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Paulo Briguet

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“O Paulo Briguet é o Rubem Braga da presente geração. Não percam nunca as crônicas dele.” (Olavo de Carvalho, filósofo e escritor)

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A voz de Léo Batista e o menino que “matou” Ayrton Senna

Léo Batista noticiou a morte de Ayrton Senna em 1994. (Foto: Reprodução/YouTube/Acervo Soturno)

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Sim, eu sei que todo mundo quer falar do Trump. Mas hoje peço licença aos meus sete leitores para não falar em política e homenagear uma figura que marcou minha vida desde pequeno com sua voz e sua alegria. 

Refiro-me ao apresentador Léo Batista, que morreu neste domingo (19), aos 92 anos. Léo Batista era um nome artístico; seu nome de pia era João Baptista Bellinaso Neto, um menino nascido em 22 de julho de 1932, em Cordeirópolis, no interior de São Paulo, onde atuou como locutor de um serviço de alto-falantes de um primo, inicialmente contra a vontade do pai, um italianão das antigas, dono de pensão. 

A história do seu nome é engraçada: herdou-o de uma irmã, Leonilda, que detestava o nome completo e exigia ser chamada de “Nilda”. O irmão mais novo gostava da sonoridade do “Léo”, pegou-o emprestado da irmã e nunca mais devolveu.

Desde a infância, Léo Batista era para mim sinônimo de alegria, simpatia, festa e gol. Lembro-me de chegar da escola, em Araçatuba (cidade em que ele estreou narrando futebol), e ligar a TV Philco Hitachi (que só pegava cinco canais) para assistir ao Globo Esporte. Aracy chamava para o almoço, e eu respondia:

— Mãe, peraí, só tô vendo os gols do Palmeiras!

Confesso que nem sempre os gols eram do Palmeiras; meu time não andava bem das pernas nos anos 80. Mas, mesmo que fossem gols de outros times, a voz era quase sempre do Léo. Ah, e eu também amava ouvir o tema do Esporte Espetacular, programa apresentado pelo Léo nos finais de semana.

Mas nem sempre Léo Batista transmitia notícias alegres.

Personagem do século XX, um dos séculos mais trágicos da história, ele também noticiou fatos históricos como as mortes de Getúlio Vargas (pelo rádio) e de Ayrton Senna (pela televisão)

Todo mundo que tem mais de 40 anos se lembra onde estava naquela manhã de 1º de maio de 1994. Eu estava em meu apartamento na Rua Cacilda Becker quando ouvi claramente a voz tão familiar de Léo Batista anunciar a confirmação da morte cerebral de Senna, em decorrência dos ferimentos do desastre na curva Tamburello, em Ímola. Era algo tão grave e inesperado que Léo se viu obrigado a repetir a informação:

— Ayrton Senna está morto.

Foi uma das únicas vezes em que Léo apareceu na TV sem sorrir.

Éramos então um país sofrido, mas ainda inocente. Aquelas palavras calaram fundo em nossa alma, revelando a duríssima realidade em que estamos mergulhados. Não havia sorriso, mas um silêncio. E uma tomada de consciência: nunca mais seríamos os mesmos.

Na tristeza e na alegria, Léo nos acompanhou, nos informou, nos divertiu. 

Desde que eu me entendo por gente, ele era o mesmo Léo Batista: aquele tio que encontramos nas festas da família e conta histórias antigas que até já ouvimos outras vezes, mas nunca deixam de ser interessantes e curiosas.

Naquele ano de 1994, o Brasil ganhou o tetra, após 24 anos de espera, e Léo também comemorou (ele que cobriu inacreditáveis 19 Copas do Mundo, desde 1950!). 

Ao final do ano, houve eleições, vencidas por Fernando Henrique Cardoso, na esteira do Plano Real. Mas fiquem tranquilos: conforme prometido, não vou falar de política. Quero encerrar a coluna de hoje com uma pequena história que fala de algo muito diferente.

Naquele fatídico domingo, 1º de maio de 1994, Marquinhos, um menino de 10 anos, dormia na casa da avó. Pouco antes das 10 horas, a avó bateu na porta do quarto do neto e disse:

— Marquinhos, vamos pra igreja!

O menino escutou perfeitamente o chamado, mas fingiu que estava dormindo.

Instantes depois, a avó insistiu:

— Marquinhos, tá na hora da igreja!

E o menino continuou “dormindo”.

Assim que ouviu o barulho da porta da sala — sinal de que a avó decidira ir sozinha à igreja — o menino deu um pulo na cama e ligou a televisão. Pouquíssimo tempo depois, ele viu a batida na Tamburello e a voz preocupada de Galvão Bueno:

— O Senna bateu forte.

O resto da história vocês, sete leitores, já sabem: Léo Batista anunciou a morte de Senna e o Brasil chorou.

Marquinhos — hoje o professor de história Marcos Ursi — contou-me essa história dois dias antes da morte de Léo Batista e confessou-me que durante muito tempo sentiu remorso, em seu coração de menino, por não ir à igreja naquela manhã. Ele achava que Senna havia morrido por sua causa.

Éramos inocentes, Marcão. Acredita que votei no Lula naquele ano? Mas Deus perdoa os corações de menino e os meninos de coração, meninos grandes semelhantes a você e ao nosso querido Léo.

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Conteúdo editado por: Aline Menezes

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