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“Tem piedade de mim, ó Deus, segundo a tua misericórdia; segundo a multidão das tuas clemências, apaga a minha iniquidade.”
(Salmo 50)
No caminho para o Santuário, que fica a alguns passos de minha casa, vi os corpos mutilados e o sangue bebido pela terra. Vi as milícias que se aproximavam dos vilarejos, gritando e atirando: “Allahu Akbar!”. Vi as meninas sendo arrancadas de suas famílias para sempre. Vi os homens degolados. Vi as mulheres violentadas. Vi as crianças chorando e os velhos, de olhos vidrados, um minuto antes de entrarem na eternidade.
Vi um padre recusando-se a ajoelhar diante de seus algozes: “Eu só me ajoelho diante do Senhor”. Vi o massacre que se repete a cada dia, acumulando corpos, lágrimas, fel e sangue. Por fim, vi a Igreja em chamas. Vi ― e está visto. O que aconteceu não pode ser desfeito. Está na ordem do real.
Há quase 30 anos, vi a Igreja incendiada em Mariana. Até aquele momento, considerava-me um ateu. Quando olhei para o templo arruinado pelo fogo, do qual exalava um fortíssimo cheiro de devastação; quando contemplei as paredes calcinadas, as vigas carbonizadas e o teto inexistente; quando testemunhei a destruição causada pelo recente sinistro ― só pude ouvir minha voz dizendo para mim mesmo:
― Esta é a minha alma.
Sim, aquela Igreja incendiada era a imagem perfeita do que eu vinha fazendo comigo mesmo desde o final da infância, ao separar-me de Jesus Cristo e recusar a mão estendida de Nossa Senhora.
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Dias antes, eu havia me recusado a entrar em uma antiga mina do Chico Rei, em Ouro Preto. Aleguei claustrofobia; na verdade, o que eu tinha era medo do Inferno: temia que as velhíssimas paredes da mina desabassem para sepultar minha multidão de pecados. Talvez o próprio Chico Rei ficasse zangado com a presença de um pecador em suas possessões.
Mas a mina era só um prenúncio. Diante da Igreja incendiada, começaram a soar em meu peito, como em um coro angelical, as orações de meus antepassados. Ouvi a voz de meu bisavô francês, obrigado a deixar todos os bens da família para trás durante a guerra e fugir para o Brasil. Ouvi a voz de meu bisavô português, deixado sozinho no Brasil aos sete anos de idade, tendo apenas por companhia o irmão de dez.
Ouvi a voz de minha bisavó espanhola, rezando à margem do Mar Menor, em Múrcia. Ouvi a voz da Mãe Mulata, minha bisavó descendente de índios e benzedeira. Ouvi a multidão dos antigos, de quem herdei a fé e o medo, a esperança e a angústia, o amor e a morte. Ouvi as preces de minha mãe e de minha avó, que então ainda soavam.
Pai nosso, que estais nos céus, santificado seja o vosso nome... Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco... Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo... Descobri que todas as orações do passado ainda habitavam meu coração.
Até hoje não sei qual foi a causa do incêndio na Igreja de Mariana. Mas, quando vejo agora a Igreja em chamas em algum lugar do mundo ― os templos destruídos e os corpos mutilados na Nigéria ― percebo que ainda estão soltos os demônios que me escravizaram durante tanto tempo. E peço a Deus que tenha misericórdia do mundo que silencia diante do mal.
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