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Tantos lugares não existem mais!
Não existe mais a quitanda do Seu Duílio, nem a oficina do Seu Briguet, pintor de carros e juiz aposentado da Federação Paulista de Futebol. Quando ia à quitanda do Seu Duílio junto comigo, Seu Briguet passava em um bar que também não existe mais, na rua da Casa Mário de Andrade. Não lembro como se chamava o dono desse bar, mas me recordo perfeitamente do cartaz em que se lia: "FIADO SÓ AMANHÃ".
Sempre que voltávamos da quitanda e do bar, Seu Briguet me comprava um punhado de Balas Chita. E eu ficava pensando em quem seria esse tal de Fiado que só vinha amanhã, e o amanhã nunca chegava.
Não existe mais a República da Humaitá, 143. Nem sinal da gigantesca TV Telefunken, que mais parecia um armário, em que vimos a Copa de 1990. Muito menos o imenso e pesadíssimo sofá da sala, em que dormi e li literatura revolucionária tantas vezes, às vezes ao mesmo tempo.
Tampouco existe o quadro dos Ursinhos Carinhosos que decorava a parede, nem a fotografia de Trotsky ao lado da minha cama que um dia quebrou e foi substituída por um simples colchão.
Não se vê a churrasqueira de tijolos construída pelo Beto, nem os pedaços de cérebro que os alunos de Medicina guardavam na geladeira para estudar para a prova de anatomia, muito menos o pé de milho plantado por Dona Santina.
O que existe ali agora é um prédio de apartamentos; tudo que restou da antiga República é a pracinha dos ipês amarelos e o banco de pedra onde um dia eu chorei de dor de cotovelo antes de afundar as mágoas no Clube da Esquina — que também não existe mais.
Mas há lugares que permanecem, que nunca irão embora. Por exemplo, o Santuário da Mãezinha. Durante todos os fatos narrados acima, ele estava lá, em seu silêncio sereno de pedra e fé e esperança. Quisera tê-lo conhecido antes!
Nesta semana, fiz o que faço sempre: visitei o Santuário da Mãezinha, cujo nome completo é Santuário Mãe Esmagadora da Serpente. A pequena igreja de Londrina, construída em 1950, há alguns dias, comemorou o seu jubileu de ouro. Trata-se de uma réplica do Santuário Original de Schoenstatt — cuja história remonta à Idade Média.
Nas proximidades dos mosteiros medievais, era costume fazer um cemitério e uma capelinha dedicada a São Miguel Arcanjo, tradicional protetor dos campos-santos. Não se sabe exatamente quando a capelinha de Schoenstatt foi construída.
O primeiro registro que se tem da pequena igreja data de 18 de setembro de 1319, quando um benfeitor da região, Guda de Kastorf, doou à capelinha três vinhas para que o vigário tivesse melhores meios de sustento e pudesse ali celebrar a missa diária.
Justamente essa pequena igreja, onde não cabem mais de 30 pessoas, transformar-se-ia no primeiro Santuário de Schoenstatt, hoje presente em mais de 200 localidades nos cinco continentes, reproduzido em milhões de santuários-peregrinos e santuários-lar de todo o mundo, além da presença inumerável no coração dos fiéis católicos.
Mas oito séculos não se passam sem deixar marcas. Em 1633, durante a Guerra dos Trinta Anos, a capelinha foi destruída pelas tropas suecas. Seria reconstruída quase 50 anos depois, em 1681.
Antes disso, porém, o Mosteiro das Agostinianas havia passado por grandes crises. Em 1487, o local foi descrito em um documento interno da Igreja como “um velho mosteiro com uma disciplina totalmente degradada, liturgias descuidadas, edifícios e finanças em mau estado, totalmente estragados, penhorados, cheios de dívidas, de encargos e compromissos”.
Houve uma tentativa de recuperar o mosteiro, sob o comando da superiora Elisabeth Goitzmoitz, mas a vida nova durou pouco, por causa das guerras religiosas que abalaram a Europa nos séculos XVI e XVII, decorrentes da reforma protestante.
Em 1567, a comunidade das agostinianas estava reduzida a cinco conventuais e sete irmãs leigas. No inferno das guerras, muitas irmãs morreram por falta de cuidados com a saúde e perderam a confiança espiritual. Em 1567, as irmãs que restavam foram levadas para Coblença.
