Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Paulo Filho

Paulo Filho

Crise

A desconstrução da ordem pós-guerra: EUA, Rússia e a encruzilhada da OTAN

Trump afirmou nesta segunda que “não tolerará por muito mais tempo” a posição de Zelensky sobre um acordo de paz com a Rússia.
O bate-boca entre Trump e Zelensky, na Casa Branca, sinaliza crise entre EUA e Europa, colocando em risco a parceria transatlântica e a OTAN. (Foto: Jim Lo Scalzo/EFE/POOL)

Ouça este conteúdo

O bate-boca entre os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, além do vice-presidente americano, J.D. Vance, transmitido ao vivo para milhões de espectadores, já entrou para a história. Provavelmente será analisado no futuro como um marco das extraordinárias mudanças que o mundo vem presenciando desde que Trump assumiu a presidência dos EUA.

Zelensky viajou aos Estados Unidos na última sexta-feira (28) para se reunir com o presidente Trump. O objetivo era assinar um acordo que permitiria aos EUA explorar recursos minerais ucranianos, visando recuperar os bilhões de dólares enviados à Ucrânia ao longo dos três anos de guerra.

No entanto, a reunião resultou em um enorme fracasso. Em voz alta, J.D. Vance e Trump advertiram Zelensky de que ele “não possuía cartas” para fazer exigências e que “Putin quer um acordo, mas não sei se você (Zelensky) quer”. 

As coisas esquentaram quando Zelensky lembrou que a Rússia tinha um histórico de descumprir acordos e que, se isso ocorresse novamente, os reflexos poderiam afetar os próprios EUA. 

Trump e Vance afirmaram que Zelensky estava sendo ingrato e desrespeitoso, o que acirrou o clima e levou Trump a encerrar a conversa. Depois, em sua rede social, o presidente americano disse que Zelensky poderia voltar “quando estivesse pronto para a paz”. 

O líder ucraniano foi embora da Casa Branca sem assinar o acordo; a entrevista coletiva foi cancelada e Zelensky sequer provou a refeição preparada para um almoço que acabou não acontecendo.

Os líderes europeus imediatamente manifestaram apoio a Zelensky. Praticamente todos — com a única exceção da Hungria — reafirmaram seu respaldo incondicional à Ucrânia, cujo território foi invadido pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022. 

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, convidou Zelensky a ir ao Reino Unido, onde os principais líderes europeus da OTAN e da União Europeia se reuniram para discutir a questão ucraniana. Além disso, Starmer anunciou a concessão imediata de um empréstimo de 2,26 bilhões de libras (equivalentes a 2,84 bilhões de dólares) para que a Ucrânia adquira armas e munições.

O entrevero entre Trump e Zelensky na Casa Branca evidenciou a guinada de 180 graus na política externa que vinha sendo praticada pelos EUA nos últimos 80 anos

Os Estados Unidos se afastam da Europa e se aproximam da Rússia, colocando em risco a parceria transatlântica e a OTAN. 

Essa constatação atordoou os líderes europeus, que agora se veem na situação de ter que proteger a Ucrânia da Rússia sem o apoio norte-americano. Mais do que isso, constatam que podem estar sozinhos caso a Rússia resolva aproveitar a circunstância favorável para prosseguir seu avanço para o oeste, para além do território ucraniano.

A situação chegou ao ponto em que Elon Musk, figura cada vez mais influente no governo dos EUA, apoiou publicamente, na rede social “X”, a ideia de que os Estados Unidos deixem a OTAN e a ONU. Seu endosso se alinha aos crescentes apelos de alguns legisladores republicanos, sobretudo do senador Mike Lee, para que o país repense seu comprometimento com a Aliança.

Essa mudança não alarma apenas os europeus. Muitos americanos também demonstram preocupação. O embaixador John Bolton - que chegou a ser conselheiro de segurança nacional de Trump em seu primeiro mandato - classificou a reunião entre Trump e Zelensky como “um desastre para a segurança nacional dos EUA”. 

Bolton alegou que “o presidente e o vice-presidente dos EUA se mostraram emocionalmente comprometidos com o lado russo”, o que sinalizaria o abandono de princípios que fundamentaram a política externa do país desde 1945.

O mundo assiste à ordem internacional do pós-guerra ser desmantelada justamente pelos Estados Unidos, o principal arquiteto dessa estrutura — e, por conseguinte, seu maior beneficiário. Dessa desconstrução emergem novos vencedores e perdedores, enquanto a incerteza se aprofunda. 

A guinada de Washington em direção a Moscou, que deixa a Europa de lado, revela a fragilidade das antigas estruturas de cooperação e aponta para um futuro cada vez mais volátil. Nesse cenário, novas coalizões podem emergir ou ruir subitamente, e questões antes consideradas estáveis — como a segurança coletiva e as regras do comércio global — entram em xeque. 

A China, por sua vez, tende a enxergar oportunidade nesse vácuo, reforçando sua influência em áreas estratégicas e assumindo um papel cada vez mais central nos debates sobre comércio e segurança. 

Para além do conflito na Ucrânia, o que está em jogo é a própria redefinição de poder e influência no sistema internacional, com potenciais consequências que vão da reconfiguração de fronteiras a mudanças radicais na forma como as nações se relacionam e buscam preservar seus interesses vitais.

VEJA TAMBÉM:

Conteúdo editado por: Aline Menezes

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.