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Em 1917, quando Nossa Senhora apareceu em Fátima e afirmou que a Rússia poderia espalhar seus erros pelo mundo, caso não fosse consagrada a Seu Imaculado Coração, a menina Lúcia achou que ela estava se referindo a alguma mulher malvada residente na aldeia próxima.
Os três pastorzinhos portugueses nem sonhavam que a “bela senhora” estivesse falando do imenso país situado a milhares de quilômetros, no outro lado da Europa, cujo destino iria selar o destino da humanidade.
No mesmo ano das aparições em Fátima, como se sabe, estourou a revolução comunista na Rússia. E algum tempo depois, na imensa nação eurasiana, um poeta chamado Vladimir Maiakovski escreveu os seguintes versos: “Nos demais ― eu sei, qualquer um sabe ― o coração tem domicílio no peito. Comigo a anatomia ficou louca. Sou todo coração”.
É surpreendente que Maiakovski, ícone da poesia revolucionária, tenha dado uma definição perfeita do Cristianismo. Ser todo coração é um ideal para quem segue Jesus neste mundo.
Se a cruz é o centro da história, a lança que corta o Coração de Jesus, fazendo jorrar sangue e água, vem a ser um dos pontos culminantes da revelação. Esse coração traspassado pela lança é a imagem da existência humana sobre a Terra.
Jesus, tal como a túnica inconsútil que o envolvia, é indivisível. Isto significa que não podemos prestar culto ao Sagrado Coração sem, ao mesmo tempo, adorar a Deus na totalidade.
Coração, como se sabe, vem do latim cor, que quer dizer centro. Ele nos remete à centralidade de Deus que vem socorrer o homem situado entre o infinitamente grande (das galáxias a milhões de anos-luz) e o infinitamente pequeno (das partículas elementares).
O Coração é a nossa tábua de salvação no naufrágio da existência, o desamparo que Pascal soube questionar até o paroxismo: “Afinal, que é o homem dentro da natureza? Nada em relação ao infinito; tudo em relação ao nada; um ponto intermediário entre tudo e nada. Infinitamente incapaz de compreender os extremos, tanto o fim das coisas como o seu princípio permanecem ocultos num segredo impenetrável, que é-lhe igualmente impossível ver o nada de onde saiu e o infinito que o envolve.” (Pensamentos, II, 72)
O fato de Jesus ser todo coração traz-nos consolação para os nossos padecimentos diários. O coração do brasileiro nos últimos tempos vem sendo flagelado, ferido, torturado e sangrado sem dó
O egoísmo daqueles que perderam a dimensão da vida sagrada; a aniquilação da moralidade e o triunfo do mal; as crescentes dificuldades materiais para a sobrevivência; os apelos da ideologia e abusos do poder político; as perseguições movidas contra a família, a infância, a inocência; a desconsideração pelo vínculo entre verdade, beleza e justiça ― tudo isso fustiga o coração da cristandade não apenas nos limites de nossa aldeia, mas em todo o planeta.
Entre o cristãos perseguidos no primeiro século e as vítimas do martírio moderno (como os reféns do 8 de janeiro), há uma conexão, um ecumenismo de sangue que nos leva a dizer, suplicantes, à procura de uma resposta: ― O nosso coração está em Deus!
Entregar o coração a Deus, porém, não é uma coisa trivial. O livro do Gênesis conta que Deus fez a Abraão um terrível pedido: sacrificar seu amado filho Isaac.
No último instante, quando Abraão já havia erguido a faca para imolar o garoto, Deus ordena que ele pare: “Não estendas a tua mão contra o menino e não lhe faças nada. Agora eu sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu próprio filho, teu filho único”. (Gn 22,12).
Abraão já havia provado sua fidelidade. Um cordeiro preso pelos chifres numa moita de espinhos é oferecido em sacrifício no lugar de Isaac.
A passagem do sacrifício de Abraão carrega uma verdade oculta e ainda mais avassaladora: aquele cordeiro era Jesus. Deus compadeceu-se de Abraão e Isaac, mas ofereceu seu próprio filho em sacrifício pela salvação da humanidade.
Quão grande terá sido a angústia do Pai ao entregar o Filho para a mais abominável e dolorosa morte? A imaginação humana, mesmo a de um Beethoven, os Sófocles são incapazes de vislumbrar até mesmo uma parte deste infinito mistério.
Às vezes somos privados da luz que emana da Páscoa. Quando vemos o triunfo do mal e o domínio da injustiça, a nossa tendência é desistir de tudo e parar de lutar.
Mas não é comodismo e capitulação o que Deus espera de nós. O Sermão da Montanha nos ensina que devemos voltar a outra face àqueles que nos fustigam.
O que Jesus quis dizer com isso? Certamente Ele não pretendeu defender a ausência de reação contra o mal. O ponto aqui é outro: a nossa reação ao mal deve ser qualitativamente diferente da ofensa recebida.
Jesus foi injustamente condenado, flagelado, e coroado com espinhos; teve de carregar sua cruz até o alto de uma colina, onde foi morto ao lado de dois ladrões.
A Ressurreição, ocorrida 40 horas após esses acontecimentos cruéis, foi a resposta mais inesperada e sublime ao crime do qual o próprio Deus fora vítima. Da pior injustiça cometida em toda a história, veio o mais perfeito bem: a salvação eterna.
E isso aconteceu justamente porque Ele é todo coração. Volto aqui a Maiakóvski, em versos estranhamente (e belamente) cristãos: “Então, de todo amor não terminado seremos pagos em inúmeras noites de estrelas. Ressuscita-me!”
Recordando as palavras do poeta russo, peçamos, também, que Jesus ressuscite o nosso coração a cada momento.
Uma feliz e abençoada Páscoa a você e sua família!
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Conteúdo editado por: Aline Menezes