Durante muito tempo, Schoenstatt ficou deserto. A propriedade da área foi passando por várias mãos. Em 1812, a capelinha foi novamente destruída, desta vez na guerra com a França. Voltou a ser reconstruída em 1889. E passou a ser usada, não mais como local de celebração, mas como depósito de lenha.
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Nos meses de maio e outubro, porém, a família Dorsenmagen, que havia adquirido a propriedade de Schoenstatt, utilizava a pequena igreja para suas devoções particulares e colocava no altar, em meio à lenha e ao carvão, uma imagem de Nossa Senhora de Lourdes, cujas aparições foram registradas em 1858, na mesma França que havia destruído a capelinha 40 anos antes.
Em 19 de abril de 1901, o antigo mosteiro de Schoenstatt foi comprado pela Sociedade Missionária dos Palotinos. Os padres da Sociedade de São Vicente Pallotti criaram ali um seminário, que seria o limiar de um novo Schoenstatt. Isso porque em 1912 chegava ao seminário um jovem padre chamado José Kentenich, para assumir o cargo de diretor espiritual da instituição.
Kentenich trazia ideias muito originais e avançadas sobre os métodos de ensino, que para ele deveriam ser baseados na autoeducação e na liberdade de escolha. Ficaram célebres as suas palavras proferidas em 27 de outubro de 1912, quando anunciou aos jovens do seminário o seu programa de estudos e formação espiritual:
— Sob a proteção de Maria, queremos aprender a autoeducar-nos para sermos personalidades firmes, livres e sacerdotais. Queira o bom Deus dar-nos a sua bênção para a realização deste objetivo.
A personalidade e o exemplo do padre alemão José Kentenich (1885-1968) percorrerão todas as páginas da história que contamos. Figura central do nosso tempo, Kentenich fundou a Obra de Schoenstatt e, a partir da semente plantada na capelinha do século XII, faria florescer um movimento para mudar os destinos do mundo, criando “um novo homem na nova comunidade”.
Ninguém poderia imaginar que os destinos do mundo estivessem em jogo quando alguns jovens alunos do Padre Kentenich solicitaram à direção do Seminário Palotino para utilizar a capelinha como local de reunião.
Até pouco tempo antes, a antiga igrejinha dedicada a São Miguel vinha sendo usada como depósito de materiais de jardinagem. Agora, eles queriam fazer outro tipo de jardim. O jardim de Maria
Com a permissão concedida pelo reitor do seminário, os jovens puseram-se a trabalhar: fizeram uma limpeza total na capelinha, pintaram as paredes e enfeitaram o altar de São Miguel com flores do Reno.
No dia 18 de outubro de 1914, o Padre José Kentenich reuniu os alunos que haviam trabalhado na restauração da capelinha. É preciso lembrar que aqueles jovens estavam partindo para a Grande Guerra iniciada pouco tempo antes, e que seria o mais sangrento conflito bélico já visto pela humanidade até então. Alguns encontrariam a morte no campo de batalha; um deles se chamava José Engling.
Em suas palavras, Padre Kentenich destacou a necessidade de se travar uma luta espiritual pela salvação eterna. Após muita reflexão, convencido de que assim estaria atendendo aos desejos de Deus, propôs que a antiga capelinha fosse transformada em um lugar de peregrinação e fonte de graças, pela intercessão de Nossa Senhora. Disse o padre:
— Não seria possível que a capelinha de nossa Congregação se tornasse também o nosso Tabor, no qual se manifestam as magnificências de Maria? Sem dúvida, maior ação apostólica não podemos realizar, herança maior não podemos legar a nossos sucessores do que mover Nossa Senhora e Rainha a estabelecer aqui, de modo especial, o seu trono, a distribuir seus tesouros e a realizar milagres da graça. Pressentis o que viso: gostaria de transformar este lugar num lugar de romarias e de graças para nossa casa, para toda a província alemã, e talvez para mais além.
Alguns lugares ficam para sempre — e são eles que nos antecipam a visão do Céu.
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Conteúdo editado por: Aline Menezes




