depois, em Nova York, uma surpresa: o diretor do Programa de Assistência ao Povo Palestino, Tim Rothermel, um excelente profissional, me ligou e disse: “Jonas, queremos você em Ramallah para ajudar num plano de desenvolvimento local.”
Respondi: “Tudo bem. Mas, Tim, meu nome é Rabinovitch.” Um sobrenome obviamente judaico.
Ele riu e disse: “Você é o melhor que nós temos. Eles sabem que você vai lá para ajudar.”
Jerusalém e a Al-Aqsa, a mesquita de cúpula dourada.
Jerusalém e a Al-Aqsa, a mesquita de cúpula dourada.
Assim eu acabei indo a áreas ocupadas por Israel na chamada Cisjordânia, onde nem os israelenses são permitidos por razões de segurança. Cheguei lá pouco depois da visita do craque Ronaldo e comecei dizendo três coisas: 1) Tive uma infância muito infeliz no Brasil porque sempre fui um péssimo jogador de futebol. Eles riram.2) Sou brasileiro, mas não tão rico nem famoso como o Ronaldo. Eles riram mais ainda. 3) Não sou político e não estava ali para prometer nada, mas para trabalhar com eles. Aí eles ficaram muito sérios e abriram o coração. Alguns me disseram pessoalmente: “uma pena que haja muita corrupção por aqui”.
Eles me receberam muito bem com um almoço típico em uma tenda beduína. Outros organizaram uma conversa com as primeiras mulheres vereadoras eleitas por voto direto. Olhei muita gente dentro dos olhos e não vi terroristas, mas pais e mães de família.
Minha visita coincidiu com a devolução da faixa de Gaza por Israel aos palestinos. Os israelenses a favor usavam camisas listradas de azul e branco. Os israelenses contra usavam camisas laranja. Eu tinha uma camisa laranja e uma camisa listrada de azul e branco na mala. Não usei nenhuma das duas.
Eles priorizaram quatro áreas no projeto: desenvolvimento local, meio ambiente, juventude/cultura e administração pública. O projeto foi aprovado e financiado. Foram feitos alguns acordos com prefeitos israelenses, alguns até secretos.
Os palestinos me mostraram o muro erguido por Israel e lamentaram a opressão militar vinda do outro lado. Os israelenses me mostraram o muro que tiveram que erguer e lamentaram o terrorismo e homens-bomba vindos do outro lado. Eu apenas abri o coração: “meu maior sonho é voltar aqui um dia e concluir que não precisamos mais de muros entre os povos”.