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Paulo Briguet

Paulo Briguet

“O Paulo Briguet é o Rubem Braga da presente geração. Não percam nunca as crônicas dele.” (Olavo de Carvalho, filósofo e escritor)

Olavo’s Day

Meu irmão, o Perdão (uma crônica para Olavo de Carvalho)

Olavo de Carvalho e sua esposa Roxane na Virgínia. (Foto: Mauro Ventura/Reprodução/Arquivo pessoal)

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“O perdão é a própria base da constituição do universo. Se não houvesse o perdão, nós não existiríamos, o universo não existiria, nada existiria”. (Olavo de Carvalho)

Querido Olavo,

Nesta terça-feira, você completaria 78 anos. Então reunimos alguns dos seus mais queridos amigos para celebrarmos o Olavo’s Day (29 de abril, data do seu aniversário).

Em agradecimento a tudo que você me ensinou, ofereço-lhe esta crônica que fala sobre um dos conceitos centrais de sua obra: o perdão.

***

Quando eu morava no apartamento da Rua Cacilda Becker, não importando se o momento era de alegria ou dor, costumava abrir a janela do meu quarto e contemplar o céu de Londrina. Mantive o hábito depois que me mudei, já casado, para o meu lar de agora, na rua da Madre Leônia, a santa de Londrina. Ontem e hoje, vejo o horizonte da minha cidade com a mesma comoção, um amor que chega a doer. No céu, estão as estrelas. No chão, estão os filhos das estrelas. Cada luz na cidade é também o meu horizonte de consciência.

O Perdão me olhava com os olhos de Pai e Mãe. Ele era meu ar e minha água, meu pão e meu vinho. Ele era minha salvação

Mas o que eu procurava no céu? Aquele que ainda procuro: meu irmão, o Perdão. Eu já o procurava desde muito antes de vir para Londrina, há quase 40 anos. Quando aqui cheguei, trouxe na mala dois livros de meu pai: Guerra e Paz e Trópico de Câncer. À noite, antes de dormir, eu me revezava na leitura desses dois romances tão diferentes e tão surpreendentes. Passava dos dramas de Pedro Bezukhov na invasão napoleônica da russa ao amigo indiano de Henry Miller que desconhecia a função do bidê; do incêndio de Moscou às noites boêmias de Paris; da morte do príncipe André à morte de um pobre revisor de jornal no poço de elevador. Em todos os cenários, e no cenário de Londrina, eu buscava aquele que me salvaria: o Perdão.

Não sei se vocês, meus sete leitores, já perceberam, mas Adão não pediu Perdão. Mesmo assim, foi perdoado. Eu não havia pensado nisso quando percorria os bares dos homens e os apartamentos das mulheres em busca de alguém ou alguma coisa que eu não sabia o que era — entretanto era ele, o Perdão. Não a desculpa, não a condescendência, não o esquecimento puro e simples, mas algo que apagasse a dor nascida antes de mim.

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O Perdão era minha guerra, era minha paz; meu Trópico de Câncer e de Capricórnio; meu hemisfério norte, meu hemisfério sul, meu Equador, meu paralelo, meu meridiano, minha altitude, minha longitude. Era minha Lua cheia e minha Estrela D’Alva. O Perdão era minha bússola, meu astrolábio, minha lanterna no meio da escuridão. Era a certeza de que apenas era um sonho quando despertamos do pesadelo. O Perdão me observava do altar, do sacrário, da cruz. O Perdão me olhava com os olhos de Pai e Mãe. Ele era meu ar e minha água, meu pão e meu vinho. Ele era minha salvação.

Perdoar é perder o ar; é esvaziar-se de si mesmo para que entrem a fé, a esperança, o amor. Adão não pediu Perdão, mas os filhos de Adão precisam se arrepender. Só é perdoado quem se arrepende, e só se arrepende quem perdoa. Contra essa lei inescapável, que equilibra a justiça e misericórdia de Deus sob o mesmo paradoxo, quase não há exceção. Tudo que existe continuará existindo pela eternidade — exceto os nossos pecados. Para isso, basta dizer uma palavra, e ele surgirá. Surgirá como uma pessoa que você nunca viu mas de quem sente uma inexplicável saudade. Virá como um velho amigo que acabou de fazer aniversário; virá como uma criança amada e que hoje volta a nascer; virá como o próprio Anjo Anunciador para a virgem de Nazaré. É teu irmão, o Perdão. Esse que une todos os homens e todas as vidas e todos os tempos. Perdão, meu irmão, milagre maior que todas as estrelas.

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